O jogador brasileiro Vinícius Jr., na tarde do último domingo, (21), foi vítima, mais uma vez, de insultos racistas dentro dos estádios. O fato aconteceu durante a derrota do Real Madrid por 1 a 0 para o Valência. Parte da torcida do Valência começou a chamar o atacante de “macaco”. O caso aconteceu na Espanha, mas e se fosse no Brasil? O que a lei brasileira prevê de punição?

Se você já quiser parar a leitura por aqui saiba que o torcedor pode ser preso e ainda proibido de entrar nos estádios. Há propostas de leis para endurecer a questão, mas que por falta de vontade política estão paradas nas Casas Legislativas.

Agora se você quiser saber mais informações, te apresento vários detalhes abaixo e lhe convido a uma reflexão baseada nas normais legais existentes no Brasil.

Constituição

Começamos nossa análise pela referência na nossa lei maior, a Constituição Federal de 1988.

De acordo com o inciso XLII do artigo 5 º da CF, “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”.

Ou seja, uma pessoa não pode pagar para não ser presa, e é imprescritível dizer que uma pessoa pode ser processada a qualquer momento.

Em outubro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o caso de uma idosa com 80 anos, que havia chamado uma frentista de um posto de combustíveis de “negrinha nojenta, ignorante e atrevida”.

Por oito votos favoráveis e um contrário, a corte entendeu que o crime de injúria racial é espécie do gênero racismo. Portanto, é imprescritível, conforme o artigo 5º, XLII, da Constituição.

Infraconstitucional

Em janeiro deste ano, houve a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Lei 14.532, de 2023, que tipifica como crime de racismo a injúria racial, com a pena aumentada de um a três anos para de dois a cinco anos de reclusão.

Segundo esta lei, a prática de crime de racismo dentro dos estádios de futebol prevê pena de 2 a 5 anos de prisão, e dobrada, se for cometido por duas ou mais pessoas, com banimento por 3 anos.

Enquanto o racismo é entendido como um crime contra a coletividade, a injúria é direcionada ao indivíduo, que foi o caso ocorrido com o atleta Vinícius Jr, pois a intenção foi de ofender alguém. No caso, a torcida o insultou, o chamando de “macaco”.

A injúria racial está prevista no Código Penal brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), e o racismo, na Lei 7.716/1989.

O crime de injúria racial está previsto no artigo 140, parágrafo terceiro do CP, com pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa. O racismo, nos termos do artigo 3 da Lei 7.716/1989, tem pena de reclusão de 2 a 5 anos.

O artigo 20 da lei de combate ao Racismo (Lei 7.716/1989) passou a apresentar a seguinte previsão legal:

§ 2º-A Se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público:

Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e proibição de frequência, por 3 (três) anos, a locais destinados a práticas esportivas, artísticas ou culturais destinadas ao público, conforme o caso.

Morosidade

Apesar de avanços na legislação que visa combater práticas racistas nos estádios de futebol no Brasil, há ainda uma morosidade. Primeiro, estrutural, vale ressaltar que, por exemplo, o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão.

Segundo, porque há uma naturalização de ações, hábitos, situações, falas e pensamentos que fazem parte da vida cotidiana do povo brasileiro. Por exemplo, o uso de expressões como denegrir, e não degradar. Mudar as atitudes e torná-las naturais, ainda parece distante.

Estatuto do Torcedor

Se a lei mudou ainda que de forma tímida no âmbito penal, no esportivo, as propostas de alteração no Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671 de 15 de maio de 2003) ainda estão travadas no Congresso Nacional.

Um projeto de lei do deputado Alceu Moreira (MDB-RS) foi apresentado em abril de 2014 e trata sobre o tema. É a proposta mais avançada para coibir casos de racismo nos estádios brasileiros. Porém, a tramitação está parada há dois anos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados.

O relator da matéria Kim Kataguiri (PSD-SP) apresentou seu relatório em 2019, e disse que a proposta é ilegal e inconstitucional. Para ele, o arcabouço legal vigente já é suficiente.

A proposta visa punir quem for flagrado injuriando outra pessoa (atleta ou não), com a suspensão de eventos do seu time por até cinco anos.

A pena poderia chegar a seis anos e meio se o autor for servidor público ou integrante da diretoria do time.

CBJD

A injúria racial também possui previsão no artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), com penas que devem ser cumpridas pelos clubes caso contribuam ou sejam omissos (culpa in vigilando) sobre os atos discriminatórios praticados por seus torcedores.

Veja o que diz o artigo 243-G do CBJD:

Art. 243-G. Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:

PENA: suspensão de cinco a dez partidas, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de cento e vinte a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

§ 1º Caso a infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, esta também será punida com a perda do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e, na reincidência, com a perda do dobro do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente; caso não haja atribuição de pontos pelo regulamento da competição, a entidade de prática desportiva será excluída da competição, torneio ou equivalente.

§ 2º A pena de multa prevista neste artigo poderá ser aplicada à entidade de prática desportiva cuja torcida praticar os atos discriminatórios nele tipificados, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de setecentos e vinte dias.

§ 3º Quando a infração for considerada de extrema gravidade, o órgão judicante poderá aplicar as penas dos incisos V, VII e XI do art. 170.

Ou seja, a punição não é tão pesada para os torcedores, segundo a norma desportiva. Dados do Observatório de Discriminação Racial no Futebol indicam que os casos de preconceito contra atletas cresceram 40% nos estádios brasileiros em 2022. Foram 90 casos no ano passado, e 64 no ano de 2021.

Se você chegou até aqui neste texto, observe que punições legais há, e que ainda falta uma mudança de cultura de forma estruturante para que a lei seja aplicada e eventuais práticas de racismo ou injúria racional venham ser coibidas e os atores responsabilizados.

Samuel Straioto é jornalista do Sistema Sagres, apresentador da Arena Repense, e também estudante do 4º período do curso de Direito do Centro Universitário Sul-Americano (Unifasam).

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