A fonoaudióloga Carla Soleman observou em sua tese de doutorado que o serviço especializado do Sistema Único de Saúde (SUS) não atende a diversidade da comunidade surda. A pesquisa analisou o atendimento e a inclusão de pessoas com deficiência auditiva na Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência.
O estudo “A política de saúde voltada ao cuidado da pessoa com deficiência auditiva: um olhar para a diversidade surda” concluiu que a rede oferece assistência limitada porque se pauta unicamente pela perspectiva orgânico-biológica da surdez.
A Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência existe no SUS em 2012. Segundo a pesquisadora, existem diferentes concepções de surdez, mas para fazer a análise ela usou apenas dois conceitos de surdez: a perspectiva orgânico-biológica e a socioantropológica.
A perspectiva orgânico-biológica reabilita a pessoa surda no mundo oral a partir do aparelho auditivo ou do implante coclear, enquanto a concepção socioantropológica faz essa reabilitação através da comunicação a partir da língua de sinais e da diversidade e cultura surda.
Comunicação da pessoa surda
Carla Soleman é formada em fonoaudiologia pela Universidade de São Paulo (USP) e teve formação oralista da surdez. A pesquisadora perdeu a audição do ouvido esquerdo enquanto fazia o mestrado, devido a complicações de uma infecção causada pelo bacilo da tuberculose. Esse fato de sua vida a fez focar os estudos na deficiência auditiva e no atendimento da comunidade surda no SUS. Ela explicou os dois conceitos que estuda.
“Se uma pessoa tem um benefício com o aparelho auditivo, mas se sente melhor se expressando pela língua de sinais, então ela tem duas formas de comunicação. A via auditiva, como uma entrada de informações, e a via visual e gestual, como forma de expressão. A concepção socioantropológica foca nessa abordagem bilíngue, a língua de sinais como primeira língua e o aprendizado da língua portuguesa para comunicação escrita”, explica a pesquisadora.
Realização da pesquisa
O Sistema Único de Saúde trabalha com o aparelho auditivo e o implante coclear. Em relação à diversidade, Carla Soleman lembrou que algumas formas de surdez demoram para serem reconhecidas, caso, por exemplo, da deficiência unilateral, se só foi considerada deficiência auditiva em 2023.
“Há uma diversidade muito grande dentro da deficiência auditiva, existem diferentes graus de perda e cada pessoa se comunica de uma forma, seja pela via gestual, visual ou oral. Então, a rede de saúde tem que atender a deficiência auditiva em toda a sua diversidade”, disse.
Soleman possui a deficiência unilateral, que é quando a surdez só afeta um dos ouvidos, então só passou a ser considerada deficiente auditiva no passado. Em sua pesquisa, ela considerou a identificação precoce do SUS de deficiências na fase pré, peri e pós-natal, infância, adolescência e vida adulta.
A pesquisadora também realizou estudos de caso com pacientes da rede de São José do Rio Preto e aplicou itinerários terapêuticos sobre as políticas públicas entre 1990 e 2019.
Resultado
No itinerário terapêutico os pacientes relataram privação social e falta de acesso a língua de sinais na infância. Por isso, a conclusão da pesquisa é que as políticas da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência do SUS são excludentes e discriminatórias. Até 2019, por exemplo, a concepção socioantropológica nem era mencionada, portanto a língua de sinais não era priorizada.
“Se uma criança chega no serviço de referência em reabilitação auditiva com oito anos, uma perda profunda, eles vão falar que não tem o que fazer por ela porque para o implante não tem mais indicação e o aparelho auditivo não vai dar ganho. Aprender a língua de sinais e oferecer outras formas de reabilitação são maneiras de incluir essa pessoa na sociedade”, afirmou.
Então, a pesquisadora enfatizou que a atual política do SUS se baseia apenas na reabilitação auditiva, que precisa de um diagnóstico precoce. O contraponto de Soleman é que em muitos casos esse diagnóstico ocorre tardiamente e o tratamento se torna eficaz.
*Com Jornal da USP
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 3 – Saúde e Bem-estar e o ODS 04 – Educação de qualidade.
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