Simone Biles é a ginasta mais importante da atualidade. Ao todo, ela possui 22 medalhas nos Campeonatos Mundiais de Ginástica Artística desde 2013. São 16 de ouro, três de prata e outras três de bronze. Além disso, a americana fez história nos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016, subindo ao pódio cinco vezes com o ouro no individual geral, por equipes, no salto e na competição do solo, e o bronze na trave. Em todas as competições, ela é a atleta a ser batida.

Entretanto, em Tóquio, Biles surpreendeu a todos ao anunciar a sua retirada de todas as provas finais, acompanhando apenas as companheiras na torcida. A atleta desistiu da participação em Tóquio por conta da saúde mental e por se sentir pressionada em conseguir suprir as expectativas de todos. Em postagem na rede social, Simone Biles comentou: “Eu realmente sinto como se às vezes carregasse o peso do mundo sobre os meus ombros. Sim, eu ignoro e faço parecer que a pressão não me afeta, mas às vezes é difícil”.

A partir desse episódio, viu-se a necessidade de reavaliar o aspecto da pressão psicológica sofrida pelos atletas e como isso pode afetar a atuação nas competições, principalmente nas Olimpíadas, o maior evento esportivo do mundo. Portanto, o Sagres em Tom Maior desta sexta-feira (30) convidou a psicóloga Karen Cristine para debater sobre o assunto. Assista a seguir

>>> Rayssa Leal é prata no skate em Tóquio-2020 e faz história aos 13 anos

Iniciação precoce no esporte

A ginasta Simon Biles começou a competir com apenas 10 anos de idade. Aqui no Brasil, a skatista Rayssa Leal já participou de sua primeira Olimpíada aos 13 anos e era cotada como uma das favoritas para levar o ouro em na modalidade street. De acordo com Karen, a iniciação precoce no esporte é preocupante quando não é acompanhada por um psicólogo.

“O esporte ao mesmo tempo que é muito bom, muito importante para o desenvolvimento de toda sociedade, ser atleta de alto rendimento não é necessariamente algo saudável – ultrapassar limites do corpo, ultrapassar limites da mente. Então é preciso um acompanhamento, é preciso um zelo, um cuidado”.

A psicóloga analisou ainda os comentários de que Rayssa estava tranquila na hora da final, fazendo dancinhas. Segundo Karen, a skatista brasileira estava tentando encontrar o ponto que a fazia se sentir bem, o que na psicologia é denominado de flow.“Tanto é que no final, na última manobra, quando ela viu a nota, quando ela viu que poderia ter conseguido algo a mais, ela desabou”. Além disso, citou o futebol, que nas categorias Sub13 e Sub15 há uma grande expectativa na obtenção de bons resultados.

Para Karen Cristine, o acompanhamento psicológico deveria começar desde o início na carreira esportiva, explicando que se as pessoas treinam o tático e o físico, devem sim treinar o mental. “Seria a tríade do treinamento ideal para qualquer atleta. Desde o seu desenvolvimento, desde o início no esporte esse profissional deveria caminhar junto os demais membros da equipe multidisciplinar. E é às vezes onde a gente acaba pecando”.

Iniciativa do atleta

Muitos clubes de futebol e de outras modalidades no Brasil possuem equipes preparadas para fazer os acompanhamentos psicológicos com os atletas. Mas alguns desse esportistas procuram por conta própria essa assistência.

“Geralmente os atletas entendem essa importância e eles acabam buscando muitas vezes sem o apoio do clube, sem ser diretamente ligado ao CT de treinamento, eles buscam por fora. Eles entendem que está indo além do físico, tá indo além da parte tática […] O COB tem psicólogas, atualmente no Japão nós temos três profissionais da psicologia lá dando continuidade a trabalhos que já estavam sendo feitos em todo ciclo olímpico do Brasil”.

Pressão externa ou pessoal?

A externa se refere aquela pressão feita pelos familiares, amigos, companheiros, técnicos, torcida, patrocinadores e afins. Enquanto isso, a pressão pessoal é feita pelo próprio atleta, com o pensamento de que precisa conseguir, senão, não terá outra oportunidade, e que precisa se manter no topo.

“Junta o interno de ter que se manter no topo, junta o externo de ter que suprir a expectativa que o outro criou sobre a minha performance, sobre os meus resultados. E quase sempre isso anda muito junto, é muito difícil a gente separar. A cobrança vem porque eu me cobro, o externo me cobra”.

Em relação aos sabotadores internos, Karen explicou que é necessário que o atleta entenda que em toda modalidade há derrotas e vitórias, e para aprender a saber ganhar é preciso saber perder. Além disso, comentou que a derrota não é uma falha, mas sim, uma oportunidade de correção.

>>> Rebeca é prata e conquista 1ª medalha do Brasil na ginástica feminina em Olimpíadas

“Atletas não são robôs”

A ginasta brasileira Rebeca Andrade ganhou a medalha de prata na prova individual geral nas Olimpíadas de Tóquio. Em entrevista minutos depois da cerimônia do pódio, Rebeca deu sua opinião sobre o ocorrido com Simone Biles.

“As pessoas têm que entender que atletas não são robôs, são humanos. A decisão que ela tomou foi a coisa mais sábia que ela fez por ela. Não se brinca com a cabeça. Eu sempre admirei na Biles o psicológico dela, todos sabem que ela é a melhor do mundo. A pressão em cima dela é constante, é muito difícil”

Sobre isso, Karen ressaltou que Biles talvez precisasse desse momento para dizer a todos que “atletas são humanos, eles não são super-humanos”.

Mariana Tolentino é estagiária do Sistema Sagres de Comunicação, em parceria com o Iphac e a Unialfa sob supervisão do jornalista Johann Germano