18 de maio é o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Conhecida como Maio Laranja, a campanha de conscientização sobre esse crime ganha anualmente mais importância na sociedade. Em 2021, por exemplo, os órgãos de segurança pública registraram 2.394 casos de estupro de vulnerável em Goiás.

Esse é o dado oficial mais recente sobre esse tipo de violência infantil e consta no Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022. O documento reúne informações das secretarias de segurança pública estaduais. Além de dados das polícias civil, militar e federal. O objetivo do anuário é fazer um retrato da segurança pública do país.

No entanto, apesar do número alarmante de casos, Pedro Mello Florentino, promotor do do Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), apontou um “problema grave” em relação ao assunto. 

“O problema mais grave é a subnotificação. Pois as estatísticas apontam que 5% dos casos de abuso são notificados às autoridades competentes”, relatou o promotor, que é o coordenador das Áreas da Infância e Juventude do Centro de Apoio Operacional (CAO) do MPGO.

Ouça a entrevista na íntegra a seguir

Maio Laranja

Fonte: Instagram/@maiolaranja

Segundo o Anuário sobre violência sexual, houve um aumento de 4,2% dos casos de estupro no Brasil em 2021, sendo um total de 66.020 registros nos órgãos de segurança. Dentre as vítimas, 75,5% eram vulneráveis, sendo assim, pessoas consideradas incapazes de consentir ao ato sexual. 

O anuário apontou ainda que 61,3% das vítimas vulneráveis tinham até 13 anos de idade. Assim, se configura o crime cuja tipificação penal no Código Penal brasileiro é o estupro de vulnerável. Ou seja, ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos.  

Diante da vulnerabilidade de crianças e adolescentes a casos de violência sexual surgiram campanhas que visam a proteção e a atenção ao seu desenvolvimento saudável. A Lei 14.432 instituiu a campanha Maio Laranja no Brasil em 2022. Maio é, desde então, dedicado à promoção de ações de combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes.

Apesar da recente lei do Maio Laranja, o Brasil já desenvolvia ações de combate a essa violência com marco no dia 18 de maio. O artigo terceiro de instituição da nova campanha destaca que a iniciativa não substitui a anterior, mas que ela ampliaria para o mês inteiro as atividades de conscientização sobre esse crime.

Araceli

Fonte: CEDOC/AGazeta/G1

O dia 18 de maio é o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescente desde 2000 pela Lei nº 9.970. Essa lei surgiu em memória a menina Araceli Cabrera Sánchez Crespo, que desapareceu no dia 18 de maio de 1973, aos 8 anos de idade, no Espírito Santo.

Reportagem do G1 em 2017 destacou o caso como um dos mais emblemáticos em relação a violência sexual infantil no país. Segundo publicado no portal, teria ocorrido o sequestro, estupro e a carbonização do corpo.

As investigações levaram a três suspeitos. Eles foram condenados pelo crime em 1980, mas recorreram da decisão e o Tribunal de Justiça do Espírito Santo anulou a sentença. Então, as investigações foram retomadas e, em 1993, os acusados foram todos absolvidos por falta de provas. Em seguida o caso foi arquivado pela Justiça.

A lei do Maio Laranja destaca que o caso de Araceli representa um histórico de conquistas e avanços dos direitos humanos da infância no Brasil. Por isso, a sanção da lei  busca ampliar e fortalecer a proteção integral de crianças e adolescentes e seu pleno desenvolvimento nos primeiros anos de vida.

Violência sexual

Violência sexual
Violência sexual (Foto: TV Brasil)

Quando falamos de violência sexual, precisamos entender que se trata de um termo amplo, explicou o promotor, pois essa violência se caracteriza por qualquer ato ou ação que atente contra o desenvolvimento sexual saudável. Segundo Florentino, existem inúmeros tipos de ações consideradas violentas, desde o estupro que é a mais conhecida até ações que não envolve contato físico.

“É o caso, por exemplo, da exposição da criança a um conteúdo pornográfico através da internet ou mesmo que possibilite e incentive a criança a assistir uma cena sexual. Então todas essas ações são consideradas ações violentas, pois ferem o desenvolvimento sexual saudável”, pontuou.

O promotor Pedro Mello Florentino explicou que dentro do gênero de violência sexual costuma-se dividir os atos de abuso e exploração sexual. “O abuso sexual é quando uma pessoa utiliza uma criança com finalidade sexual para satisfazer a lascívia, a libido desse abusador. Ele pode ser cometido com contato físico, com toques nas partes íntimas da criança ou mesmo com o ato sexual em si. Mas ele também pode acontecer sem contato físico”, contou. 

A exploração sexual, diferente do abuso, envolve algum tipo de troca, seja uma presente ou qualquer outro tipo de vantagem para a criança. “No pior dos casos essa exploração envolve o interesse econômico, que é a utilização de criança para a produção de material pornográfico e distribuição desse material com finalidade financeira”, destacou o promotor.

Observação

Criança
Foto: Agência Brasil

Muitas vezes é complicado identificar um caso de violência sexual. No entanto, o promotor do MPGO, que possui experiência com o público infantil, apontou que, geralmente, os que sofrem essa violência apresentam alterações físicas e psicológicas. Portanto é muito importante que a família observe o comportamento das crianças e adolescentes.

“Do ponto de vista psicológico o que é mais fácil de detectar é uma mudança brusca de comportamento. Então aquela criança que geralmente é extrovertida, alegre e sociável, de repente fica mais tímida, mais retraída”, disse. Florentino destacou também as mudanças no comportamento  daquela crianças que gostam de ficar sozinha e, de repente, passam a apresentar sintomas de medo e precisam sempre estar perto de alguém. 

“Ela passa a ter fobia de lugares que antes ela gostava. Por exemplo, se a criança gostava da casa da avó, ela passa a morrer de medo de ir para a casa da avó, passa a morrer de medo de ir para a casa de um tio. É também muito comum um sono muito agitado, pesadelos constantes e urinar ou defecar durante o sono”, contou.

Pedro Mello Florentino frisou que essas mudanças de comportamento são exemplos do que pode acontecer, mas que geralmente não ocorrem todas ao mesmo tempo. Segundo Florentino existem inúmeras outras situações que podem ser identificadas no comportamento.

Confiança

Foto: freepik

Para o promotor do MPGO é essencial que os pais tenham uma relação de confiança com seus filhos. Pois, em casos como de violência sexual, é fundamental que as crianças e os adolescentes sintam essa relação de cumplicidade para relatar o crime.

“O mais importante por parte da família é que os pais precisam ter uma relação de confiança e de cumplicidade com os filhos, para que os filhos tenham liberdade de falar as coisas para eles. Então se a criança começa a apresentar essas mudanças de comportamento, sem pressionar, os pais devem procurar saber melhor como está sendo o dia a dia dela, devem procurar ouví-la com mais frequência, sem pressionar”, disse.

É necessário que os pais demonstrem que acreditam na criança, como afirmou o promotor. “As estatísticas demonstram que em torno de 96% dos relatos de abuso são verdade”, contou. Sendo assim, Florentino frisou que a primeira coisa que o adulto deve fazer é acolher a criança.

“A partir da hora que houver alguma coisa, demonstrar acolhida, proteção e confiança na criança. Não julgá-la de maneira alguma e não pressioná-la por detalhes e nomes. Se a criança não está falando, a partir da hora que é pressionada a isso, ela estar revivendo a violência e os traumas que sofreu. E isso é o que a gente chama de vitimização”, explicou.  

Educação

Sala de aula
Sala de aula (Foto: Freepik)

Além da família, o promotor do MPGO destacou a importância dos profissionais da educação. A escola é um espaço em que as crianças e os adolescentes podem apresentar alterações no seu comportamento. E, por isso, os profissionais que trabalham na instituição também devem procurar entender essas mudanças.

“É muito comum uma queda brusca no rendimento escolar. Se ela tinha um bom rendimento na escola, de repente ela passa a não ter mais interesse, as notas caem. Então a escola é importante nessa temática, porque muitas vezes o que não é detectado me casa é detectado no ambiente escolar”, afirmou.

Florentino destacou que a violência sexual é um tema que deve ser tratado dentro da família e no ambiente escolar. O promotor afirmou que há formas técnicas de abordagem para passar esses conhecimentos para as crianças.  Dentre esses meios estão palestras, entrevistas e cartilhas com material informativo apropriado para crianças.  

“A educação sexual é extremamente importante para prevenir, mas também para interromper o ciclo da violência, porque esses abusadores, os estudos demonstram isso, eles não fazem uma vez só. A criança e o adolescente são abusados durante anos até que alguma coisa aconteça e eles e tomem consciência do que está acontecendo”, notou.

Denúncia

justiça martelo
Foto: Pexels

O coordenador do CAO afirmou que crimes de violência sexual infantil possui penas muito severas que chegam a 30 anos. Mas, frisou ele, é necessário que os casos cheguem à justiça, para que os agressores sejam punidos e para evitar o ciclo de violência.

Então, Pedro Mello Florentino destacou a necessidade de promover ações de combate e enfrentamento da violência sexual infantil no estado. E em caso de conhecimento de casos fazer a denúncia aos órgãos responsáveis, como o Conselho Tutelar, a Vara da Infância e o Ministério Público. 

“Se é identificada a suspeita de que essa criança está sofrendo violência sexual cabe a pessoa, ao adulto responsável, ao profissional da educação, da assistência social ou a qualquer profissional que tenha tido acesso a isso fazer a denúncia desse ato às autoridades competentes. Eu destaco Conselho Tutelar, Ministério Público, Vara da Infância e Juventude e Disque 100. Todos esses canais são adequados para realizar esse tipo de denúncia”, disse.

O coordenador pontuou que em caso de pornografia envolvendo criança e adolescente na internet, o compartilhamento do material também é um crime. “Se a pessoa que tem acesso a isso deve denunciar à Polícia Federal ou ao Ministério Público Federal. Deve-se observar que a divulgação desses vídeos, seja por whatsapp ou por qualquer meio, incentiva que mais pedófilos surjam”, destacou.

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