No Brasil, somente 16,5% das vagas dos cursos de TI (Tecnologia da Informação) são ocupadas por mulheres. Um contraste com as demais áreas, onde a média da participação feminina é de 60,7%.

As informações são do Mapa do Ensino Superior 2023, elaborado pela SEMESP. Os dados foram coletados em 2021, e a divugalão recebeu uma seção especial sobre os cursos de TI.

Nesse cenário, a desigualdade de gênero aparece como um ponto de alerta. Afinal, a configuração atual da sociedade aponta a tendência de grande parte das vagas com melhores salários estarem conectadas ao mercado de tecnologia.

Diferenças

“A realidade vem mudando, mas se olharmos para 10 ou 5 anos atrás, tínhamos poucas mulheres no mercado de trabalho e elas tinham que provar que eram tão boas quanto os homens. Os meninos não precisavam provar, e muitas vezes nem bons eram”, compara a professora e pesquisadora Maria Claudete Schorr.

Formada na primeira turma de licenciatura em computação de sua cidade, no interior do Rio Grande do Sul, ela conta que ainda com 17 anos, já começou a dar aulas em cursos de informática.

Maria Claudete Schorr é professora desde os 17 anos em cursinhos com foco em aprendizado de Informática. (Imagem: Arquivo Pessoal)

Depois, se dedicou ao exercício da docência no Ensino Técnico e Educação Básica. Com mestrado em Ensino de Ciências Exatas e doutorado em Informática na Educação, a partir de 2020, a professora passa a assumir disciplinas no Ensino Superior. Atualmente, ela faz parte do quadro de profissionais da Univates, instituição privada na região.

“Como eu sempre atuei no ensino, sempre fui bem recebida. Tive alguns impactos negativos quando eu entrava em uma turma que só tinha homens e precisava ministrar uma disciplina para fazer instalação de sistemas operacionais. Por ser algo que teria que colocar mais ‘mão na massa’, digamos assim”, relembra.

Os alunos não expressavam verbalmente a estranheza, mas a professora ressalta que era possível perceber o tom de desconfiança.

“Eu percebia aquele olhar desconfiado do tipo ‘uma mulher vai dar essa disciplina? Mas isso acontecia só até que eles me conhecessem”, afirma.
Ao final das disciplinas, os alunos precisam registrar avaliações da experiência que tiveram ao longo do semestre. Segundo Schorr, alguns depoimentos de alunos revelavam que quando viam que o docente da matéria uma mulher, chegaram a pensar que “não aprenderiam nada na disciplina”.

Inclusão

Para o professor do Instituto de Informática (INF), da Universidade Federal de Goiás (UFG), Juliano Nascimento, as mudanças, apesar de nem sempre em ritmo acelerado, estão acontecendo. Atualmente, ele atua na docência nos cursos de Ciência da Computação, Engenharia de Software e Sistemas de Informação.

“Embora sutil, tenho notado um aumento da participação feminina. Nas disciplinas que ministro atualmente, de um total de 102 estudantes, 12 são mulheres”, destaca.

De acordo com a pesquisa Mapa do Ensino Superior (2023), ao longo de 10 anos, a participação feminina nos cursos das áreas de TI cresceu apenas 0,6 ponto percentual, contra 1,8 ponto percentual nas demais áreas.

Professor Juliano Nascimento faz parte do quadro do INF, da Universidade Federal de Goiás (UFG) Imagem: Arquivo Pessoal

“Ao longo do ensino médio e da graduação tive excelentes professoras de matemática e isso me chamava muito a atenção. Considerando que a área de exatas era composta majoritariamente por homens”, recorda o professor do INF.

A professora Soraia Raupp Musse, docente do programa de pós-graduação em Ciência da Computação da Escola Politécnica da PUCRS, ressalta que o senso comum de que cursos da área de TI são essencialmente “para meninos” ainda é um pensamento frequente em diferentes espaços sociais.

“Existe uma percepção de que seriam cursos de meninos. No entanto, não há nenhuma razão para que homens se conectem mais com a área de tecnologia do que mulheres. A área de tecnologia é bastante interdisciplinar e muito criativa na busca por soluções”, reflete.

Mercado

“Tenho no curso poucas meninas. Muito por acreditarem que computação é coisa para meninos. De fato, elas se sentem um pouco inferiores. Mas, como professores, vamos trabalhando para que elas vejam que têm tantas condições quanto eles”, destaca a professora Maria Claudete Schorr.

No seu ponto de vista, o contexto vem passando por transformações e hoje, já é possível perceber avanços significativos ao se comparar a realidade de outras gerações. No entanto, ela pontua que a mudança ainda é recente.

“O mercado de trabalho queria acreditar que as mulheres não eram tão competentes quanto os homens. Isso se refletia inclusive em questões de salário, pois elas recebiam menos”, conclui.

Sendo a única professora mulher no curso em que atua atualmente, ela explica que alunas ainda continuam entrando em contato para compartilhar dúvidas, receios e explorar as opções de oportunidades disponíveis para o futuro.

Atualmente, um dos focos profissionais de Talita é a gestão de squads de engenharia de sofware (Foto: Reprodução redes sociais/Linkedin)

Para Talita Maria, o universo da Tecnologia da Informação (TI) não apareceu como primeira escolha. Formada em Comunicação Social, decidiu apostar no mercado da tecnologia após perceber que a Engenharia de Software seria a aposta ideal.

“Fiz de tudo um pouco, aprendi bastante. E quando senti segurança, comecei a migração para engenharia de software. E eu amo essa área. Pra gente conseguir chegar no lugar que quer, às vezes vamos passar por vários que não queremos”, reflete.

Bloqueios

Após descobrir o caminho que desejaria seguir, Talita precisou lidar com o machismo, um obstáculo que impede que apenas o autoconhecimento e o trabalho operem juntos para novas oportunidades.

“A mulher que nunca teve que responder em uma entrevista de emprego sobre quando teria filhos, que atire a primeira pedra. No meu caso, tinha pouco mais de 20 anos quando me perguntaram a primeira vez”, afirma.

Segundo ela, ao estar em um ambiente frequentado predominantemente por homens, conceitos como segurança e autoestima também são afetados. “É difícil para grande parte das mulheres se sentir segura, se posicionar e tomar a frente”, explica.

Originalmente, Jéssica Araújo é formada em Engenharia de Produção. (Foto: Reprodução redes sociais/Linkedin)

“É uma área “monopolizada” pelo sexo masculino devido a ideias retrógradas sobre a competência intelectual da mulher e ao machismo familiar”, comenta Jéssica Araújo, especializada em qualidade de software, desenvolvimento de software e inteligência artificial.

A presença de referências durante a graduação e posteriormente, no mercado de trabalho, é importante para que mais meninas enxerguem nos cursos de TI um contexto de oportunidades mais acessíveis.

“É importante que as pessoas se identifiquem com cargos e profissionais que admiram e que sejam parte do grupo que se identificam. Esse fato atesta a favor de termos mais diversidade em todos os postos”, defende a professora Soraia Raupp Musse.

Desestruturar

Ao passo que o machismo aparece como uma estrutura rígida ao longo das gerações, os atores envolvidos no mercado de tecnologia se deparam com a necessidade de “desmontar” não peças de dispositivos, mas visões que limitam o crescimento do próprio contexto em que se inserem.

“Além de reduzir desigualdades no mercado de trabalho, a participação de pessoas cada vez mais diversas aumenta também a diversidade das soluções propostas. E tendo um grupo diverso, em todos os termos possíveis, várias ideias e conexões acontecem. Imagine que um grupo diverso pode chegar em soluções, que um grupo muito homogêneo pode ter dificuldade em visualizar”, estimula Musse.

“Creio que o respeito e a empatia são fundamentais. O respeito como atitude ativa, no sentido de eliminar comportamentos machistas, defender a igualdade e promover a inclusão das mulheres em todas as áreas”, complementa o professor Juliano Nascimento, da UFG.

Para Talita Maria, o estímulo aos efeitos deve acontecer desde a infância. “As meninas não são incentivadas a seguir algumas carreiras. Na verdade, desde sempre ouvimos sobre casar e ter filhos, ao contrário dos meninos que são desde criança são incentivados a serem médicos, engenheiros, cientistas…“, pondera.

No mesmo sentido, a especialista em software e IA, Jéssica Araújo, defende que o estímulo às escolhas envolva os ambientes formais de aprendizado.

“Acredito que devem ser incentivadas a atuar em qualquer área de seu interesse. Deve partir da educação básica familiar e acompanhar em todas as etapas de ensino escolar”, diz.

Ação

“A área de tecnologia ajuda a gente a desenvolver pensamento lógico, potencializa habilidades que acabam negligenciadas no desenvolvimento de grande parte das mulheres. Hoje, muito se fala sobre a mulher ser o que quiser, mas o escopo apresentado a elas e as oportunidades são as mesmas há muitos anos”, aponta Talita Maria, que atualmente trabalha em cargo de gestão ligado à Engenharia de Software.

A fim de mudar essa realidade, algumas universidades e instituições de ensino apostam na criação de projetos que estimulam o ingresso e a permanência de mulheres em cursos da área de Tecnologia da Informação (TI).

Segundo o Mapa do Ensino Superior, os cursos com maior nível de procura (na modalidade presencial) são: Ciência da Computação; Análise e Desenvolvimento de Sistemas; Sistemas de Informação; Engenharia de Computação e Gestão da Tecnologia da Informação.

“Como docentes no Instituto de informática (INF) da UFG, temos nos envolvido em projetos objetivando ampliar a participação feminina na computação, criar ambientes acolhedores e assegurar que as alunas recebam apoio necessário para ingressar e permanecer nos cursos”, explica Juliano Nascimento.

Adas

O nome “Ada” aparece em dois projetos distintos, e separados por pelo menos 2000 km. Nos dois casos, há uma referência direta à matemática Ada Lovelace, considerada a primeira programadora da história (1815 – 1852).

Na Universidade Federal de Goiás (UFG), o projeto ADAs é uma realização do Instituto de Informática (INF).

“Estas iniciativas, juntamente com outras de âmbito nacional, como o programa Meninas Digitais da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), tem fortalecido a visibilidade feminina na computação e, consequentemente, atraído mais mulheres para as carreira de T.I”, explica o professor Juliano Nascimento.

“Como docentes, temos o objetivo de ampliar a participação feminina na computação, criar ambientes acolhedores e assegurar que as alunas recebam apoio necessário para ingressar e permanecer nos cursos”, reforça.

Já no Rio Grande do Sul, o Programa ADA, da PUC RS, atua em dois eixos centrais: aumento de mulheres ingressantes e auxílio para permanência durante a graduação.

“O objetivo é prover apoio financeiro para que meninas carentes pudessem cursar a PUCRS e, mais que isso, se dedicar integralmente aos estudos, por pelo menos três semestres”, explica Soraia Musse.

“Hoje, todas nós que estamos em cargos de gestão, que somos especialistas no que fazemos e nos destacamos, quebramos grandes barreiras. Tivemos mais dias de luta do que dias de glória. Mas estamos abrindo caminho para as próximas gerações”, reflete Talita Maria.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 4 – Educação de Qualidade.

Leia mais: