O horário de verão, um tema que divide opiniões, é alvo frequente de debates. O principal objetivo é deslocar o consumo de energia elétrica durante o chamado “horário de ponta” – que ocorre no final da tarde e início da noite. Em entrevista ao Sistema Sagres, o professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e especialista em energia, Fernando Nunes Belchior, esclarece como essa medida busca equilibrar o consumo e quais são os seus verdadeiros impactos na rede elétrica.
“O principal objetivo é deslocar a utilização, o consumo de energia elétrica no horário de ponta, que seria o final da tarde e início da noite”, explica o professor Fernando. Durante esse período, há uma concentração significativa de consumo, ocasionando aquecimento maior dos cabos e sobrecarga dos transformadores.
“Com esse procedimento, as pessoas vão mudar um pouco o seu horário de tomar banho, por exemplo. A própria iluminação pública também vai demorar um pouco mais para ser ligada, porque ainda vai estar mais claro ali perto de seis, sete horas.”
Sendo assim, o deslocamento do consumo, segundo o professor, é vital para evitar sobrecarga nas redes elétricas. “O objetivo maior seria esse deslocamento desse horário de ponta, porque, em função dessa concentração maior, você tem um aquecimento maior de cabos e uma utilização muito grande de consumo nesse horário. Os transformadores também podem ficar sobrecarregados nesses horários de ponta.”
Comparativo dos resultados
Quando questionado sobre a eficácia do horário de verão em diferentes regiões e a possibilidade de seu retorno, o professor Fernando aponta que a economia de energia pode ser relativa. “Existe uma diminuição do horário de ponta, mas ele acaba sendo consumido em outro horário”, diz.
Ele destaca que, durante o horário de verão, as pessoas acordam mais cedo. Sendo assim, pode gerar um consumo adicional no início da manhã, quando ainda está escuro. “Então, a grosso modo, não tem muita diferença com relação ao consumo de energia da população.”
A situação não é diferente no estado de Goiás. “Para Goiás também tem essa compensação”, afirma Fernando. “As pessoas acabam não usando no final da tarde, mas de manhã elas acabam usando mais.” Ele esclarece que o consumo de energia é apenas deslocado para horários diferentes. Especialmente em atividades como tomar banho – uma das maiores cargas nas residências devido ao uso do chuveiro elétrico.
Infraestrutura elétrica
Apesar de o horário de verão não representar uma grande economia para a população, ele desempenha um papel importante no alívio das redes elétricas. “O principal, no meu ponto de vista, é essa diminuição, esse alívio de carga nos condutores, nos ramais, nos transformadores, nas subestações dos sistemas elétricos do Brasil”, destaca o professor.
A medida, que geralmente é aplicada de outubro a fevereiro, ajuda a evitar picos de consumo. Além disso, a preservar a infraestrutura elétrica, ainda que seu impacto sobre a economia de energia para os consumidores possa ser menos significativo. Segundo o professor, o horário de verão traz tanto pontos positivos quanto negativos para a rotina das pessoas.
“Tem pessoas que gostam do horário de verão, tem pessoas que não gostam”, ressalta ele. Um dos principais pontos negativos apontados é o impacto nas primeiras horas do dia. “De manhã, acorda um pouco mais cedo, então ainda está à noite. Tem um perigo a mais em estar já à noite, andando durante a manhã, que ainda vai estar à noite.” Ou seja, para quem precisa sair de casa nas primeiras horas da manhã, o horário de verão pode significar mais tempo de escuridão e, consequentemente, maior risco em algumas situações.
Por outro lado, há também aspectos positivos, principalmente no final do dia. “Pensando no final da tarde, você tem um tempo maior para passear, fazer um passeio na praça, ir à academia, ainda vai estar claro”, afirma o professor Fernando. Esse alongamento da luz do dia pode ser uma vantagem para quem gosta de aproveitar o tempo livre após o trabalho. Além disso, as atividades diárias, permitindo mais atividades ao ar livre em um ambiente ainda iluminado.
Gestão da energia
Do ponto de vista econômico, o horário de verão tem sido tradicionalmente associado a benefícios na gestão da energia. “Essa é a principal tendência para o sistema eletro-nacional, para o governo que estabelece o sistema, que é o caso aqui do Brasil”, explica o professor. Ele detalha que a principal vantagem está na redução do pico de consumo de energia.
Além disso, o professor Fernando destaca que o horário de verão pode ser uma resposta eficiente a condições climáticas adversas. “Estamos presenciando épocas cada vez mais quentes e, com isso, a necessidade crescente de utilização de aparelhos de ar-condicionado.” Ele também observa que, em períodos de seca, a capacidade das hidrelétricas de produzir energia é reduzida devido ao menor volume de água nos reservatórios.
“Você tem o maior consumo de energia e menos possibilidade de gerar essa energia ao mesmo tempo.” Nesse contexto, o horário de verão pode contribuir para reduzir o consumo de energia em horários de pico, aliviando o sistema elétrico nacional.
Efeito prático
Segundo o professor Fernando, o horário de verão ainda pode ser uma ferramenta relevante para o Brasil. “Sim, eu acho que sim. Existem diversos fatores que podem ajudar nessa questão do consumo de energia,” afirmou o professor. Para ele, o consumo consciente de energia é resultado de uma série de ações conjuntas. “Então você tem a eficiência energética, a compra de equipamentos mais econômicos, que consomem menos energia, e também a questão da utilização menor dos equipamentos, mais conscientes,” explica.
Fernando destaca que o governo tem desempenhado um papel importante nesse processo, tanto ao incentivar a produção de equipamentos mais eficientes quanto ao orientar os consumidores. “O governo tem atuado ao longo do tempo fazendo com que o fabricante de equipamentos fabrique equipamentos mais econômicos, mas tem que ter uma ação do governo com relação a sempre direcionar o consumidor para consumir menos energia,” comentou.
Além da eficiência energética e da conscientização do consumidor, o professor menciona outras ações que podem contribuir para a redução do consumo de energia, como a geração de energia solar. “A questão da geração solar também ajuda, o horário de verão também ajuda, então são várias ações que têm que ser feitas diariamente para que tenha essa consciência com relação ao consumo de energia elétrica,” explicou.
Gastos elevados
Para Fernando, a economia de energia é vital não apenas para reduzir custos imediatos, mas também para evitar gastos mais elevados com a geração de energia. “Quando você economiza energia, o valor economizado, se você precisasse de gerar aquela mesma energia, iria ser duas, três vezes maior o gasto em reais para gerar energia do que ações para economizar essa energia,” ressaltou.
Em relação à implementação do horário de verão em outros lugares, como na Europa, o professor esclarece que, apesar das diferenças geográficas e sazonais, a essência da medida é semelhante. “São ações correlatas, no sentido de criar também uma questão da população ter mais tempo fora do trabalho para atividades de lazer e acaba que ajuda também nessa diminuição do horário de ponta, no horário em que todos utilizam a energia ao mesmo tempo,” concluiu.
A discussão sobre a volta do horário de verão no Brasil é, portanto, parte de um conjunto de estratégias que visam a eficiência energética e a sustentabilidade. Embora haja opiniões divergentes, especialistas como Fernando acreditam que a medida, quando somada a outras práticas, pode continuar sendo relevante para a economia de energia no país.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 07 – Energia Limpa e Acessível
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