Em entrevista à Sagres nesta segunda-feira (10), a relatora do Plano Diretor de Goiânia, vereadora Sabrina Garcêz (PSD), afirmou que a Câmara Municipal de Goiânia vai revisar o artigo 138, parágrafo 10, que descaracteriza as Áreas de Proteção Permanentes (APP). “Não é lógico que nós façamos todo um Plano Diretor com regras mais restritivas para preservar o meio ambiente e apresentemos um artigo como esse que tem essa dissonância”, declarou a vereadora.

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Sabrina afirmou, porém, que o artigo abre margem para interpretações e negou que tenha a ver com a Lei federal sancionada no último dia 30 de dezembro pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), que alterou regras de proteção de margens de rios em áreas urbanas determinadas pelo Código Florestal. “A Câmara não tem compromisso com erro. Estamos esperando a volta do recesso para entender qual o meio legal, para editar ou excluir esse inciso. Vamos ver a melhor maneira de resolver esse problema”, reforçou.

O artigo citado prevê a descaracterização das APPs “nas unidades imobiliárias lindeiras e contíguas ao sistema viário implantado e consolidado ao longo dos córregos, rios e demais cursos d’água”. No entendimento de alguns ambientalistas, isso significa o fim das APPs.

No entanto, segundo a relatora, esse artigo foi feito para solucionar um problema da Marginal Botafogo e da Marginal Cascavel em relação aos imóveis lindeiros dessas marginais. “Pois ali o córrego foi canalizado, não existe mais a APP. É um córrego canalizado, tem a via, a calçada e os lotes. Esses lotes, hoje, encontram problemas em suas escrituras”, detalhou.

Adensamento da capital

A vereadora defendeu ainda que o adensamento de Goiânia, neste novo Plano Diretor, ocorra de “maneira diluída, ao longo da cidade”, em bairros que já tem infraestrutura “para equilibrar e não sobrecarregar locais como Setor Bueno, Jardim Goiás e Setor Universitário”. “A Câmara decidiu foi realmente descentralizar esse adensamento”, explicou Sabrina.

Para a relatora do projeto, a possibilidade de adensamento em mais bairros servirá para manter um certo equilíbrio na capital “Isso não significa que será adensado. O Setor Coimbra, que é um bairro eminentemente residencial, está como possível de adensamento desde 2007 e nem por isso foi feito o adensamento ali. Então, uma coisa é o que foi proposto e outra coisa é o que vai acontecer na prática”, reforçou.

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Confira a entrevista na íntegra:

Rubens Salomão: O prazo para votação em fevereiro é uma oportunidade para atender a tantas cobranças de mais transparência e publicidade sobre emendas e alterações do Plano Diretor? A Câmara deve aproveitar esse tempo para isso?

Sabrina Garcêz: O debate sempre esteve aberto e vai permanecer, até porque depois que o Plano Diretor for aprovado, ele tem que ser revisto a cada dois anos. Você tem uma Comissão que está sendo criada para analisar o Plano Diretor continuamente, se está sendo feito o que está escrito ali ou não. Então, o debate continua. Debates sempre são bons, a gente aprende muito. Já estamos discutindo esse projeto há cinco anos. Todas as emendas apresentadas foram apresentadas em 2019, 2020 e 2021, sem nenhuma inovação. Tudo que consta no meu relatório, inclusive, vem de um processo evolutivo histórico e hoje temos esse relatório para analisar, bem como os mapas. 

Cileide Alves: Alguns pontos são mais polêmicos e provocam mais debates. Ambientalistas dizem que alguns itens criam pontos de descaracterização de todas as áreas de preservação permanente. Por que com apenas cinco dias foi feita essa emenda e o que ela vai provocar nas APPs a partir de agora?

Sabrina Garcêz: Como você disse, criou-se todo um debate em torno desse artigo. Primeiro, temos que lembrar que uma Lei é interpretada não só de maneira literal, mas também de maneira sistêmica, a evolução histórica, e todo o Plano Diretor, a primazia dele é a proteção ao meio ambiente. Todos os artigos trazem… Esse artigo 138, o parágrafo que está dando debate, a discussão que ocorreu vem de 2019. Então, não tem nada a ver com a Lei aprovada pelo presidente ou pelo Congresso [Nacional]. Inclusive ela já constava no relatório, ainda no relatório de trabalho, que foi feito em maio de 2021. Então, com toda certeza, essa premissa primeira é errada, de que ela foi baseada em uma Lei recente, porque ela já constava das emendas anteriores no próprio relatório publicado e apresentado antes de qualquer discussão no Congresso.

Cileide Alves: Qual é a Lei que ela está se adaptando? Porque diz na explicação que está se adaptando a uma Lei federal.

Sabrina Garcêz: O Código Florestal, porque o artigo 138 traz restrições de proteção às APPs maiores que as do Código Florestal, e foi solicitado através de uma emenda que nós adequassemos a nossa Lei ao Código Florestal. Ou seja, sendo mais permissivo, e isso nós não aceitamos, tanto é que não está no relatório. O artigo 10, para solucionar um problema da Marginal Botafogo e da Cascavel em relação aos imóveis lindeiros, pois o Córrego foi canalizado, não existe mais a APP. Você tem um Córrego canalizado, a via, a calçada e os lotes. Esses lotes hoje encontram problemas na matrícula, na escritura. Então, o que fizemos no grupo de trabalho foi analisar essa demanda que chegou até nós através de uma emenda e de pedidos e fizemos esse texto.

É óbvio que depois da repercussão nós vamos reavaliar para que deixe isso muito claro. Não é lógico que a gente faça todo um Plano Diretor, que tem como principal foco o meio ambiente e a proteção ao meio ambiente, regras mais restritivas para que o meio ambiente seja preservado, e apresentar um artigo como esse, que tem uma dissonância do que se quer. Então, para que não haja qualquer tipo de discussão e já que esse artigo deu vários tipos de interpretações, perigosamente uma interpretação que vai prejudicar o meio ambiente, a Câmara não tem compromisso com erro, e nós estamos esperando voltar do recesso para entender qual é o meio legal, ou para reeditar esse inciso ou para excluir. Vamos ver com a diretoria legislativa e com os técnicos da Casa qual é a melhor maneira para resolver esse problema. Já foi resolvido, agora nós só precisamos colocá-lo na prática. Assim que voltarmos do recesso iremos fazer isso.

Cileide Alves: Outra questão é sobre as novas áreas de adensamento. O Plano Diretor cria um eixo que não existe, que será aberto na região Norte. Um especialista diz que no futuro esse eixo não possui justificativa técnica. Essa criação não é o oposto do que diz a carta de proteção aos mananciais da cidade?

Sabrina Garcêz: Acho que estamos falando da mesma coisa, mas às vezes tem uma diferença na interpretação. No caso desse eixo da região Norte, eu tenho um TAC me obrigando a fazer isso, uma determinação do Ministério Público para a criação desse eixo, inclusive está escrito exatamente onde esse eixo deve passar. Esse eixo Norte não prevê adensamento, justamente porque é uma região de águas, que nós temos que preservar. Agora, preservar também significa uma ocupação mínima para que não haja ocupações como estão acontecendo em Goiânia.

Só para deixar claro que o eixo Norte foi um TAC com o Ministério Público e ele não quer dizer adensamento. Isso está bem claro na emenda. É só uma questão viária, não é uma questão de poder construir prédios. 

Cileide Alves: Na região Norte vocês aumentaram vários pontos de adensamento. Por que estão aumentando essas áreas?

Sabrina Garcêz: Se nós analisarmos o histórico de adensamento da cidade, a gente percebe que antes de 2007 os únicos lugares passíveis de adensamento eram o Setor Bueno, Parque Amazônia, etc. Nós vimos o que aconteceu em relação a esses setores. O que nós determinamos é você diluir ao longo da cidade em bairros que já têm infraestrutura para que esse adensamento se dê de maneira mais equilibrada, não só sobrecarregando o Setor Bueno, Jardim Goiás, Setor Universitário. O que a Câmara decidiu foi realmente descentralizar esse adensamento. 

Deixando claro que na medida que a Câmara propôs a mudança do cálculo de fração ideal para índice, nós limitamos a altura desses empreendimentos, o que não existia antes na Lei, o céu era o limite sobre como você poderia subir o prédio. Nesse sentido, a capacidade de adensar já foi barrada. Nós aumentamos, se não me engano, foi em 16% o adensamento da cidade, só que nós tiramos o potencial de adensar em 21%. Então, o equilíbrio se mantém. Agora, foi uma decisão da Câmara, sim, poder abrir oportunidades para bairros já estruturados e as periferias poderem adensar.

E mais uma vez não significa que será adensado. O Setor Coimbra, que é um bairro eminentemente residencial, está adensado desde 2007, está como possível de adensamento. E nem por isso foi feito o adensamento ali. Então, uma coisa é o que foi proposto e outra coisa é o que vai acontecer na prática. Mas a decisão política da Câmara foi: limitamos o adensamento, diminuímos o potencial de adensar em 21% e descentralizamos esse adensamento. 

Em relação à região norte, o que foi criado lá com alguns eixos e áreas, foi a possibilidade de ter alguns polos, como polo de logística, ampliar o campus da UFG, levar o setor de atacadistas de Campinas e moveleiro, polo de reciclagem, porque como já disse é uma região das nossas águas, mas já tem acesso viário, tem energia elétrica, tem a proximidade com aertoopt. Então, essa possibilidade de fazer a ligação Norte/Sul de todo o sistema de mobilidade destrava a nossa cidade. E mantendo sempre, porque é o que vale mais em uma disputa, em uma hierarquia de normas, as normas ambientais sempre prevalecem a qualquer outro tipo de norma. 

Cileide Alves: Na prática, as decisões urbanísticas vão prejudicar o meio ambiente.

Sabrina Garcêz: O relatório está descrito textualmente, que foi feita uma errata em relação ao texto que o Ministério Público nos enviou e que a gente havia colocado na emenda coletiva. Então, se você entrar no meu relatório e ler logo abaixo dessa emenda, está descrito essa errata explicando que o eixo é viário e não de desenvolvimento, por isso não existe a possibilidade de adensamento. 

O TAC foi pelo Maurício Nardini, o procurador que assinou na época foi Reinaldo e o secretário ainda era Lívio Luciano. Foi um TAC que estamos dando prosseguimento. 

Cileide Alves: A respeito das transferências de áreas de adensamento para descentralizar, isso é o oposto de uma cidade compacta como você já defendeu anteriormente. Isso não quer dizer que vai piorar a qualidade de vida dos moradores, levando mais prédios, mais pessoas para usufruir de uma infraestrutura que já está saturada?

Sabrina Garcêz: Esse é um debate que se faz. A gente fala em uma cidade compacta, mas desde que não adense mais o meu bairro. A gente viu isso constantemente nas discussões do Plano Diretor na Câmara. “Eu quero adensar, mas não posso adensar bairro X, Y, Z, porque vai prejudicar minha praça, minha vista”. E a Câmara tem que ser equilíbrio de todas essas demandas e pretensões que chegam. Em relação ao adensamento, à cidade compacta, ela permanece porque nessas regiões onde foram criados esses eixos já existe infraestrutura. Agora, se eu não posso adensar no Marista, no Jaó, no Setor Sul, no Setor Bueno, no Jardim Goiás, vou adensar onde? Vou continuar adensando onde já está problemático?

Nesses locais que foi revisto é porque ainda existe uma possibilidade de adensamento com equilíbrio. Aí nós dispersamos isso ao longo da cidade, onde já existe infraestrutura nesses locais. Todos os bairros que colocamos os eixos de adensamento já têm infraestrutura, já tem energia, saneamento, escola, unidade de saúde. Então, a cidade permanece compacta, mas de maneira descentralizada, sem privilegiar apenas os bairros centrais. Por que bairros mais afastados ou periféricos com infraestrutura não podem, por exemplo, ter esse adensamento? Novamente, não quer dizer que por estar permitido isso vai acontecer. Um dos locais tão falados e que eu já repeti é o setor Coimbra, ele está adensado desde 2007 e nem por isso ali foi desenvolvido.

Cileide Alves: Qual o sentido de dois eixos de transporte já existentes perderem a condição de adensamento ao mesmo tempo que são criados outros eixos de transporte, que os especialistas acreditam não ser necessária a criação?

Sabrina Garcêz: São os especialistas em transporte, nós estamos falando em moradia e habitação. E como eu disse, nós temos uma série de pretensões. Assim como o setor Marista tinha uma série de quadras incluídas que, durante as audiências públicas, foram retiradas. Da mesma maneira no Jardim Goiás. A Casa também é uma casa de escuta, e todas as mudanças que foram feitas principalmente nessas regiões foram advindas da escuta popular.

Cileide Alves: Essa escuta não foi apenas do setor imobiliário?

Sabrina Garcêz: Primeiro que o setor imobiliário quer explorar a cidade da melhor maneira, onde puder adensar eu acredito que eles vão avaliar. Eu não sei o que o mercado pensa, meu voto não foi baseado no mercado. Ouvimos não só o setor imobiliário, mas também os bairros, reunimos com pessoas na Chácara São Joaquim, com moradores do Jardim Primavera, Jardim Atlântico, que inclusive levaram essa demanda do eixo. Isso foi colocado por moradores do Jardim Atlântico, teve uma comissão que foi lá. Inclusive todas essas contribuições estão anexadas no Plano Diretor. 

Então, todos esses adensamentos foram feitos a partir de escutas, e isso está lá. Agora, as pessoas não querem ver, estão partindo de pressupostos que não existem. Foram mais de 270 emendas apresentadas, sem falar em inúmeros ofícios de entidades que chegaram até nós, e nós fizemos uma depuração. Tiveram muito mais emendas sugeridas pelo acatamento do que acatei em meu relatório. Não foram só 54, foram várias outras emendas. Agora, dentro do nosso relatório, em conjunto com a Câmara, nós entendemos por bem fazer o acatamento apenas desses 50 pontos. Simples assim, sem qualquer tipo de interferência de mercado, de pessoa A ou B. Mas a partir da escuta da cidade.

Esses adensamentos foram definidos de acordo com o que a Câmara quis, sem interferência externa de qualquer pessoa, apenas a escuta coletiva. E a partir disso saiu esse resultado. Se você vier na Avenida Rio Verde, no Jardim Atlântico, você vai ver, é isso que as pessoas querem. Nós escutamos a população, escutamos os setores e esse é o resultado. Se vai agradar ou não, com certeza não, porque a mesma pessoa que quer morar, às vezes, no Marista, quer morar no Setor Sul. Mas não tem condições porque não tem mais apartamentos lá, e a pessoa do Marista não quer que novos apartamentos sejam criados ali. Isso é natural, a gente está mexendo com a cidade. Terão sempre pessoas que, em determinado momento, estarão felizes e outras, não.