O Brasil registrou uma elevação de 57,6% no número de cesáreas. Os dados são do Ministério da Saúde. Com isso, o País está em segundo lugar, empatado com o Egito e atrás apenas da República Dominicana, que tem 58%. A Organização Mundial de Saúde (OMS), no entanto, recomenda que apenas 15% dos partos sejam não naturais. Ou seja, os números no País estão muito acima do indicado.

Em entrevista ao Jornal da USP, a docente do curso de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP), Marlise de Oliveira Pimentel Lima, analisa o cenário no Brasil. “Os números apontam um aumento na morbimortalidade materna e perinatal e representam uma grave distorção na assistência à saúde, com desperdício de dinheiro público e privado, com intervenções cirúrgicas desnecessárias, em patamares muito acima do aceitável, expondo a mulher e criança a riscos como infecções, hemorragias, prematuridade, aumentando a mortalidade materna e perinatal”, avalia.

Segundo a especialista, quando bem indicada clinicamente, a cesárea salva vidas. Entretanto, Marlise salienta que, sem indicação, aumenta o risco de morte. Conforme a docente, 86% dos partos no sistema privado de saúde são cesáreas. 

Segundo o MS, cerca de três milhões de partos acontecem por ano no Brasil. Além disso, desse total, um milhão 680 mil são cesáreas; 870 mil delas ocorrem anualmente sem uma verdadeira indicação cirúrgica. No SUS, o número de procedimentos tem crescido. Nesse sentido, diversos fatores contribuem para essa realidade, apesar de as taxas serem menores: em geral, 44,2%.

Entre os fatores que influenciam a cirurgia estão: profissional que está no plantão, horário deste (se é diurno ou noturno), se ocorre no final de semana ou durante a mesma. Segundo Marlise, a escolha do tipo de parto depende das condições clínicas e obstétricas da mulher e do feto, além de respeitar a autonomia da gestante.

“A princípio, todo parto deveria ser normal, e a cesárea seria opção nos casos em que há uma indicação clínica relevante reconhecida pelas melhores práticas como estabelecida nas evidências científicas”, pondera.

Custo e investimento

Outro fator que pode passar por análise são os custos de uma cesárea. São muito mais altos que o parto normal. Ademais, os riscos de morbimortalidade também são maiores para a mulher. Além disso, o feto neonato na cirurgia sem indicação clínica adequada torna-se um problema de saúde pública. 

Essa realidade, contudo, pode sofrer modificação. Segundo a professora, o governo pode investir na qualificação técnica dos profissionais para elevar as taxas de parto normal, bem como monitorar as taxas de cesárea dos serviços com indicadores internacionais bem estabelecidos, como a classificação de Robson, por exemplo. A docente complementa com a importância da inserção e valorização das obstetrizes e enfermeiras obstétricas nos serviços para aumento dos partos normais. “É comprovado por vários estudos que a presença dessas profissionais aumenta as taxas de parto normal e melhora a satisfação materna com o parto”, afirma Marlise.

Diversos fatores podem contribuir para a realização de cesáreas nos serviços públicos e privados. Segundo a professora, são cruciais as atividades de consultório médico em relação aos horários de atendimento para o parto normal. “Eles têm dificuldade de trabalhar em equipe multidisciplinar para favorecer o número de taxas de parto normais, então isso acaba aumentando realmente o número de cesárias indicadas ou eletivas, aquelas que já são marcadas muito antes de você ter o início do trabalho de parto entre 37, 38 semanas, quando não deveriam ser. O mínimo que deveria se esperar é até 39 semanas de idade gestacional”, pontua.

Marlise conclui que “vende-se uma facilidade para as mulheres em relação a essa indústria do parto em que os riscos não são adequadamente apresentados. Então, a mulher acha natural escolher a hora do nascimento, escolher a cesárea para, por exemplo, ser compatível com mapa astral que irá favorecer o filho que vai nascer, marcar cabeleireiro, fotógrafo, live, streaming de nascimento para amigos e familiares, como se isso fosse o fator mais importante a ser considerado nesse momento do parto e nascimento, desqualificando esse momento tão ímpar na vida da mulher”.

Com informações do Jornal da USP

*Este conteúdo está alinhado ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) ODS 03 – Saúde e bem-estar.

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