“Uma reforma revolucionária”, é assim que o professor da Educação Básica no interior do estado de Pernambuco, Iago Gomes, define o que teria que acontecer para que o novo Ensino Médio seja visto na prática, mas sem o reforço de desigualdades.

Quando ele e a equipe de professores da escola receberam as instruções advindas dos itinerários formativos propostos pelo novo modelo, tornou-se claro que ao olhar para as paredes no entorno, algo importante ficaria para fora — a chance de concretizar tudo o que estava no papel. Não faltava vontade para por mudanças em prática, mas sozinhas, as intenções não seriam suficientes.

Linha do tempo

“O Ensino Médio foi negligenciado por muitos anos no Brasil”, explica o doutorando em Educação pela PUC-Rio, José Maurício Carvalho. Ele foi um dos convidados nos episódios da série “Qual é o Ensino Médio que queremos?”, especial do Conexão Sagres.

Segundo o pesquisador, a história do Ensino Médio é marcada por retrocessos. Um exemplo é que apenas em 2013 a etapa foi oficializada como obrigatória. Para ele, a decisão pode ser vista como tardia e nesse sentido, contribuiu para a intensificação das desigualdades ao longo do tempo.

“Os grupos menos abastados já eram desprivilegiados, com menos participação no Ensino Médio e pouca participação no Ensino Superior”, comenta.

Para Carvalho, apesar da obrigatoriedade da etapa sinalizar um avanço, a construção de novas políticas públicas para o Ensino Médio deve ser capaz de considerar as desigualdades históricas além de avaliar aquelas que permanecem no cenário contemporâneo.

Sem filtros

No episódio “Escolas sem filtros”, as desigualdades e o impacto gerado durante a última etapa da Educação Básica foram os centros das discussões trazidas por especialistas. Nesse contexto, o episódio buscou compreender o papel das desigualdades já existentes, bem como os riscos para o fortalecimento de novas desigualdades.

“Você não pode considerar um projeto em que a aplicação é da mesma forma em todas as realidades do país. Quando, na verdade, se tem realidades que são totalmente distintas. Existem desigualdades entre as regiões e dentro das próprias regiões”, explica o professor Iago Gomes.

Formado em Letras, o docente se vê em meio às novas disciplinas propostas pelos itinerários formativos. Professor na única escola estadual de seu município, Iago teme que o futuro de seus alunos, sobretudo dos mais vulneráveis, seja comprometido pela redução de oportunidades.

“Esses estudantes possuem um projeto de vida. O projeto de vida é ter melhores condições de estudo, trabalho e ter para o futuro melhores condições do que seus pais tiveram”, defende.

Fora da escola

A cada ano, mais de 500 mil jovens acima de 16 anos abandonam a escola no Brasil. O dado aparece na pesquisa “Combate à evasão no Ensino Médio”, divulgada pela Escola Firjan SESI em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), no documento divulgado em 2023.

Problemas considerados estruturais no país como altas taxas de evasão, abandono escolar e distorção idade-série são exemplos de índices que refletem as desigualdades sociais existentes.

“Se olharmos os dados de evasão, percebemos que a maioria dos alunos saem porque precisa trabalhar, o que também reflete uma desigualdade”, explica o pesquisador José Maurício Carvalho.

“Para uma mudança é preciso olhar para essas diferenças, entender que elas são desigualdades sociais e que se manifestam como desigualdades educacionais”, completa.

De acordo com o doutorando, que conduziu pesquisa acadêmica sobre os desafios de implementação do Novo Ensino Médio.

Assistência

“Quando se olha os jovens que estão fora da escola, são os mais pobres. Então, o processo de não atendimento de um direito à educação no país é um processo discriminatório”, explica o professor da Educação Básica e membro do Fórum Nacional da Educação (FNE), Heleno Araújo.

Ao debater os efeitos do novo modelo para o Ensino Médio, durante episódio do Conexão Sagres, Araújo defende que o próprio direito à educação. Nesse sentido, a existência do direito nas principais legislações do país, deveria ser suficiente para uma mobilização mais efetiva no combate às desigualdades educacionais.

“O Ensino Médio é a última etapa da Educação Básica, e há a Lei dizendo que o Ensino Médio deve fazer com que o aluno saia preparado para exercer a cidadania e para ingressar no mundo do trabalho, o que não está acontecendo”, ressalta.

Segundo ele, ainda não existe uma política pública nacional coordenada que vise oferecer condições de permanência para alunos no Ensino Médio. Além disso, defende que além de condições de assistência, é fundamental a execução de aspectos sociais.

“É preciso pensar em uma estrutura para o Ensino Médio, primeiro que se garanta o acesso, depois, trabalhar políticas para a permanência na escola. Depois, o terceiro ponto fundamental é o de concluir esses estudos, que precisa ser com qualidade social”, afirma.

*Esse texto está alinhado com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4, proposto pela Organização das Nações Unidas (ONU) por uma Educação de qualidade.

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