Fazer das aulas de artes mais do que desenhos e pinturas. Afinal, a disciplina incentiva a criatividade, estimula a imaginação e faz com que os alunos percebam suas limitações e possibilidades.

Foi em uma aula de artes que o estudante, Bruno Souza, percebeu seu talento. Na época com sete anos, o garoto já tinha o gosto pelo desenho, mas foi na escola que aprendeu a utilizar as cores a seu favor e teve contato com novas técnicas de desenho.

“Aprendi a desenhar replicando desenhos que eu assistia na infância. Como eu já tinha o interesse pelos desenhos, as aulas de artes na escola sempre foram muito proveitosas e eu pude aprender outras formas de executar os desenhos”, conta.

Hoje, Bruno tem 24 anos e cursa o quinto período de Arquitetura e Urbanismo. A escolha profissional não é por acaso. Ainda nas aulas de artes na Escola Municipal Valdir Gonçalves de Aguiais, em Aparecida de Goiânia, Bruno foi incentivado a ser arquiteto.

“Eu tive uma professora na 2ª série que foi muito importante. Ela me viu desenhando e perguntou se eu não queria fazer arquitetura, mas eu não conhecia a profissão. Então, ela passou diversas aulas me explicando. Foi ali que tomei a decisão pelo curso”.

Bruno conta que na época muitos alunos consideravam as aulas de artes um momento de lazer. “Eu lembro que, para muitos alunos, as aulas eram momento para brincar. Ninguém levava muito à sério. Alguns colegas levavam cartas e jogos para brincarem e não faziam o que estava no cronograma da aula”.

Evolução da Educação Infantil

Na educação infantil nas décadas de 70, 80 e 90, a educação artística era desenvolvida em temas de datas comemorativas (Páscoa, Natal, festa junina e dias das mães), usando ilustrações, papel e tinta. No Brasil, o ensino de artes passou a ser obrigatório na educação básica a partir de 2010, com a Lei nº 12.287.

Nos últimos anos, têm se buscado um aprendizado artístico que estimule a sensibilidade, as emoções e que possibilite que os alunos se tornem criadores. Assim, em 2016, foi aprovada a lei que inclui teatro, música, artes visuais e dança nos currículos de diversos níveis da educação básica.

“O universo das artes é muito mais amplo e as linguagens artísticas passam por diversos elementos. A pintura e os desenhos são apenas dois desses elementos. Hoje, os alunos veem na disciplina de artes um espaço onde eles conseguem trabalhar as emoções, expressar sentimentos e demostrar talentos”, explica a professora de artes do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade Federal de Goiás (CEPAE/UFG) e Doutora em Artes-Cênicas, Kely de Castro.

Um estudo divulgado em 2019 pelo Escritório Regional para a Europa da Organização Mundial da Saúde (OMS) analisou mais de 900 publicações globais e concluiu que as atividades artísticas podem ajudar na concentração, na memória, no controle da ansiedade, na capacidade motora e no desenvolvimento cognitivo.

A professora do CEPAE/UFG explica que o ser humano, ao se conectar com a arte, usa o lado direito do cérebro que está adormecida na maior parte do tempo em nosso cotidiano. “O lado direito do cérebro está ligado ao sensível, à emoção e ao entendimento daquilo que não é concreto. Quando acessamos esse lugar estamos evoluindo como pessoa”, explica.

Do ponto vista coletivo, possibilitar aos alunos se conectar com suas próprias emoções, significa também avanços enquanto sociedade. “Quando temos adultos violentos, solitários e que não lidam bem com a rejeição, geralmente são pessoas que não conseguiram elaborar suas emoções e sentimentos enquanto estavam em período de formação. Quando conseguimos elaborar, acessar e expressar esses sentimentos nos tornamos seres humanos melhores”, afirma.

Falta de estrutura

Apesar dos benefícios emocionais e cognitivos que a educação artística pode proporcionar, e da obrigatoriedade imposta pela legislação para garantir o acesso à arte na educação, há um longo caminho a ser percorrido.

“Muitas coisas mudaram. A pesquisa em arte e educação se desenvolveu muito no Brasil, conquistamos a ampliação das linguagens artísticas dentro da escola, mas essa mudança estrutural fez com que a realidade dos professores fosse transformada. Há no papel a necessidade de se trabalhar com outras artes, porém muitos professores não encontram condições adequadas para isso”, afirma Kely.

Na avaliação de Kely, que também trabalha com a formação de professores, a falta de estrutura é a principal dificuldade. Ela ressalta que muitas escolas não têm uma sala apropriada para se trabalhar com dança, teatro e artes plásticas.

“Às vezes você precisa de uma sala que tenha pia para se trabalhar com matérias que vão sujar as mãos dos alunos; às vezes, você precisa de forno para trabalhar com cerâmica. Escolas que têm essa estrutura vão despertar mais o interesse do aluno e professores terão mais recursos para conseguir ampliar o leque de repertório deles em sala de aula”.

O papel do professor

O professor tem o desafio de moldar as aulas a fim de ajudar o aluno a desenvolver, além dos saberes teóricos e práticos, as emoções e sensibilidade. “É muito importante o professor apresentar referências artísticas, mas é preciso também possibilitar que os alunos tenham vivências estéticas e artísticas porque, em algum momento, o aluno vai se identificar com a linguagem apresentada”.

Kely explica que, nesse momento, o professor precisa ter sensibilidade para saber com o que o aluno se identificou. Além disso, é necessário ter paciência e diálogo.

“Os alunos estão vindo de uma sociedade onde suas habilidades artísticas são polidas. Ainda vivemos uma cultura onde quem se expressa artisticamente nasceu com um dom divino. Isso faz com que os alunos pensem que não conseguirão produzir nada artísticamente, que tenham a visão de que arte é para quem é artista, quando, na verdade, a arte é para todo mundo. Por isso, precisamos dialogar bastante com o alunos e levar aula por um caminho que mostre que a arte é para todos e não apenas para aqueles que acreditam ter um talento”, conclui.

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