Uma iniciativa da Universidade de São Paulo (USP) quer aplicar tecnologias de Inteligência Artificial (IA) para fortalecer as línguas indígenas brasileiras. Com o Centro de Inteligência Artificial (C4AI) e a IBM Research, o projeto tem o objetivo de criar ferramentas para ajudar a documentação, preservação, vitalização e uso desses idiomas. As comunidades de povos indígenas são parceiros.
Segundo os pesquisadores, espera-se que os primeiros protótipos de pesquisa sejam testados no segundo semestre de 2023. Pela área de Processamento de Linguagem Natural (PLN), a IA terá a capacidade de auxiliar em várias áreas.
Por exemplo, poderá contribuir na construção de sistemas de conversão de fala para texto e vice-versa, no desenvolvimento de ferramentas de tradução e ampliação de vocabulário. Além disso, na melhoria de programas de coleta e análise linguística, e em outros avanços tecnológicos que podem servir para a preservação das línguas nativas.
Tecnologia
O projeto também explorará a criação de teclados e completadores de texto para línguas indígenas, bem como o uso de computadores e robôs na educação de crianças e jovens das comunidades.
“Nós vamos atuar, principalmente, em duas frentes. Uma delas é a de vitalizar, ou seja, aumentar a quantidade de jovens que falam e escrevem essas línguas. Já a segunda é para fortalecer as línguas indígenas que já se encontram em um processo de desaparecimento, por isso estamos buscando formas de documentá-las”, afirma o vice-diretor do C4AI, Claudio Pinhanez. Ele é um dos líderes do projeto junto com a professora Luciana Storto, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
“Há línguas, por exemplo, que possuem apenas três únicos falantes, de 70 anos de idade. Mas o fundamental é estar sempre trabalhando com as comunidades indígenas e com especialistas no assunto”, complementa, em entrevista ao Jornal da USP. No Centro de Inteligência Artificial da USP, o trabalho em desenvolvimento está organizado em diversas áreas de interesse, cada uma com um foco específico. Os pesquisadores estão empenhados em adaptar as tecnologias de inteligência artificial para essas línguas.

A ideia é criar ferramentas de apoio ao trabalho linguístico, como sistemas de transcrição fonética, tradução automática, análise gramatical e dicionários digitais. Além disso, eles estão explorando o uso dessas línguas nas redes sociais e integrando-as a chatbots voltados para a educação dos povos indígenas, o que representa um esforço pioneiro nessa área.
Chat GPT
O vice-diretor do C4AI revela que, atualmente, não se encontra tradutores de línguas indígenas para o português brasileiro.
“Se você colocar no ChatGPT, por exemplo, ele inventa do nada uma língua. Ele apresenta diversas palavras que parecem, mas que não são indígenas. O que estamos elaborando é uma construção conjunta, mostrando aos povos indígenas o que podemos fazer e ouvindo o que eles querem e precisam. Dentro de tantas dificuldades, foram eles que nos procuraram e trouxeram as demandas existentes”, explica.
“Segundo os líderes das comunidades, a maior preocupação são os jovens, que estão crescendo sem sequer saber a própria língua, incluindo a capacidade de escrever. Mostramos o que pode ser tentado e o que podemos criar. Se isso irá resolver, aí é outra questão. O que já vimos até aqui é um retorno muito bom da comunidade com que estamos trabalhando, eles estão gostando do que está sendo proposto e direcionando o trabalho de acordo com suas necessidades. É um processo. A tecnologia tem que se adaptar ao mundo deles e eles têm que aprender sobre a tecnologia”, completou.
Língua mbya
No momento, o projeto estabeleceu uma parceria com escolas da Terra Indígena Tenonde Porã, no sul da cidade de São Paulo. Embora as crianças e jovens da comunidade sejam fluentes na língua guarani mbya, eles enfrentam dificuldades na expressão escrita dessa língua.
Com isso em mente, o projeto planeja realizar oficinas semanais com os estudantes e professores do ensino médio. O objetivo é explorar e desenvolver ferramentas de escrita e documentação linguística de forma colaborativa. Essas atividades visam auxiliar os alunos no aprimoramento de suas habilidades escritas e na preservação da língua guarani mbya.
“Estamos felizes com as oficinas que vêm sendo desenvolvidas. Esses momentos têm sido importantes para pensarmos como as ferramentas tecnológicas podem nos ajudar a valorizar nossa língua materna, por meio do apoio ao desenvolvimento da escrita, nossos conhecimentos e práticas. Além disso, temos refletido sobre os processos de tradução e a importância dos usos dessas ferramentas como instrumento político de fortalecimento dos nossos modos de viver”, pontua a liderança da Terra Indígena Tenonde Porã.
As ferramentas estão sendo desenvolvidas em conjunto com os alunos e professores da escola, sendo utilizadas experimentalmente durante as aulas. Além disso, um dos objetivos do projeto é capacitar e promover o desenvolvimento contínuo das comunidades por meio de seus próprios membros. Isso permite que eles aprendam e ensinem conteúdos relacionados à informática, programação, inteligência artificial e linguística. Ainda colaborarem em rede com profissionais interessados em contribuir para a preservação e vitalidade das línguas indígenas.

Ameaça
A parceria entre o C4AI e a IBM é de extrema importância devido à ameaça de desaparecimento que a maioria das línguas indígenas no Brasil e no mundo enfrenta até o final do século XXI.
Além dos desafios territoriais, como invasões e destruição de ecossistemas, os povos indígenas também lidam com a imposição de línguas europeias, um sistema educacional não diferenciado e uma maior interação com a cultura não indígena.
A transformação digital, com a disseminação da internet, celulares, jogos online e mídias sociais, tem contribuído para desencorajar muitos indígenas, especialmente crianças e jovens, a falar e aprender suas línguas nativas no cotidiano.
Nesse contexto, a inteligência artificial pode ser vista como uma aliada fundamental na preservação e continuidade das culturas indígenas. Por meio do uso dessas novas tecnologias, é possível enfrentar os desafios e ameaças enfrentados pelas línguas indígenas, garantindo sua perpetuação para as gerações futuras.
*Esse conteúdo está alinhado com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU 10 – Redução das Desigualdades
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