Sem dúvidas, a pandemia da Covid-19 tem sido a pior das últimas décadas. Desde o final de 2019, o novo coronavírus já matou mais de 3 milhões de pessoas, além de mais de 142 milhões de casos confirmados em todo o planeta.

No Brasil, antes da chegada da Covid-19, o sarampo, a dengue, o H1N1 e a chikungunya já desafiavam a ciência. A antropóloga e professora do departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB), Soraya Resende Fleischer, relembra o vírus que atingiu o país fortemente entre os anos de 2014 e 2016, e que atinge a população até hoje. À época, os cientistas se depararam com um vírus tão desconhecido quanto o Sars-Cov-2.

“No começo da epidemia do Zika, ninguém sabia o que estava acontecendo. Houve essa intensificação da ciência para poder entender o fenômeno, como a gente viu muito de perto no ano passado, essa intensificação para entender o Covid-19. Cada semana aparecia uma notícia nova. É um intensivão científico que toda nova epidemia exige”, afirma.

O mais temido dos males causados pelo Zika vírus, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, era a microcefalia em bebês ainda no ventre, quando a cabeça do feto ficava significativamente menor que o esperado, muitas vezes devido ao desenvolvimento anormal do cérebro. Em crianças, adolescentes e adultos, Soraya Fleischer lembra que o vírus causava uma espécie de dengue mais fraca.

“Umas pintinhas vermelhas, um mal estar, uma febre. Mas ela é muito mais amena do que a dengue, que nós em Goiás conhecemos tão bem. Ela baqueia muito menos do que a dengue, mas ela tem uma sequência reprodutiva muito grave”, afirma.

No livro Micro: Contribuições da Antropologia, disponível gratuitamente neste link, Soraya Fleischer faz uma análise de como o Zika vírus afetou o mundo a partir de 2014, e compara com a realidade vivida em todo o planeta em razão da atual letalidade da Covid-19.

Dados da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS), só em 2016, entre 3 e 4 milhões de pessoas foram infectadas pelo Zika vírus apenas no continente americano. No Brasil, eventos como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 foram apontados como os principais causadores da epidemia, por meio da vinda de estrangeiros.

Soraya Fleischer no STM #250 (Foto: Sagres TV)

Em relação à Covid-19, a China tem sido apontada por muitos como a causadora da pandemia. Segundo a professora da UnB, injustamente. “É muito perigoso isso porque a gente pode resvalar para uma xenonofobia, por exemplo. Uma coisa é o vírus chegar, outra coisa é como aquele país recebe se prepara para poder diminuir o impacto daquele vírus. O tipo de política pública, o tipo de dinheiro e financiamento que se põe na praça para poder lidar com aquela situação epidemiológica”, afirma.

Para Soraya Fleischer, o investimento na ciência precisa ser a primeira vacina contra qualquer pandemia, desde os primeiros casos registrados. “No caso do Zika o que a gente viu foi que à época o governo colocou uma série de editais para pesquisa na praça, injetou dinheiro no mundo da universidade que produz a ciência. Já no caso do Covid-19 a gente está vivendo um momento muito grande de retração do dinheiro com a ciência, o que desacelera qualquer tipo de descoberta sobre a Covid-19”, conclui.

Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2020 foram notificados 3.692 casos prováveis de Zika, e uma taxa de incidência 1,8 casos para cada 100 mil habitantes.

Confira a entrevista a seguir no STM #250