Quantas vezes já ouvimos que, quando se aprende a andar de bicicleta, nunca mais se esquece? Isso ocorre devido à neuroplasticidade do nosso cérebro. É a sua capacidade de adaptar sua estrutura e funções em resposta a estímulos internos e externos, como a música.

“A neuroplasticidade é a capacidade do cérebro de se adaptar, do neurônio, por exemplo, formar novas conexões. Ou seja, ele passa a se comunicar com outros neurônios com os quais não se comunicava antes”, explica Raphael Spera. Ele é médico do setor de Saúde Suplementar da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Neurônios compõem nosso cérebro, que são células nervosas responsáveis pela comunicação entre si através de sinapses elétricas e liberação de neurotransmissores. Sendo assim, essas células podem se reorganizar em resposta aos estímulos recebidos. Isso significa que, quando utilizamos uma determinada área do nosso cérebro com frequência, ela tende a se desenvolver e se fortalecer.

“O que acontece com a estimulação do cérebro é que, com o passar do tempo, algumas vias, algumas conexões, elas se fortalecem, e algumas áreas da arquitetura cerebral acabam também se modificando à medida que a gente vai utilizando. Nós priorizamos algumas atividades”. De acordo com o professor Octávio Pontes Neto, chefe do Serviço de Neurologia Vascular e Emergências Neurológicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.

Octávio Pontes – Foto: Arquivo Pessoal

Neuroplasticidade

A neuroplasticidade desempenha um papel fundamental não apenas no desenvolvimento aprimorado de áreas cerebrais específicas. Nesse sentido, isso resulta em um desempenho aprimorado em atividades relacionadas a elas, mas também na recuperação neuronal após certos acidentes.

Após lesões no sistema nervoso central (SNC), a neuroplasticidade permite que os axônios se ramifiquem e estabeleçam novas conexões sinápticas. Sendo assim, promovendo alterações nas funções e comportamentos. Essa capacidade de adaptação do SNC permite que ele tente recuperar as funções perdidas ou fortalecer aquelas enfraquecidas.

“A fisioterapia e a fonoterapia vão proporcionar um tipo de reabilitação, para que você restaure parcialmente ou completamente essas funções perdidas, através de neuroplasticidade”, diz Spera. Por exemplo, se há algum trauma na região do cérebro responsável pela linguagem, é possível trabalhar a linguagem para que as regiões das adjacências possam, às vezes, assumir aquela função.

Há pessoas que já têm uma predisposição para certas atividades porque nasceram com a parte do cérebro responsável mais desenvolvida. Apesar disso, não significa que ele não possa ser treinado para desenvolver alguma habilidade. “A gente pode estimular isso. Eu costumo falar para os meus pacientes que a atividade física do cérebro é o aprendizado: aprender uma língua, um instrumento musical e trabalhos manuais. Tudo isso vai estar reforçando essas vias de aprendizado e estimulando a plasticidade”, diz Spera. Esses caminhos neuronais não são perdidos mesmo após anos em desuso. 

Raphael Spera – Foto: LinkedIn

O médico ainda cita um caso curioso. Na Inglaterra, a prova para ser taxista incluía decorar o mapa da cidade em que iria se atuar, assim como saber o nome das ruas. “Fizeram um trabalho com taxistas ingleses de Londres, mostrando que algumas regiões parietais eram mais espessas. São áreas do cérebro responsáveis por funções espaciais e de navegação, que é a capacidade de se deslocar no espaço.”

Músicos

Durante treinos musicais, uma área grande é estimulada, o que faz com que novos circuitos sejam explorados e criados, para que um caminho mais eficiente para a realização dessa tarefa seja descoberta. Nesse sentido, por meio de estudos de ressonância magnética funcional e de Imageamento de Tensores de Difusão (DTI), foi possível constatar que há uma diferença significativa entre a estrutura e as conexões das áreas do cérebro de músicos e não músicos.

“Isso sugere que o estudo do efeito da música no cérebro é uma boa maneira de estudar plasticidade cerebral, porque a gente consegue perceber essas alterações em áreas específicas do cérebro”, diz Pontes. 

Visualmente, o volume de massa cinzenta deles é maior nas áreas com funções executivas, como a atenção e percepção. Os músicos profissionais ainda têm um maior volume de massa cinzenta no hipocampo, além de uma matéria branca mais desenvolvida na conexão entre o córtex motor e a medula espinhal. Assim, eles têm um melhor desempenho em atividades motoras, memorização de trechos de música e até mesmo um aperfeiçoamento auditivo. 

Raphael Spera explica que em outras atividades isso também acontece. “Quando você aprende uma língua, uma regra nova, grava novas informações, tudo isso é feito através de neuroplasticidade. Não por acaso a estrutura do hipocampo, que é a região do cérebro que vai fixar novas informações, é um córtex mais modificável. Apesar de ele ser mais simples, mais rudimentar, ele tem essa capacidade de se transformar.”

Por isso, a musicoterapia é algo como forma de tratamento de certas doenças. Em conjunto a outras terapias, ela é indicada para tratamentos clínicos, reabilitação e prevenção de doenças como o Alzheimer, Parkinson, demência frontotemporal, epilepsia e AVC, e para doenças psicológicas como depressão, esquizofrenia e ansiedade. O autismo também pode ser tratado por meio da musicoterapia. “A música pode estimular emoções. É uma comunicação da região auditiva com o circuito do cérebro de emoções, que é principalmente da amígdala cerebral, uma região que vai liberar a dopamina, que é um hormônio que dá bem-estar”, diz Spera.

Neurofeedback

Na psicologia, há uma área de tratamento que se baseia na neuroplasticidade, a neurofeedback. Sendo assim, os cerca de 87 bilhões de neurônios presentes no cérebro produzem, por meio de seus sinais elétricos, diferentes frequências, ou padrões eletrofisiológicos. 

A técnica do neurofeedback consiste em treinar o cérebro para normalizar esses padrões, a partir de estímulos na faixa de frequência desejada, como tentativa de potencializar o desempenho de dimensões eletrofisiológicas ou curar sintomas de doenças psicológicas, como a depressão e a ansiedade. Outro aspecto é o uso do neurofeedback para aumentar as funções normais, como a capacidade cognitiva ou aumento das capacidades artísticas e da criatividade.

Um exemplo disso é escutar música clássica para estudar, ou então colocar frequências sonoras para “regular” emoções ou possibilitar entrar em estados de relaxamento, como a frequência 432 Hz, usada para a meditação.  As ondas de frequência são delta, theta, alpha, beta e gama. Cada uma está relacionada a um estado do encéfalo: frequências baixas, como o delta, são dominantes durante o sono, coma ou anestesia. Diferente dessa, a frequência theta é em estado de baixo nível de alerta e sonolência.

Estudos

Estudos apontam que, quanto maior a frequência de alpha, menor é o funcionamento do cérebro. Essa frequência está relacionada a um maior relaxamento e conforto. Já a frequência beta representa um estado de alerta maior e está presente em momentos de estresse, fortes emoções e tensão.

As ondas alpha de frequência estão relacionadas a uma maior concentração, diz estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). A pesquisa descobriu que, ao suprimir a frequência cerebral alpha em um dos hemisférios de seu cérebro, as pessoas conseguiram se concentrar mais em coisas que apareceram do outro lado no seu campo visual. Ou seja, é possível controlar a atenção manipulando o uso da frequência alpha. 

O neurofeedback atua para condicionar o cérebro a pegar caminhos neuronais diferentes daqueles já traçados em concordância com alguma doença, melhorando o quadro clínico e o bem-estar do paciente. A técnica estimula a neuroplasticidade.

*Com informações do Jornal da USP

*Esse conteúdo está alinhado com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU 03 – Saúde e Bem Estar

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