A Semana Cultural Festa de Manuelzão em Andrequicé-MG é roteiro obrigatório não apenas de admiradores, mas de especialistas na obra de Guimarães Rosa. Trata-se do cenário vivo do Grande Sertão: Veredas, a maior obra do escritor mineiro, publicada em 1956 e traduzida em várias línguas.
A professora de Literatura da Universidade de São Paulo (USP) e doutora em Literatura Brasileira, também pela USP, Marise Soares Hansen, veio a Andrequicé nesta semana. Estudiosa há anos da obra de Guimarães Rosa, já conhecia Cordisburgo, terra natal do literato mineiro. No entanto, esta é sua primeira vez na tranquila e acolhedora vila da cidade de Três Marias.
“Para quem estuda a obra de Guimarães Rosa, estar presente nesses lugares e nesses eventos de celebração de sua obra, de leitura, de música, de uma agitação cultural em torno da obra de Guimarães Rosa é muito importante. Faz tudo isso ser revivido. A gente está nos locais em que ele andou, se inspirou para escrever a sua literatura. Para quem pesquisa e quem gosta de Guimarães Rosa, tem que colocar no roteiro”, afirma.
Literatura e natureza
Reatratar a natureza, a conexão entre sertão e sertanejo, principalmente nas palavras de quem vive nestes locais “é”, de fato, marca registrada da literatura Roseana. O verbo no presente é, primeiramente, proposital, dada a obra eternizada de Guimarães Rosa.
Ademais, é exatamente esta conexão entre ser e natureza o tema desta XXII edição da Semana Cultural. “É uma obra que propicia o encontro com a natureza, sobretudo aqui do Cerrado. Hoje fomos ao Rio São Francisco, até o De Janeiro, onde acontece uma das cenas mais marcantes de Grande Sertão: Veredas. O encontro com essa paisagem, esses lugares tão bem descritos por ele é muito importante. É uma obra que nos coloca diante dessa riqueza natural mas também uma riqueza cultural. A cultural do boi, do vaqueiro”, enumera.
Para uns, Andrequicé é um lugar que parou no tempo. O local, no entanto, é cenário vivo da obra Roseana. “Aqui as coisas estão acontecendo. Aqui ouve-se palavras e falas e se pergunta: estou na literatura ou estou na realidade? Porque uma reflete a outra. Você ouve um vocabulário que você encontra na literatura roseana. Guimarães Rosa, por sua vez, colocou em sua literatura um vocabulário que ele ouviu aqui”, destaca Hansen.
Prosa e poesia
Na Semana Cultural, na última quarta-feira (5), Marise Hansen ministrou a palestra “Ele proseava, poéto: poema e poesia em Guimarães Rosa. O objetivo, conforme a professora, é mostrar como Guimarães Rosa escreve predominantemente em prosa, porém como tudo isso também é, o tempo inteiro, poesia.
“Trata-se de uma atitude diante da linguagem, ele tem uma atitude de poeta. É prestar atenção não só em cada frase, em cada palavra, mas muitas vezes em cada sílaba. Guimarães Rosa explora radicalmente a potência expressiva da palavra”, conclui.
Assista a seguir à participação de Marise Hansen no canal Oficina de Leitura Guimarães Rosa IEB-USP, em que ela fala sobre este tema
Do Ceará para Minas Gerais
Natural do Ceará, a professora aposentada de Química do Instituto de Ciências Exatas (ICEx) da Universidade Federal de Minas Gerais, Jane Magalhães Alves, de 83 anos, mora em Belo Horizonte desde 1962. Admiradora da literatura Roseana, ela integra a roda de leitura Guimarães Rosa da USP.
“Atravessei a pandemia muito confortavelmente estimulada por essa roda e por cursos que fiz, especialmente para entender melhor a obra, como por exemplo Terceiras Histórias, que é o livro mais complicado dele. Sem uma pessoa que tenha antes estudado para desvendar aqueles enigmas que ele pôs lá seria impossível. Isso foi muito estimulante e me deu vontade de participar da Festa de Manuelzão, de conhecer Andrequicé, assim como o pessoal daqui, que faz parte da roda. Minhas filhas, que não conheciam, agora estão fisgadas pelo gênio Guimarães Rosa”, afirma.
A professora se encantou com Andrequicé e com a Festa de Manuelzão. Jane trouxe as duas filhas e uma amiga, que vieram do Ceará, para acompanhá-la no festival. Esta é também a primeira visita dela na vila que inspirou o escritor mineiro. Para a estudiosa, a natureza do sertão mineiro e as belezas do Velho Chico, retratadas na obra de Guimarães Rosa, são exuberantes.
“Lá no São Francisco encontramos o senhor Raimundo, que diz ser conhecido aqui como Nem, que nos encantou com a fala dele, com as histórias. Nos ofereceu cafezinho com biscoito, queria que almoçássemos lá. Isso, para nós da cidade grande, é uma coisa impossível de acontecer normalmente. Dizem que o mineiro é muito desconfiado, mas nós não vemos isso aqui. É um pessoal muito aberto, hospitaleiro. Eu me encantei, pretendo voltar e trazer outros amigos aqui. Eu tenho 83, mas espero ainda viver uns anos e voltar aqui, rever esse pessoal que nos acolheu tão afetuosamente, calorosamente”, conclui.
Este conteúdo está alinhado ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) ODS 11 – Cidades e comunidades sustentáveis.
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