Zamor acordou para a vida na Fazenda do Rio Torto, hoje zona rural de Brasília, ou seja, nasceu brasiliense, antes da capital chegar no cerrado brasileiro, no inverno, dois dias antes da chegada da primavera, em 21 de setembro de 1929.

Na pia batismal é Zamor Magalhães. Ainda criança despertou o talento para a Literatura, nas primeiras incursões escreveu poemas e assinava como Zamor Filho do Cerrado. Foi esta assinatura que adotou até se tornar um oficial do Exército Brasileiro. Na Literatura escreveu poemas, crônicas, contos:

“Meio diabólico luto pela vida nesse canto

Brigo pela Justiça e contra a fome, contra a ignorância

E o que me faz santo é o meu canto”

Seu canto foi de civismo, grito contra o analfabetismo, berros à favor da ordem. Foram estes objetivos que o levaram ingressar na vida militar, para fazer carreira de oficial. Foi o primeiro colocado no concurso que o aprovou para a Academia das Agulhas Negras, do Exército Brasileiro. Genial, mereceu das Forças Armadas homenagem com o nome de um pavilhão na Academia, o Pavilhão Tenente Zamor.

Quando criança, conheceu Luiz Carlos Prestes. A coluna Prestes passou pela Fazenda do Torto. Se encantou com o comandante. Cresceu com interesse pelas revoluções. Estudou todas e as do seu tempo procurou participar, a favor ou contra. As revoluções, ou movimentos que receberam este nome no Brasil, ocorreram em 1924, 1932 e 1964.

Em 1964 já era tenente do Exército Brasileiro. Radialmente contra a aproximação do governo de Jango Goulart com o governo comunista da União Soviética. O tenente Zamor foi apoiador do movimento Militar que depôs o presidente Jango do poder e defensor de primeira hora dos ideais da Revolução de 1964.

Um senão o fez rebelar contra a revolução: entendia que a primeira bandeira do novo governo deveria ser o combate efetivo contra o analfabetismo. Defendia que o cidadão analfabeto deveria ser obrigado a se alfabetizar, e caberia ao governo federal oferecer as condições, inclusive ajuda de custo.

Com seu ideal não foi ouvido pelos marechais e generais que comandavam o Brasil. Veio para Goiás, licenciado do Exército e se candidatou a suplente de senador pela oposição, o MDB. Na cabeça de chapa estava o ex-prefeito de Anápolis, Raul Balduíno, tido como candidato imbatível.

No contar dos votos, a chapa foi batida. Só em 1990 se soube que houve fraude na contagem dos votos. A chapa Raul Balduíno/Tenente Zamor havia vencido a eleição, mas os militares interferiram e deram a vitória para a chapa da Arena.

Zamor voltou ao Exército, enfrentou retaliações, mas ficou nas Forças Armadas até atingir a patente de major. Saiu e foi empreender na iniciativa privada. Caminhou pela mineração, o comércio e a comunicação.

Ao lado de outro instituidor, Adair Meira, fundou a TV Cerrado, que deu origem ao Sistema Sagres de Comunicação. Era um visionário. Teve uma sala exclusiva no Núcleo Seu Jayme, onde o Sistema Sagres está instalado. Nesta sala, hoje vazia, de onde o vazio se expande para todos os corações, neste dia 2 de fevereiro de 2020, que o conheceram, ele trabalhou até o início da pandemia, em 2020.

Dois anos antes do início da pandemia, em 2018, o velho Zamor de Guerra resolveu voltar à luta. Com 94 anos, se candidatou a deputado federal, em Goiás. Mais uma vez não foi eleito. Se na busca por um mandato não foi vitorioso, o foi como empreendedor, como militar e como escritor. Ele próprio se definia como poeta. Seu último livro foi “Não brinque com o destino”, uma obra autobiográfica. No corpo do livro conta suas experiências, as glórias e as despesas.

“Na política, a traição, ingratidão e a reconciliação é questão de tempo”.

“Político sem mandato é espingarda sem chumbo”.

“O caminho da política é pavimentado de ovos podres”.

Estes pensamentos estão registrados nas páginas de “Não brinque com o destino”. Na Já na primeira página, o velho Zamor Filho do Cerrado lamenta: “É difícil morrer por um ideal. Muitos já fizeram isso… mas o difícil é viver por um ideal e ainda mais difícil é ter que aceitar ser alcançado pela velhice sem ter tido a oportunidade de realizá-lo”.

Mas Zamos realizou quase todos os seus e se não alcançou um mandato, foi vitorioso na coragem de lançar a candidatura pela oposição na condição de tenente do Exército Brasileiro em pleno 1970. E voltar à cena política aos 94 anos, candidato a deputado federal.

A sala onde trabalhava, no Sistema Sagres de Comunicação, está fechada. A Covid-19 levou Zamor Magalhães, o Zamor Filho do Cerrado para outro plano. Lá, com certeza, vai continuar a favor do civismo, da ordem e contra a ignorância, agora, na companhia de Deus.