Imagine receber alertas instantâneos no seu smartphone ou computador de bordo, informando sobre a presença iminente de animais selvagens como tamanduás, lobos-guarás ou antas atravessando a estrada, sem a necessidade de avistá-los pessoalmente ou acionar alertas manualmente.

Esse é o potencial de um sistema inovador que utiliza inteligência artificial para detecção de fauna brasileira nas pistas, descrito em um estudo publicado na revista Scientific Reports e desenvolvido por pesquisadores apoiados pela FAPESP.

“Essas espécies foram escolhidas conforme métricas do Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas [CBEE, da Universidade Federal de Lavras]. Segundo as estimativas do centro, cerca de 475 milhões de animais são atropelados por ano nas estradas do país. Criamos, então, um banco de dados de espécies brasileiras e treinamos os modelos de visão computacional para detectá-las”, explica Gabriel Souto Ferrante, que realizou o trabalho como parte do mestrado no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (ICMC-USP), em São Carlos.

Modelo

Liderados pelo professor Rodolfo Ipolito Meneguette, do ICMC-USP, os pesquisadores construíram um modelo de visão computacional capaz de identificar automaticamente animais selvagens, preenchendo uma lacuna deixada por modelos estrangeiros que não contemplam a diversidade da fauna brasileira. Além disso, ao contrário de muitos sistemas internacionais, esse novo modelo é projetado especificamente para a detecção rápida de animais em estradas, onde a visibilidade muitas vezes é prejudicada.

“No choque com um animal de grande porte, o risco também é muito grande para o condutor, que muitas vezes não tem tempo de resposta rápido o suficiente para evitar a colisão. Nesse sentido, um sistema que use as próprias câmeras da rodovia, embarcado num computador portátil, tem um aspecto inovador”, conta o pesquisador.

O sistema foi desenvolvido como parte dos projetos “Serviços para um sistema de transporte inteligente” e “Gerenciamento de recursos dinâmicos para aplicativos de sistema de transporte inteligente”, ambos financiados pela FAPESP. Para adaptar o sistema às espécies brasileiras, os pesquisadores compilaram um extenso banco de dados contendo imagens de mamíferos ameaçados de serem atropelados, totalizando 1.823 fotos de domínio público.

YOLO

Utilizando a arquitetura YOLO (You Only Look Once), um modelo de visão computacional amplamente reconhecido por sua eficiência na detecção de objetos, os pesquisadores testaram diferentes versões para identificar a mais adequada para a identificação em tempo real. Surpreendentemente, versões mais antigas do YOLO demonstraram um desempenho superior na detecção dos animais, oferecendo uma solução promissora para a prevenção de acidentes nas estradas.

Vídeos de animais capturados no Parque Ecológico de São Carlos foram utilizados para validar a eficácia do sistema, que deve ser continuamente aprimorado com atualizações do banco de dados, incluindo imagens de animais obtidas por armadilhas fotográficas e câmeras de monitoramento em rodovias. Com esse avanço tecnológico, espera-se reduzir significativamente os riscos de colisões entre veículos e animais selvagens, promovendo a segurança nas estradas brasileiras.

“Em imagens feitas durante o dia, em que o animal aparece claramente, os modelos detectaram corretamente a espécie em 80% dos casos”, conta Ferrante. No entanto, problemas comuns da visão computacional, como detecção em ambientes noturnos, com chuva e com o animal parcialmente escondido, ainda persistem e devem ser alvo de trabalhos futuros.

Parcerias

Além de incluir novas imagens no banco de dados, parcerias com concessionárias de rodovias e prefeituras podem possibilitar que o sistema seja testado em situações reais e mesmo integrado a tecnologias já existentes.

Em 2020, o grupo liderado por Meneguette desenvolveu uma aplicação que avisa os motoristas das condições de trânsito, a partir de informações coletadas pelos próprios celulares na cidade de Catanduva, no Estado de São Paulo.

A diferença de aplicativos como o Waze e Google Maps é que as informações podem ser inseridas pela autoridade de trânsito municipal, por exemplo, como foi feito na cidade paulista. “Uma possibilidade seria acoplar nosso sistema de detecção de animais a essa aplicação que já temos, aumentando a segurança para os motoristas e os animais”, exemplifica Meneguette.

*Com informações de André Julião da Agência Fapesp

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 15 – Vida Terrestre

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