A insuficiência respiratória, uma condição grave caracterizada pela baixa oxigenação sanguínea, pode resultar de várias causas, como asma, doenças cardíacas, infecções virais, entre outras. No entanto, pesquisadores brasileiros desenvolveram uma solução inovadora para auxiliar na triagem e monitoramento contínuo de pacientes hospitalizados: uma ferramenta baseada em inteligência artificial (IA) que analisa áudios de fala para detectar sinais de insuficiência respiratória.

“Tais ferramentas permitiriam identificar a condição em pacientes com Covid-19, por exemplo, por meio da verbalização de uma frase em um celular”, explica o pesquisador Marcelo Matheus Gauy, bolsista FAPESP de pós-doutorado no Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP), em entrevista a Ricardo Muniz da Agência Fapesp.

Sob a supervisão do Prof. Marcelo Finger, do Departamento de Ciências da Computação da USP, o projeto denominado Sistema de Detecção Precoce de Insuficiência Respiratória por meio de Análise de Áudio (Spira) emprega tecnologia avançada de IA para identificar variações na voz que indicam problemas respiratórios.

Inicialmente concebido para reconhecer tais variações em pacientes com Covid-19, durante o auge da pandemia, a metodologia tem potencial para integrar sistemas de telemedicina, possibilitando um monitoramento contínuo de pacientes internados.

Resultados

Os resultados dessa pesquisa foram apresentados como um capítulo na publicação Lecture Notes in Computer Science, derivada da 21ª International Conference on Artificial Intelligence in Medicine (Aime), ocorrida em 2023, na Eslovênia. A colaboração envolveu pesquisadores da USP e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em seus campi de Marília, São José do Rio Preto e São Paulo.

A coleta inicial de dados concentrou-se em pacientes diagnosticados com COVID-19 durante a primeira onda da pandemia. Áudios de aproximadamente 200 pacientes foram obtidos em colaboração com dois hospitais parceiros do projeto: o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina e o Hospital Universitário (HU), ambos da USP. Utilizando esses dados, foram treinados modelos de IA modernos, os quais alcançaram uma impressionante acurácia de mais de 95%.

Diferentes tipos de áudios foram analisados, incluindo uma frase com pausas naturais, uma canção infantil com pausas predefinidas e a vogal ‘a’ sustentada. A identificação de padrões por meio da detecção de pausas em momentos não naturais foi fundamental para o sucesso da análise realizada pela IA.

“Durante o auge da pandemia realizamos coletas de áudio de pacientes que sofriam de insuficiência respiratória em hospitais. Coletamos também áudios de pessoas saudáveis [controle] por meio de um aplicativo na internet. Modelos de inteligência artificial atingiram acurácia da ordem de 95% na detecção de insuficiência respiratória, enquanto modelos que utilizam apenas as diferenças nas estruturas de pausa nos áudios dos pacientes e controles atingiram ordem de 87% de acurácia”, detalha Gauy.

Segunda etapa

Numa segunda etapa, foram incluídos dados de pessoas que desenvolveram insuficiência respiratória por causas diversas. Um dos achados da sequência do estudo foi que, ao ampliar a coleta de áudios para além dos casos de COVID-19, foi preciso alterar a ferramenta, pois os resultados de acurácia ficavam abaixo de 50%.

Isso mostrou que os modelos treinados para COVID não se encaixam para outras causas, indicando que, no caso de coronavírus, há características específicas.

“Modelos de inteligência artificial usados para essa tarefa precisam ser cuidadosamente treinados em uma base de dados robusta o suficiente para que as diferentes fontes de insuficiência respiratória não acabem enviesando o resultado”, diz Gauy. Por outro lado, esses achados dão esperança de que seja possível identificar, futuramente, não só a insuficiência respiratória por meio de áudio, mas também a sua causa.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 03 – Saúde e bem-estar

Leia também: