Se antes da pandemia o Brasil já era um dos países mais ansiosos e depressivos do mundo, agora, pós-Covid-19, os níveis de ansiedade e depressão são maiores em pessoas que testaram positivo para a doença do coronavírus pelo menos uma vez.
A conclusão é da professora Clarissa Yasuda, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e integrante do Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia (BRAINN). Trata-se de um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fapesp sediado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Um estudo realizado pelo BRAINN mostra que mesmo as infecções mais leves pelo SARS-CoV-2 são capazes de causar alterações estruturais e funcionais no cérebro. Além disso, podem desencadear manifestações neuropsiquiátricas. Entre elas estão ansiedade, depressão, fadiga e sonolência, além de comprometer o bem-estar, a saúde e a capacidade de trabalhar.
“Fica o alerta para a dimensão das possíveis consequências da pandemia”, diz Yasuda, que é orientadora da pesquisa.
Um dos trabalhos apresentados na nona edição do BRAINN Congress mostrou, contudo, que pacientes com Covid longa apresentam atrofia da massa cinzenta e padrão generalizado de hiperconectividade cerebral. A conclusão, primeiramente, é com base na realização de exames de ressonância magnética três meses após a infecção.
Outras consequências
Embora ainda se desconheçam a duração dessas alterações e seu significado do ponto de vista biológico, os resultados do trabalho, podem sugerir disfunção cognitiva. Afetam consideravelmente essa condição, conforme a literatura científica, sintomas de ansiedade e depressão. O trabalho consta em um suplemento especial da revista Neurology pela graduanda na FCM-Unicamp Beatriz Amorim da Costa e colaboradores
A atrofia na massa cinzenta aparece em análises de ressonância magnética dos cérebros de pacientes infectados com quatro cepas diferentes de SARS-CoV-2 (alfa, delta, gama e zeta), cada uma com suas peculiaridades. É o que mostra o pesquisador Lucas Scárdua Silva, em outro artigo da Neurology.
O trabalho, todavia, também orientado por Yasuda, mostrou áreas de atrofia de substância cinzenta comuns às diferentes cepas examinadas, que incluem o lobo frontal e o sistema límbico.
O pesquisador Ítalo Karmann Aventurato, porém, constatou piora na memória verbal dos pacientes com todas as cepas estudadas pelo grupo (alfa, delta, gama e zeta). A divulgação dos resultados da pesquisa, sob orientação de Yasuda, se deu no mesmo periódico, que possui edição da Academia Americana de Neurologia.
Impactos na economia
O impacto da COVID longa na capacidade de trabalho foi o tema do estudo apresentado por Gabriel Monteiro Salvador, bolsista de iniciação científica da FAPESP. O estudante relacionou a persistência de sintomas neuropsiquiátricos, como sonolência excessiva, fadiga e sintomas de depressão e ansiedade, à capacidade de trabalho dos sobreviventes de Covid-19. Ele concluiu que ambas estavam diretamente relacionadas. A divulgação dos dados ocorreu no mesmo suplemento da Neurology.
Em uma primeira etapa, um grupo homogêneo de trabalhadores bancários, com características semelhantes de trabalho, rotina e nível educacional, respondeu a um questionário. A lista de perguntas é conhecida como Work Ability Index (WAI). Ele monitora a capacidade de trabalho, relatando, em sua maioria, problemas relacionados à memória e cognição. Depois de um acompanhamento por alguns meses, 62,5% dos participantes ainda apresentavam WAI reduzido.
“A perda econômica desses indivíduos é perceptível e aponta para a urgência de tratamentos específicos para reduzir tanto a sobrecarga individual quanto os prejuízos globais”, diz Salvador, que também foi orientado por Yasuda.
Quantificando a fadiga na prática
Um dos sintomas mais relatados por pacientes com COVID longa é a fadiga. O termo, porém, é comumente usado de forma genérica e não possui uma definição científica clara. Para quantificar esse sintoma, a equipe do Centro de Engenharia Biomédica (CEB) da Unicamp, liderada pelo pesquisador Leonardo Elias, criou um modelo de testes que mede contrações musculares e força. Além disso, aplicou um conjunto de testes para avaliar a função neuromuscular e a fatigabilidade de um músculo da mão, além da destreza manual. Elias é professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC).
Os participantes do experimento, financiado pelo Ministério Público do Trabalho, contudo, foram submetidos a uma série de tarefas. Além disso, as forças do movimento de abdução do dedo indicador e da contração do músculo primeiro interósseo dorsal foram tiveram medição com sensores e a eletromiografia. Trata-se de um exame que registra a atividade elétrica do músculo. Ademais, realizaram o teste conhecido como Nine Hole Peg Test. Nele, analisa-se o tempo necessário para se encaixar nove pinos em nove buracos e depois retirá-los.
Embora apresente limitações, como baixo número de participantes e possível influência de sintomas de ansiedade e depressão, o trabalho mostrou que pacientes com sintomas de fadiga decorrentes da Covid longa apresentam de fato habilidade motora reduzida, com diminuição na capacidade de sustentar a força e redução da frequência de ativação de unidades motoras em uma tarefa de reação.
O tempo de reação, no entanto, foi preservado. No Nine Hole Peg Test os pacientes tiveram uma piora na execução com a mão dominante em comparação com participantes-controle. “Entre as potenciais explicações para esses resultados estão o aumento da inibição intracortical [processo neurofisiológico em que a atividade de neurônios no córtex é reduzida], disfunção nas vias gabaérgicas [sistema que regula o processamento cognitivo e emocional], alterações nas funções executivas [habilidades cognitivas de controle de ações, emoções e pensamentos] e aumento da fadiga percebida”, acredita Elias.
A 9ª edição do BRAINN Congress ocorreu em abril. O evento reuniu mais de uma centena de pesquisadores. Além de Covid-19, houve abordagem de temas como Alzheimer e epilepsia do lobo temporal, bem como reserva cognitiva.
Estudos
As pesquisas que tiveram Yasuda como orientadora também foram apresentadas em congresso em abril pela Academia Americana de Neurologia, nos Estados Unidos. Além disso, houve divulgação em suplemento especial da revista Neurology dedicado ao evento.
O artigo Anxiety and depression are associated with limbic atrophy and severe disruption of brain functional connectivity after mild Covid-19 infection pode ser acessado em: https://n.neurology.org/content/100/17_Supplement_2/1998.
Já o estudo The MRI analysis of 300 subjects revealed grey matter atrophy of the frontal lobe and limbic system in four SARS-CoV-2 strains está disponível em: https://n.neurology.org/content/100/17_Supplement_2/2787.
A pesquisa Long-Covid-19 cognitive disfunction: strain-specific effects on 452 subjects pode ser encontrada em: https://n.neurology.org/content/100/17_Supplement_2/2204.
E o artigo The analysis of 607 volunteers shows a reduction of workability in individuals with Long-Covid syndrome associated with neuropsychiatric symptoms está publicado em: https://n.neurology.org/content/100/17_Supplement_2/2090.
*Com informações da Agência Fapesp
*Este conteúdo está alinhado ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) ODS 03 – Saúde e bem-estar.
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