GUSTAVO VIANA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
– Para Daniel Holanda, os efeitos das mudanças climáticas são bem visíveis. Morador de Anápolis (GO), na região do cerrado, o jovem de 19 anos se impressiona com a forma como o céu fica bastante escuro na época da seca, o calor é extremo e falta água, a despeito de o bioma ser considerado o “berço das águas”.

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“Até o mês passado não caiu nenhuma gota de água do céu desde o início do ano, e toda hora recebo pelo celular notificação da Defesa Civil alertando sobre fenômenos climáticos na minha região”, diz.
O estudante de direito e relações internacionais é um dos 16 jovens da delegação brasileira do Fridays for Future Brasil, grupo de jovens liderado pela ativista sueca Greta Thunberg, que vão a Glasgow, na Escócia, participar da COP26, a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que acontece de 31 de outubro a 12 de novembro.
Principal cúpula da ONU para debate sobre questões climáticas, o evento é visto por muitos como a última oportunidade para que a humanidade evite um aquecimento global com consequências catastróficas.
Com idades entre 18 e 25 anos, o grupo conta com representantes das cinco regiões e dos seis biomas brasileiros, entre eles dois representantes indígenas das etnias sateré-mawé e guarani.
O fato de não ter de roupas de frio para o gélido clima escocês, onde vai enfrentar uma variação de temperatura de mais de 30 graus em relação à cidade onde vive, é o menor dos problemas para o jovem que ganhou interesse pela pauta socioambiental após participar, em 2019, em Nova York, da Assembleia Geral da Juventude, conferência global promovida pela ONU.
“Temos que correr atrás e nos sacrificar para alcançar espaços que nenhum outro jovem ocupou, sem ajuda de governo, jornais e dos adultos”, diz Holanda.
“Precisamos unir a juventude para garantir a nossa existência daqui a dez anos, pois pode ser que a maioria das pessoas que estão em posição de liderança, que são geralmente mais velhas, não se preocupe com o futuro, já que não irá presenciar as consequências que suas decisões geraram”, completa.
Com 180 participantes ativos no Brasil, o Fridays for Future realizou uma “vaquinha” para arrecadar fundos para a viagem, mas grande parte do financiamento veio de ONGs parceiras.
A filial brasileira vai participar de uma série de eventos durante a COP26, principalmente de webinários na chamada Green Zone -área oficial da conferência dedicada para discussões e eventos paralelos-, onde terá um painel próprio, além de liderar uma manifestação marcada para o dia 5 de novembro.
“Nossa reivindicação é que os governantes tratem a crise climática como realmente uma crise e cumpram com o que prometeram e assinaram”, diz Daniel.
Sediada no Centro de Ciências de Glasgow, a Green Zone deve reunir jovens, líderes indígenas, empresas e comunidades e abrigar apresentações culturais, exposições, palestras, exibições de filmes e demonstrações técnicas para o público em geral.
A delegação global do Fridays for Future será de 123 pessoas em Glasgow. Depois de anunciar que não participaria do evento por causa da falta de vacinação para todos os participantes, a ativista ambiental sueca Greta Thunberg, hoje com 18 anos, mudou de ideia, mas declarou que espera se decepcionar mais uma vez com o discurso vazio e a falta de ação dos líderes mundiais.
“Minha expectativa é que ouviremos muitos, muitos discursos agradáveis, ouviremos muitas promessas que, se você realmente olhar os detalhes, são mais ou menos sem sentido, mas eles apenas os dizem para ter algo a dizer, para a mídia ter algo para relatar. As COPs como estão agora não levarão a nada, a menos que haja uma pressão grande e em massa”, disse Greta.
Ela declarou ainda que ficaria surpresa diante da ideia de que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ou qualquer líder mundial, possa querer se reunir com ela durante a conferência.
“Acho que vai depender da situação. Não vejo razão para essas pessoas quererem se encontrar comigo, mas estou aberta a essa possibilidade, se for convidada”, afirmou a ativista.
Em apenas três anos -desde que, aos 15, começou a faltar à escola às sextas-feiras para protestar, sozinha, segurando um cartaz onde se lia “greve escolar pelo clima” diante do parlamento sueco- Thunberg se tornou uma celebridade global. Depois de um ano fora da escola promovendo sua causa em tempo integral, voltou a estudar e está matriculada no segundo ano do ensino médio.
Chamada de “pirralha” pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a ativista classificou como “vergonhosa” a ação do governo brasileiro em relação à Amazônia e aos povos indígenas. Ela avaliou ainda que o atual mandatário do país “fracassou” no combate à pandemia e à mudança climática.
Em julho, Greta doou 100 mil euros para o Fridays for Future Brasil, para a campanha SOS Amazônia, criada com o objetivo de ajudar comunidades indígenas e ribeirinhas do território amazônico no combate à Covid-19. O recurso é parte da premiação de 1 milhão de euros que ela recebeu pelo Prêmio Gulbenkian para a Humanidade, concedido pela Fundação Calouste Gulbenkian, com sede em Portugal.
Na sexta-feira de 24 de setembro, o Fridays For Future realizou a primeira greve mundial de jovens pelo clima desde o início da pandemia. Os protestos ocorreram em mais de 1.400 locais em todo o mundo e levaram 1,5 milhão de pessoas às ruas, segundo o grupo, que em 16 de outubro promoveu também um festival de música, o Climate Live, que reuniu jovens de 20 países.
Além das apresentações musicais, que no Brasil envolveram artistas como Elza Soares, Maria Gadú e Marcelo Jeneci, o público foi convidado a assinar uma petição que será entregue às autoridades que participarão do encontro na Escócia.