Foi desenvolvido um sistema online na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em colaboração com pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), capaz de prever a propagação de incêndios no Cerrado brasileiro. Esse bioma é conhecido como a savana mais biodiversa do mundo e abriga 33% de toda a biodiversidade brasileira, mas está fortemente ameaçado devido à expansão da agropecuária.

O Cerrado é o bioma mais afetado por incêndios florestais em toda a América do Sul, e essa situação tem se agravado globalmente devido às mudanças climáticas, como ficou evidente no desastre ocorrido em junho no Canadá. Portanto, além de uma política efetiva de preservação, o manejo adequado do fogo é uma questão crucial a ser resolvida.

O sistema desenvolvido pelos pesquisadores brasileiros utiliza tecnologias avançadas para prever a propagação de incêndios no Cerrado. Essa ferramenta online é capaz de analisar dados espaciais e meteorológicos em tempo real, levando em consideração fatores como a vegetação, a umidade do solo, a velocidade e a direção do vento, entre outros. Com base nessas informações, o sistema gera mapas e alertas que auxiliam na tomada de decisões para o combate e controle dos incêndios.

“O sistema é o único do mundo capaz de prever a propagação de incêndios em tempo quase real. Utiliza imagens de sensoriamento remoto juntamente com dados de clima e relevo para simular a propagação do fogo em todo o bioma e apresenta uma taxa de acerto que chega a 89%. A resolução espacial é de 25 hectares para a maior parte do bioma e de 0,04 hectare, bem mais refinada, para nove Unidades de Conservação [UCs]”, afirma o primeiro autor do artigo, Ubirajara Oliveira. Ele também é professor na pós-graduação em Análise e Modelagem de Sistemas Ambientais da UFMG, onde também atua como pesquisador no Centro de Sensoriamento Remoto.

Simulação

Oliveira relata que, com essa nova funcionalidade, a simulação da propagação do fogo no Cerrado ocorre três vezes por dia. “Para isso, o sistema carrega automaticamente dados que possibilitam conhecer as fontes de ignição, a abundância de material combustível, a umidade da vegetação e a probabilidade de queima. Até agora, nenhuma iniciativa global ou regional oferecia um conjunto de soluções semelhantes, principalmente no que diz respeito à previsão totalmente automatizada de propagação em tempo praticamente real e à alta resolução das imagens de satélite”, destaca.

Com base em uma determinada fonte de ignição, o sistema possui a capacidade de prever diversos aspectos relacionados à propagação do fogo. Esses aspectos incluem a direção em que o fogo se espalhará, a duração da queima, a área total que poderá ser afetada, o consumo de biomassa e as emissões de dióxido de carbono (CO2) resultantes.

O modelo leva em consideração as condições climáticas e também incorpora o efeito de uma série de fatores antropogênicos. Esses fatores podem incluir o zoneamento da terra, ou seja, a maneira como a área está dividida e utilizada para diferentes fins, bem como a proximidade de rodovias e áreas urbanas.

(Foto: Reprodução/Monitoramento do Cerrado)

Isolante térmico

Assim como outras savanas ao redor do mundo, o Cerrado evoluiu em um ambiente onde o fogo desempenha um papel importante. Suas plantas desenvolveram adaptações para lidar com esse fator. As árvores resistentes muitas vezes possuem uma camada espessa de tecido vegetal chamada súber, composta por células mortas impregnadas de suberina, uma substância lipídica. Essa camada envolve os troncos e galhos das árvores. Quando ocorre um incêndio na região, o súber funciona como um isolante térmico, protegendo os tecidos vivos internos da árvore. Embora o súber possa queimar, a árvore sobrevive e um novo súber é formado posteriormente.

No caso do estrato herbáceo, composto por gramíneas e ervas, assim como para as plantas de menor porte, as raízes e os órgãos subterrâneos de reserva são fatores-chave de resiliência. Essas estruturas armazenam gemas que possibilitam o rebrotamento após a ocorrência de incêndios.

No entanto, é importante destacar que o uso indiscriminado e frequentemente criminoso do fogo, com o objetivo de eliminar as plantas nativas e preparar a terra para a agricultura e pecuária extensivas, é muito diferente da influência natural do fogo no ecossistema do Cerrado.

Além disso, os incêndios descontrolados, alimentados pelo acúmulo de material combustível após longos períodos sem queima, podem se propagar de forma desastrosa, comprometendo a capacidade de regeneração da vegetação e ameaçando a sobrevivência dos animais, que podem ficar encurralados pelas chamas sem uma rota de fuga. Com o intuito de evitar essas ocorrências prejudiciais, o sistema de previsão de propagação de incêndios foi desenvolvido.

Fácil acesso

No entanto, o uso do sistema de prevenção não é limitado apenas a essas unidades. Ele está disponível para qualquer pessoa que tenha acesso à internet, pelo site da UFMG. “Ele aponta um caminho para otimizar a prevenção e o combate a incêndios. A plataforma já está sendo usada nas operações diárias das Unidades de Conservação selecionadas”, pontua Oliveira.

A plataforma foi desenvolvida com o objetivo de proporcionar facilidade de uso, permitindo que qualquer pessoa, independentemente de seus conhecimentos técnicos, possa visualizar e interpretar os resultados de maneira intuitiva. Isso é possibilitado por meio de mapas interativos e gráficos, que tornam a informação acessível e compreensível para o público em geral.

“Tudo isso só foi possível graças ao software Dinamica EGO, também desenvolvido no Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG, que permite o processamento eficiente de uma enorme quantidade de dados”, argumenta.

(Foto: Reprodução/Monitoramento Cerrado)

A plataforma desenvolvida no âmbito do Programa FIP (Forest Investment Program) recebeu o nome de FISC-Cerrado, sendo a sigla “FISC” resultante da expressão em língua inglesa “fire, ignition, spread and carbon cycling” (fogo, ignição, propagação e ciclagem de carbono). Essa plataforma faz parte dos Sistemas de Prevenção de Incêndios Florestais e Monitoramento da Cobertura Vegetal no Cerrado Brasileiro. Há um vídeo disponível no YouTube que explica o funcionamento do sistema.

O Programa FIP é uma iniciativa global que reúne recursos de diferentes doadores, administrados pelo Banco Mundial, com o objetivo de reduzir o desmatamento e a degradação florestal e promover o manejo sustentável das florestas. É importante destacar que o Cerrado é o segundo maior bioma do país e abriga mais de 11 milhões de espécies de plantas, além de mais de 2,5 mil espécies de animais.

Também é conhecido por abrigar as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul. Sua extensão territorial de 2 milhões de quilômetros quadrados abrange 11 unidades da federação: Maranhão, Piauí, Bahia, Tocantins, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Minas Gerais, São Paulo e Paraná.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 13 – Ação Global Contra a Mudança Climática

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