A aprovação do Plano Diretor, na Comissão Mista da Câmara Municipal de Goiânia, na última quarta-feira (5) teve o sim de 13 dos 14 presentes, com o vereador Mauro Ruben (PT) sendo o único a votar contra o projeto. A vereadora Aava Santiago (PSDB), que também esteva na votação e, portanto, votou sim, anunciou pelas redes sociais, porém, que decidiu não seguir com voto a favor. Em entrevista à Sagres, ela reforçou o posicionamento. “Decidi mudar o rumo, com a compreensão de que fui precipitada”, declarou.

Ouça a entrevista completa:

Segundo a vereadora, em um projeto como o Plano Diretor, extenso, não é possível extrair todas as mudanças que ele causará em uma leitura. “A minha experiência após a Comissão Mista tem sido a de ler o mapa e, junto com o texto, visualizar o cenário que não tinha conseguido compreender na primeira leitura”, explicou Aava. A psdbista reforçou que aliou a “escuta com estudos” para chegar a essa nova decisão.

Questionada sobre uma possível conveniência política para mudar de posicionamento, a vereadora reconheceu que o eleitorado dela tem capacidade para influenciar nas decisões que toma, mas que já teve discussões em relação a outros projetos, que optou por manter a decisão inicial por acreditar 100% naquela proposta, o que não ocorre agora com o Plano Diretor. ” Se resta margem de dúvida, de insegurança e se na leitura dos fatos eu fiquei desestabilizada, por que não mudar de ideia? Por que não mudar de rumo?”, salientou.

Aava detalhou o principal ponto que a fez mudar o posicionamento, com foco na questão ambiental. “Tem um aspecto que considero central, que foi a modificação do artigo 213, que anula a exigência de zona de segurança de proteção em torno de aterros de resíduos de Centros de Zoonoses e até mesmo da Estação de Tratamento de Água. Isso é muito grave”, disse.

A vereadora explicou que modificar zonas de proteção da barragem do João Leite abre “um precedente muito ruim”. “O texto que aprovamos – e eu me sinto muito constrangida por ter aprovado esse texto – passa de 500 [como veio do Paço] para 100 metros a zona de segurança de proteção em torno da barragem do João Leite, das captações públicas de água, da ETE e de aterros sanitários”.

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Assista a entrevista no Sagres Sinal Aberto:

Confira a entrevista na íntegra:

Rubens Salomão: Por que vai mudar de posição e votar contra o Plano Diretor?

Aava Santiago: Eu disse e afirmo com tranquilidade que a mudança de voto é a manutenção de uma postura, que é a de sempre priorizar a escuta e o estudo. São dois elementos que precisam andar juntos. Só escutar as pessoas em determinados contextos também não deve embasar uma decisão política dessa envergadura porque, às vezes, a gente acaba também sendo levado pelo momento, pelo calor da emoção. 

Então, respondendo especificamente à pergunta, é o que tenho dito para as pessoas: o conhecimento do Plano Diretor não se esgota em uma leitura, e nesse ponto quando algum parlamentar – pelo menos no meu caso – decide mudar a direção, é a compreensão de que fui precipitada. Eu tinha o conhecimento até aquele momento, estive em todo o processo de discussão pública do Plano Diretor, recebi as entidades, conversei, entretanto, ao me debruçar sobre o relatório, fazendo a leitura cruzada com os mapas – e esse é o grande desafio de entender o Plano Diretor, porque além de ser gigante, os mapas, às vezes, dizem coisas que não estão escritas no texto. 

Particularmente, a minha experiência pós-Comissão Mista tem sido a de ler mapa junto com o texto, visualizar um cenário que eu não tinha conseguido compreender na primeira leitura. Aí essa é a vantagem de estar participando desse debate desde o início, de ser membro da Comissão Mista e de poder discutir isso com o plenário. Eu estive em várias etapas de discussão. Então, quando várias pessoas que já tinham sido importantes na construção de outras decisões acertadas no meu mandato, pessoas que não se movimentam com manchetes, mas que têm uma leitura mais densa das coisas me procuraram e me apontaram preocupação, eu pensei: “Poxa, não tem por que não ouvi-las”. 

Aí a gente fez esse segundo momento, que ocasionou no entendimento de algumas coisas, que eu até quero compartilhar com vocês, que fizeram a gente mudar de voto. 

Rubens Salomão: Parece conveniência política. Não?

Aava Santiago: Eu sempre digo que essa é a grande vantagem de ter um mandato que foi construído 100% pela confiança das pessoas. Eu não tive financiadores de campanha, não tenho padrinhos políticos, e isso me conecta de uma maneira muito umbilical ao meu eleitorado, de tal modo que, sim, meu eleitorado pode influenciar nas minhas decisões, pode e deve. Aqueles parlamentares cujo voto é mais movimentado por estrutura financeira ou por outras relações talvez tenham mais dificuldade de poder dar devolutivas são honestas para o eleitorado. 

No meu caso, o meu único vínculo político e autoridade sobre mim é o meu eleitorado. Não existe intermediário nessa relação. E é isso que me dá facilidade e liberdade de poder, juntamente com meu eleitorado, tomar decisões dessa magnitude. Mas é preciso dizer que em outros momentos eu fui questionada por decisões que tomei tanto na internet como pela imprensa e não mudei, porque eu acreditava 100% naquela decisão, estava tranquila para sustentar aquela decisão. Se resta margem de dúvida, de insegurança e se na leitura dos fatos eu fiquei desestabilizada, por que não mudar de ideia? Por que não mudar de rumo? Essa é a vantagem de ter um mandato que responde 100% ao eleitorado, que não muda sempre que o eleitorado pede, mas que a partir da leitura dos pedidos de seu eleitorado junto com estudo técnico, se é constatado que é necessário mudar, não tem porque não entregar essa mudança a quem acreditou em mim.

Cileide Alves: O voto na Comissão foi uma orientação do Paço à própria base para votar a favor, já que o projeto votado na Comissão é basicamente o mesmo do Grupo de Trabalho da Prefeitura?

Aava Santiago: As matérias que o Paço apresenta para a Câmara, são pouquíssimas que eu voto com o Paço. Inclusive na Comissão Mista todos os jornalistas que estavam lá puderam ouvir minha fala, em que mais uma vez eu disse: orgulhosamente não faço parte da base do prefeito. Então, eu tenho a liberdade de cobrar do Paço e as minhas últimas falas públicas em relação ao Plano Diretor foram nesse sentido, e eu inclusive fiz um apelo à base. Eu disse: “Eu e o vereador Mauro Rubem somos os únicos de oposição aqui. Boa parte desse constrangimento que a Câmara está passando é porque, mais uma vez, o prefeito desrespeita o parlamento e age com a Câmara no atropelo”. 

Eu estive na Seplahn e pedi aos interlocutores do Paço que enviem o Plano em outubro. Minha primeira fala de abertura do segundo semestre foi cobrando o Plano Diretor, falei com interlocutores, técnicos e superintendente, pedindo para mandar o Plano. Porque se temos tempo para discutir, a gente consegue sanar as dúvidas e passar esse debate de forma mais robusta para a sociedade. Ao contrário disso, mandaram o Plano dia 9. Então, em todas as audiências que estivemos após a chegada do Plano, eu questionei o Paço e venho questionando em outros pontos. 

Eu fui a única vereadora que pontuou coisas graves com o prefeito no dia que ele esteve na Câmara prestando contas presencialmente. Entre essas coisas graves foi a ausência do simulador de valores do IPTU. Quando se diz que votei com o Paço, foi até uma crítica que você fez à época porque abstive do meu voto, foi quando eu apresentei um bloco de emendas que foi acatado parcialmente. Se todas as minhas emendas tivessem sido acatadas, eu teria votado a favor. Se todas as minhas emendas tivessem sido rejeitadas, eu teria votado contra. Mas não teria como eu votar, naquele momento, contra um projeto que tinha emendas minhas.

Agora, é claro que meu perfil de oposição é diferente do Mauro [Rubem]. Eu vou mais por construir consensos, uma agenda que dê para aproveitar os encontros que temos, enquanto o Mauro vai para uma posição mais estridente, e nós dois batemos muita bola juntos, cada um com seu perfil diferente.

Cileide Alves: Quais são os detalhes que te fizeram rever a posição?

Aava Santiago: O ponto ambiental me chamou bastante atenção. Tem um aspecto que considero central, que foi a modificação do artigo 213, que anula a exigência de zona de segurança de proteção em torno de aterros de resíduos de Centros de Zoonoses e até mesmo da Estação de Tratamento de Água. Isso é muito grave. Porque quando você modifica essas zonas de proteção da barragem do João Leite, da ETE, a gente está falando de tratamento de esgoto e aterro sanitário, a gente abre um precedente muito ruim. 

Então, o texto que veio do Paço coloca uma zona de proteção de 500 metros, e o texto que aprovamos – e eu me sinto muito constrangida por ter aprovado esse texto – passa de 500 para 100 metros a zona de segurança de proteção em torno da barragem do João Leite, das captações públicas de água, da ETE e de aterros sanitários. 

Outro ponto que também acho complicado é em relação às áreas públicas. Hoje temos na legislação a doação de 5% da área de qualquer loteamento para serviço público, para virar praça, creche, posto de saúde. E isso foi mais difícil de identificar porque, a princípio, estão mantidos os 5%, mas depois quando aprofunda o olhar, você descobre que pode mudar os 5% de lugar mediante pagamento. Então, o dono do loteamento não precisa necessariamente tirar 5% daquele loteamento, ele pode escolher outro lugar da cidade para fazer essa compensação. 

Até aí, talvez tenha algum argumento que sustente como, por exemplo, o fato de que hoje a Prefeitura – e eu tive que ir em outro mapa para descobrir isso – tem área pública dentro do Alphaville, dos Jardins. E não tem como usar, você vai fazer uma creche lá dentro, uma área pública com equipamento com dinheiro público dentro desses lugares? Não tem como. Mas essas áreas públicas dentro desses espaços são minoritárias.

Primeiro, você não sabe para quais áreas da cidade, porque não tem esse critério, esses 5% de áreas públicas para construção desses equipamentos serão redirecionadas. Esse é um problema. Segundo, o valor diz que será definido. Tem que ser compatível, mas será definido por um agente público a pedido do proprietário. Então, é totalmente vago, fica a critério de um servidor e não tem uma parametrização na Lei.

Como pessoa que usou esses equipamentos públicos a vida inteira, desde SUS até escola pública, esse ponto me chamou muita atenção, porque se você tira essa obrigatoriedade e não garante que elas ficarão dispostas territorialmente, de forma horizontal na cidade, a gente tem um risco de ter um loteamento no Jardim Goiás que vai colocar a área pública lá longe ou um loteamento lá longe com área pública mais longe ainda. Não tem critério sobre quais lugares essas áreas públicas estarão. Esses dois pontos já foram bastante perturbadores.