Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes ao Censo Demográfico de 2022 revelam que o número analfabetismo em pessoas com 15 anos ou mais é de 9,6 milhões. Desse total, 59,4% (equivalente a 5,3 milhões de pessoas) residem na região nordeste do Brasil. Além disso, 54,1% (representando 5,2 milhões de pessoas) pertencem ao grupo etário de 60 anos ou mais.
A análise desses dados tem que levar em conta as desigualdades estruturais existentes no Brasil. O argumento é da professora Sonia Maria Portella Kruppa, da Faculdade de Educação da USP
“A população preta é maioria no Brasil, mas no nordeste essa proporção é mais acentuada. Se eu tenho essa junção de duas situações – uma situação estrutural de uma sociedade de classe que se alia a uma situação que é também estrutural de um passado escravista, que traz hoje um brutal preconceito -, eu vou ter uma incidência maior no Nordeste”, explica a professora, em entrevista a Bárbara Bigas do Jornal da USP.
Relativização
Sonia avalia que ao longo da história há uma tendência à relativização do problema do analfabetismo. Nesse sentido, seus efeitos são de forma distinta dependendo do grupo de pessoas. Intelectuais, como Darcy Ribeiro, defenderam esse conceito, inclusive. Eles afirmavam ser necessário eliminar o analfabetismo apenas entre as crianças, pois elas cresceriam e, uma vez alfabetizadas, ocupariam posições produtivas na sociedade.
Enquanto isso, acreditava-se que os idosos, por terem um tempo de vida mais curto, logo deixariam de ser um fator relevante no problema do analfabetismo. “Isso é um equívoco porque esse aumento sempre relativo do analfabetismo, em relação ao que estava antes, está ligado a uma mudança da condição social e econômica da população”, destaca Sonia.
Os níveis de analfabetismo e escolaridade não estão diretamente relacionados à idade, e sim à qualidade de vida da população. Quando a qualidade de vida melhora, espera-se que os níveis de analfabetismo diminuam e a escolaridade aumente. Por outro lado, quando a qualidade de vida piora, prejudica também o acesso à educação. Sendo assim, pode resultar em maior analfabetismo e menor nível de escolaridade.
De acordo com o Censo 2022 do Brasil, dos 52 milhões de jovens com idades entre 14 e 29 anos, 18,3% não completaram o ensino médio, seja por abandono ou por nunca frequentar a escola. Dentre esses jovens, 70,9% eram pretos ou pardos, indicando uma disparidade entre grupos étnicos em relação à educação. A principal razão apresentada para o abandono escolar foi a necessidade de trabalhar.
Hipóteses
De acordo com Sonia, uma das explicações para as porcentagens de baixa escolaridade na região nordeste e entre a população preta e parda é a ausência de políticas públicas voltadas para lidar com essa realidade. Como exemplo, a professora cita a extinta Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação, que até 2019 tinha o papel de articular políticas de alfabetização e educação em diversas áreas junto aos estados.
Essa carência de políticas públicas, que já se estende por vários anos, se agravou pela pandemia de Covid-19. “A Covid, que foi brutal no país e obviamente teve uma incidência maior entre os mais pobres, uma diminuição do acesso aos bens culturais mais violenta entre os mais pobres e isso levou a desestruturação de serviços da educação de jovens e adultos qu,e desigualmente, devem ter sido mais afetados na região nordeste”, argumenta.
Apesar da persistente realidade, ainda há esforços por parte das políticas públicas para atender às necessidades das populações locais, como é o caso dos Centros Integrados de Educação de Jovens e Adultos (CIEJAs) presentes no município de São Paulo. Além disso, algumas políticas que foram temporariamente interrompidas durante a pandemia estão sendo retomadas no pós-pandemia, como a Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos (CNAEJA) e os fóruns de discussão da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Estes últimos estão atualmente engajados em debates acerca do Novo Ensino Médio.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 04 – Educação de Qualidade
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