Se todas as etapas de desenvolvimento forem bem-sucedidas e a SpiNTec, a candidata à vacina contra a Covid-19 desenvolvida inteiramente no Brasil, estiver disponível nos próximos anos, ela pode ser a escolha ideal para as campanhas anuais de vacinação contra a doença, que serão implementadas para crianças e grupos prioritários no Brasil a partir de 2024.

A razão para isso é que essa vacina brasileira, desenvolvida com o apoio da FAPESP e outras instituições, tem o potencial de conferir uma resposta imunológica mais duradoura e ser mais eficaz contra as variantes do SARS-CoV-2 do que as vacinas atualmente disponíveis no país.

Essa avaliação foi feita por Ricardo Gazzinelli, coordenador do Centro de Tecnologia de Vacinas (CTVacinas) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e líder da equipe responsável pelo desenvolvimento da vacina. Ele compartilhou essas perspectivas durante uma palestra na Escola Interdisciplinar FAPESP 2023, focada em Ciências Exatas e Naturais, Engenharias e Medicina, realizada até quarta-feira (8) em Embu das Artes (SP).

“Estamos na corrida para que a SpiNTec seja a vacina que será ofertada anualmente nas campanhas de vacinação no Brasil. Não custa sonharmos”, disse Gazzinelli à Agência FAPESP.

Longo prazo

Segundo o pesquisador, as vacinas contra a COVID-19 atualmente em uso, baseadas na tecnologia de mRNA, oferecem uma proteção de longo prazo limitada e precisam ser continuamente atualizadas devido ao surgimento de novas variantes, o que representa um desafio para as vacinas destinadas às campanhas anuais de vacinação.

Para superar esses obstáculos, os pesquisadores à frente do desenvolvimento da SpiNTec projetaram a vacina de forma a induzir uma resposta das células de defesa conhecidas como linfócitos-T, capazes de reconhecer e combater várias partes da molécula do vírus, não se limitando apenas a um de seus segmentos, como acontece com as vacinas atuais, que visam a proteína spike.

“Estamos apostando na possibilidade de termos uma vacina pan, ou seja, que seja eficaz contra todos os tipos de variantes do coronavírus”, disse Gazzinelli. “A vacina já tem sido testada contra variantes em circulação no Brasil, em modelo experimental, e constatamos que conferiu boa proteção. Agora, vamos testar a formulação contra essa última variante”, afirmou.

Outro diferencial da vacina brasileira é sua alta estabilidade, o que permite que seja armazenada a 4°C por até 12 meses e à temperatura ambiente por três semanas, facilitando a distribuição em regiões distantes.

Próximas Etapas

Atualmente, a SpiNTec encontra-se na segunda fase de estudos clínicos, iniciada no mês passado. Nessa etapa, 350 voluntários receberão uma dose da vacina e serão acompanhados por um ano. Os níveis de anticorpos e a resposta dos linfócitos T dos voluntários serão comparados com os de um grupo igual de participantes que receberão uma dose de reforço de uma vacina já em uso no Brasil.

O objetivo dessa fase é investigar se a SpiNTec não produz uma resposta imunológica inferior em comparação com a vacina de referência. Se os resultados forem positivos, a vacina avançará para a terceira e última fase de avaliação em seres humanos, que envolverá a aplicação da vacina em 5.000 pessoas.

“Já temos recursos da Finep [Financiadora de Estudos e Projetos] para realizar a fase 3”, revelou Gazzinelli.

Um dos desafios nessa etapa final dos testes em seres humanos é a necessidade de dispor no Brasil de uma estrutura industrial que atenda às normas de boas práticas de fabricação para a produção da vacina. “Estamos olhando algumas empresas e pensando até mesmo em construir um laboratório para produzir o lote de vacinas que será usado na fase 3”, afirmou Gazzinelli.

MCTI

Além do apoio da Finep, o projeto de desenvolvimento da vacina, elaborado pelo CTVacinas em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz em Minas Gerais (Fiocruz Minas), recebeu investimentos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para as etapas de ensaios pré-clínicos e clínicos das fases 1 e 2.

O trabalho também contou com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), da Prefeitura de Belo Horizonte e de emendas parlamentares de deputados de Minas Gerais.

“O grande legado da SpiNTec é que passamos a desenvolver em nosso laboratório outras vacinas para doenças negligenciadas, como para doença de Chagas, cujo desenvolvimento conta com a participação de imunologistas, bioquímicos, matemáticos e cientistas de diversas outras áreas. Espero encorajar vocês a ingressar nessa área”, disse Gazzinelli, se dirigindo à plateia de participantes da escola, composta por pós-doutorandos de diversas partes do Brasil.

Abordagem Interdisciplinar

Inspirada na experiência do programa Escola São Paulo de Ciência Avançada da FAPESP e nos Encontros dos Laureados com o Nobel da Fundação Nobel, alguns dos objetivos deste encontro são oferecer a bolsistas de pós-doutorado de todo o país a oportunidade de conhecer a pesquisa realizada por líderes científicos do Brasil e do exterior em diversas áreas do conhecimento, bem como suas trajetórias acadêmicas.

Foram recebidas 222 inscrições e selecionados 59 pós-doutorandos, sendo 28 deles provenientes do Estado de São Paulo e 31 de outros 16 Estados. “Este encontro é diferente das escolas que a FAPESP apoia e organiza, que estão focadas em assuntos muito específicos. Já este evento é pautado pela multidisciplinaridade. É o ambiente ideal para promover o intercâmbio de ideias e conhecimentos e para estabelecer novos contatos, muitos dos quais permanecem para o resto da vida”, disse Marco Antonio Zago, presidente da FAPESP, na abertura do evento.

“A Escola FAPESP oferece uma oportunidade raríssima de explorar diversas áreas do conhecimento. Espero que seja uma experiência enriquecedora para vocês, que ajude a moldar e contribuir para o sucesso de suas carreiras”, completou Fernando Costa, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e presidente da comissão científica do evento.

De acordo com Oswaldo Baffa Filho, professor da Universidade de São Paulo (USP) e membro da comissão científica do encontro, a escola reúne pós-doutorandos de todas as regiões do Brasil e alguns estrangeiros, ligados a universidades e instituições de pesquisa no país. “Espero que esse encontro possa dar uma contribuição importante para o estabelecimento de redes, para a quebra de barreiras e para criação de uma nova cultura na ciência e na sociedade em geral”, avaliou.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 03 – Saúde e Bem Estar

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