Soa contraditório, mas falar da morte faz parte da vida. Momento intrínseco à existência, a despedida, de causas naturais ou não, é inevitável. Mas por que discutir sobre finitude é tão difícil, se é uma experiência que, exceto pelo luto, ainda não vivemos? De acordo com a psicóloga Luandra Soares, é impossível imaginar como será o fim da vida. Desse modo, como todo desconhecimento, gera medo e insegurança.

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“Tudo aquilo que não temos controle é algo desconhecido, e todo desconhecido causa medo. Até dentro da nossa cultura é impossível imaginar um fim para a nossa própria vida. Quando olhamos culturas como no Japão, há toda uma preparação para a morte, chega a ser uma morte poética, como dizemos na psicologia. Tudo aquilo que a gente não sabe lidar, que causa um desconforto, é propício a esse desconhecimento, a esse medo”, reforça.

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Não falar sobre o momento de partir é o mesmo que invisibilizar esse processo. De acordo com a psicóloga, o mais importante é aceitar que se tratar de uma etapa natural da vida. Para muitos, a última. “Todo ser humano virá a falecer. Então falar sobre isso, para não causar ansiedade, depressão, esse isolamento social, essa baixa qualidade de vida, é muito importante”, considera.

Saúde mental

A saúde mental é uma das principais preocupações de quem realiza o atendimento a quem sabe que o fim se aproxima, mas não aceita ou não sabe lidar com a finitude. Luandra Soares afirma que entre os casos que chegam até ela estão o de pacientes com doenças terminais. Neste caso, o atendimento psicológico humanizado assume o papel de acolhimento e amparo, uma vez que se trata de um momento difícil tanto para o indivíduo como para a família.

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“Acolhemos esse indivíduo com respeito, com empatia. Vamos trazer uma escuta ativa para esse desconforto, para essa dor, pois é um momento de muita incerteza, de muitas dúvidas, de muito sofrimento físico, emocional tanto do paciente quanto da família também. Então a gente costuma elaborar, junto a esse paciente, um novo significado e sentido para o ‘morrer’, permitindo assim que ele possa se cuidar durante aquele período, viver de uma forma mais saudável, tendo bem-estar e que ele possa elaborar essa morte, essa finitude, de uma forma não agressiva”, afirma.

Transfusão de plasma

No mês passado, um caso ocorrido nos Estados Unidos ganhou repercussão mundial. Bryan Johnson, 45 anos, gasta cerca de US$ 2 milhões por ano tentando reverter ou retardar o envelhecimento. O empresário recebe plasma do filho, de 17 anos, em transfusões de sangue em uma clínica em Dallas.

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O objetivo: rejuvenescer e reparar danos causados pelo processo de envelhecimento, substituindo sangue velho em um corpo idoso por sangue novo de um doador jovem. A ciência por trás da transfusão de plasma para curar ou retardar o envelhecimento não é estabelecida. Para Luandra Soares, trata-se de um exemplo de, mais uma vez, se tentar evitar o inevitável. Para a especialista, o importante é valorizar e se concentrar em momentos de prazer que a vida proporciona, mesmo que sejam breves e simples como um passeio no parque.

“O mais importante é como estamos vivendo a nossa vida, é o que vai impactar o nosso fim, porque todos vamos morrer, independente se ele [Bryan Johnson] está ou não aplicando esse medicamento para reverter essa situação. O fim é a única certeza. Portanto, o importante é dar sentido à vida”, argumenta.

Tabu

Para quem tem dificuldades para falar sobre a finitude, Luandra Soares recomenda não apenas o acompanhamento psicológico, mas aprofundamento sobre o assunto em leituras. O “A morte é um dia que vale a pena viver”, de Ana Claudia Quintana Arantes, é uma das indicações da psicóloga. De acordo com a autora, “o que deveria nos assustar não é a morte em si, mas a possibilidade de chegarmos ao fim da vida sem aproveitá-la, ou seja, de não usarmos nosso tempo da maneira que gostaríamos”. Uma ode à vida e à humanidade.

“É se concentrar na vida. Nos pequenos prazeres, ir retomando aos poucos. É saber elaborar a morte, pois a gente tem que falar disso, não deve ser um tabu. Não tem que ser algo distante da nossa realidade, mas é preciso nos importarmos com a nossa vida, com o viver, fazendo coisas que gosta, mantendo contato com pessoas ao nosso redor, nossa família, valorizando os pequenos momentos”, conclui Luandra Soares.

*Este conteúdo está alinhado ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) ODS 03 – Saúde e bem-estar. 

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