Quero compartilhar um texto do técnico Artur Neto que em 2010 comandou o Goiás Esporte Clube na reta final da Copa Sul-Americana, quando a equipe goiana eliminou o Avaí em Florianópolis, Palmeiras em São Paulo e por pouco não levantou o troféu da competição internacional.

Artur que é um dos principais técnicosdestaca na publicação que está em sua página no facebook, os bastidores desta campanha e o cenário de guerra encontrado na Argentina. Na semana da decisão contra o Independiente, ele foi informado que o Goiás seria roubado.

Texto – Artur Neto

Após o acesso e não renovação com o Vila Nova Futebol Clube, recebi uma proposta do Goias para ser Diretor Tecnico, uma experiência nova para mim. Aceitei com muita honra. Era dezembro 2007 e assim fechei meu ano de ouro, trabalhando nos 3 maiores times do Estado num só ano.

O Clube já havia contratado seu treinador, que era Caio Júnior. Portanto não participei dessa decisão. Meu trabalho seria na montagem de uma nova equipe, pois o ano que se encerrava não foi dos melhores para o clube alviverde.

Foi feita uma grande reformulação e uma boa equipe foi montada. Como havia uma certa limitação financeira, foi necessário recorrer a amigos, clubes e empresários conhecidos.

Nesse período não foi gasto nenhum centavo com empréstimos, luvas ou comissões para ninguém, mostramos a todos que a vitrine Série A, era boa. Além disso oferecermos uma ótima estrutura de trabalho e salários rigorosamente em dia (isso é obrigação dos clubes, mas infelizmente muitos não cumprem).

Permaneci até meados de 2008. Essa foi minha única experiência nessa função e futuramente voltarei a exerce-la. Propostas para assumir clubes sem estrutura, mal montadas e desesperadas, não me seduzem mais.

A desvalorização dos treinadores brasileiros em detrimento aos estrangeiros é lamentável, parece que todos já esqueceram que o Brasil é o único Penta Campeão Mundial, comandados somente por profissionais brasileiros.

No momento no Brasil, para ser considerado bom treinador, basta ter nascido no outro lado do Atlântico. Lembrando que, apenas Jorge Jesus (meu companheiro no Vitória Setubal/Portugal) fez ótimo trabalho e Abel Ferreira um bom trabalho. Mas a lista dos que não acrescentaram nada ao nosso Futebol aumenta a cada dia.

Na minha opinião, o Atletico PR (Paulo Autuori/Ricardo Gomes), São Paulo (Rogerio Ceni/Murici Ramalho), são exemplos a serem seguidos, profissionais experientes que podem fazer a ligação, elenco, comissão técnica, diretoria e nas horas difíceis controlar o vestiário.

Os executivos com seus cursos são importantes, exemplo de Rodrigo Caetano (meu jogador/Náutico) que é excelente> Só que alguns nem tanto. Não são do ramo e possuem pouco conhecimento e experiência prática de Futebol – uns indicados ou ligados a empresários, nada contra, mas pode haver conflito de interesses. É aí que o clube fica em segundo plano.

Tem também aqueles que não tem nada a ver com futebol e assumem por potencial financeiro ou por amizade a alguém importante nos clubes. Ocupam cargos no profissional e principalmente na base, sendo que suas maiores “virtudes” são exercer com enorme maestria a função de “puxa saco” e “leva e trás”. Parece cômico mas é trágico, pois a longo prazo o prejuízo é gigante, mesmo oferecendo uma boa estrutura, não produzem jogadores no nível A ou uma jóia rara. Apenas jogadores medianos, não trazendo nenhum retorno técnico ou financeiro.

Em novembro de 2010, recebo convite para retornar ao Goias, agora como treinador. O momento era delicadíssimo, virtualmente rebaixado, troca de presidente, problemas financeiros. A missão era salvar a Sulamericana e pensar no ano seguinte.

A comissão técnica contava com Fabricio Mendes (Preparador Físico) e Capitão (Auxiliar Técnico). Treinamos e no dia seguinte rumamos para o jogo de volta com Avaí (Florianópolis), em Goiânia (2×2). Portanto 0x0 e 1×1 não nos servia, 2×2 ia para os pênaltis. Vencemos 1×0 Rafael Moura, nos classificamos.

De Floripa fomos direto para o Rio, enfrentar o líder Fluminense. Saímos na frente com Rafael Moura 1×0. No final da partida eles empataram de pênalti com Conca 1×1. Fluminense foi o campeão e o resultado deu mais confiança.

Na sequência enfrentamos o Palmeiras em Goiânia, primeiro jogo da semifinal da Sul-Americana. Não fizemos uma grande partida. Marcos Assunção acertou um petardo de fora da área, Palmeiras 1×0 e a situação ficou bem complicada.

Chegamos em São Paulo na véspera do jogo de volta e já se comemorava a classificação do Palmeiras para final. Mas como diz o ditado “quem morre de véspera é peru”, só que o Goias é periquito.

Descendo a avenida que leva ao Pacaembu, uma multidão de torcedores nos saudava alegremente, com cerveja ou dando tchauzinho. No ônibus o silêncio predominava, estávamos focados, conscientes que a parada era dificílima. Entramos em campo, a torcida do Palestra fazia uma grande festa, com balões e muita euforia.

Começa o jogo, o Palmeiras empurrado por sua Torcida domina e pressiona, acerta a trave, tenta de novo, o time se defende bem e equilibra a partida, aos 33 minutos Luan é lançado, domina e bate forte cruzado, 1×0. Complicou ainda mais, agora precisávamos de dois gols.

Até que aos 47 minutos Marcelo Costa bate uma falta no travessão, na volta Toloi coloca na área, Rafael Moura desvia e Carlos Alberto cabeceia para o gol – tudo igual 1×1. Não havia momento melhor para empatarmos, fomos para o vestiário revigorados.

No segundo tempo tínhamos que arriscar mais, trocamos Douglas (ala), por Felipe (atacante). O jogo era nervoso, bem disputado, aí veio o lance que nos levou para decisão. Foi no minuto 82 que Otacilio Neto recebe no bico da grande área, Marcão (zagueiro) passa por trás, faz o overlapping perfeito, recebe e levanta na cabeça do He Man, que deixa Ernando (zagueiro) sozinho na frente da rede. 2×1 – muita emoção nossa, o silêncio só não foi total porque no canto das arquibancadas, os torcedores do Goias que acreditaram no milagre faziam a festa.

Fim de jogo, o Pacaembu calou e chorou conforme as manchetes. No vestiário só alegria, o periquito sobreviveu e voou de volta feliz para Goiânia.

artur neto
Técnico Artur Neto nos estúdios da Sagres

No domingo fomos a Belo Horizonte enfrentar o Atlético Mineiro, comandado pelo amigo Dorival Junior. Para o Goias era só cumprir tabela. Aproveitei para poupar e dar chances a jovens jogadores. Galo 3×1, mas o fato importante aconteceu no hotel na capital mineira.

Domingo por volta das 10h30, toca o telefone, a recepção me avisa que dois amigos estavam me aguardando. Agradeço, desço e ao sair do elevador ao ver o sorriso dos dois me dei conta que não era uma visita e sim um presente

No hotel estavam o multi-campeão Wilson Piazza (Cruzeiro / Seleção Brasileira), o jogador da minha intimidade que mais taças levantou. Estaduais, Brasileiros, Libertadores e o Tri-Campeonato México. Uma das pessoas mais íntegras que conheci. Com ele para completar, uma figura de uma simplicidade franciscana – Vicente De Paula., ex jogador e Advogado da Agap-MG. Grandes Amigos da época do Cruzeiro (76/78). Depois dos abraços apertados, faziam alguns anos que não nos víamos, fomos para a resenha.

Piazza me relatou que na semifinal da Libertadores 1975, depois de vencerem em Belo Horizonte por 2×0, foram derrotados em Avellaneda 3×0. Uma das maiores tristezas de sua brilhante carreira. Mas o problema maior. Segundo ele, foi fora de campo. Tudo que aprontaram… um clima de guerra. Era um recado para eu me preparar que seria pesadíssimo o confronto diante do Independiente da Argentina.

No ano seguinte ao vencer o River Plate 3×2 em Santiago, o Cruzeiro conquistou sua primeira Libertadores, e finalmente o Capitão Wilson Piazza levantou a taça.

Primeiro jogo da final da Sul-America em Goiânia, a torcida espera o ônibus chegar e literalmente abraça o time, nos conduzindo até a entrada dos vestiários. Foi emocionante. Em campo uma linda festa. Os torcedores do Independiente brigam com todo mundo, prenúncio do que fariam na volta.

Começa o jogo, pegado e nervoso. Até que aos 14 minutos Carlos Alberto com muita raça divide uma bola, ela cai nos pés do rrtilheiro Rafael Moura, que não perdoa, 1×0 e o Serra Dourada explode. Aos 20 minutos é Marcelo Costa que enfia para Douglas, que deixa Otacilio Neto de frente para as redes – 2×0 e o estádio balança. O time correspondeu a expectativa da torcida. Uma grande vitória.

No vestiário, Weber Magalhães (Vice da CBF/Centro-Oeste) me parabeniza e faço o convite para nos acompanhar na Argentina. Ele aceita. Passagem emitida e tudo confirmado. O Presidente Haile Pinheiro faz o mesmo convite a Ricardo Teixeira (Presidente CBF), que aceita e confirma também a presença.

Chegamos a Buenos Aires com dois dias de antecedência. A noite fomos treinar no River Plate e após a atividade o responsável pela estrutura que gentilmente nos recebeu no estádio, fez o alerta para quem estava na roda: “Preparem-se vocês serão roubados”.

Na terça após esgotarmos todas as tentativas de treinarmos em Avellaneda, para reconhecimento do gramado, que era direito nosso e previsto no regulamento, optamos por treinar no Boca Juniors, no anexo da Bombonera.

Na volta, fomos recebidos por uma chuva de pratos e outros objetos, jogados do alto do hotel que estávamos. Por sorte ninguém se feriu. Um mistério.. quem teria feito isso?

A delegação ficou em andares altos por precaução, mas não adiantou. Perto da meia noite, chegou uma verdadeira caravana de carros, ônibus, caminhões e muita gente, que fizeram um barulho infernal, até as 7 da manhã. Foi bombardeio de foguetes, música, churrasco e outras coisitas mais.

A polícia foi chamada e depois de muito tempo chegou. isolou a avenida e pasmem – com eles dentro da área isolada, para dar segurança a ELES, pois tinham o direito de se manifestarem. Ninguém conseguiu dormir, a tarde retornaram e outra bateria de fogos aconteceu.

No dia do jogo após o lanche da tarde, dois marginais da torcida “Barra Bravas” foram descobertos hospedados no hotel, usando camisas antigas do Goias e perucas verdes.

Na saída para o estádio, dois ônibus iguais nos levavam com Policiais Federais dentro. Outro com torcedores nossos foram apedrejados. Por orientação da PF os ônibus fizeram trajetos diferentes.

No túnel de acesso ao campo, as equipes aguardando para entrar, chega o trio de arbitragem. Cumprimento o árbitro como de praxe, mas um dos auxiliares recusou o cumprimento. O mesmo que anulou dois gols nossos.

Começa o jogo, eles pressionam. Num bate rebate abrem o placar. Em seguida Otacilio e Wellington Saci tabelam. Cruzamento e Rafael Moura, ótimo cabeceador empata, 1×1. Foi seu oitavo gol – artilheiro da competição.

O jogo é disputadíssimo, eles fazem 2×1 num lance inusitado. O terceiro gol foi totalmente irregular. Falta clara, o atacante atropelou Marcão e na sequência fez o gol.

Esse lance decidiu o título na minha opinião, pois sem ele não haveria a disputa por pênaltis. Foi um erro capital, mas houveram vários outros no jogo e sempre contra nós.

Não começamos bem o jogo, mas depois o time se acertou, foi melhor no restante da partida e na prorrogação; Tivemos dois gols anulados e naquela época não havia VAR.

Quanto aos pênaltis, estávamos muito bem preparados, treinavamos sempre e muito. Felipe que perdeu, era um dos melhores batedores. Infelizmente aconteceu, não deve ser culpado.

Após o jogo, maior tristeza da minha carreira, fiz a seguinte reflexão.

Com todo respeito ao Independiente (treinador e atletas), mas esse título não foi perdido dentro de campo, e sim tirado a força nos bastidores. Tudo que era possível foi feito por nós, os jogadores. Eles foram guerreiros. A comissão técnica deu seu melhor e a diretoria fez sua parte.

Em tempo, ninguém da CBF foi a Argentina mesmo confirmando. Apenas Andre Pitta – presidente da Federação Goianta de Futebol esteve conosco. Fiquei com a sensação que os interesses do Grêmio e Flamengo, beneficiados com nosso insucesso, foram mais importantes para a entidade… lamentável!

No Brasil só dão valor ao campeão. O vice não serve. Só que não podemos desvalorizar o que foi feito, senão vejamos.

Depois da decisão em viagem internacional, fui reconhecido por pessoas de diferentes nacionalidades, todos exaltaram o comportamento da equipe e criticaram a arbitragem.

O Goias nunca foi tão divulgado internacionalmente como em 2010. A decisão foi transmitida para mais de 150 países. Até hoje ninguém do Centro-Oeste chegou tão longe.

Ao torcedor esmeraldino que encheu o Serra Dourada, ficou espremido em Avellaneda e que acompanhou pela TV, tenham absoluta certeza que foi com muita DIGNIDADE que o Goias foi vice-campeão da Sul-Americana 2010. Em 2017, o poderoso Flamengo também foi Vice em pleno Maracanã, para o mesmo Independiente.

Agradeço e parabenizo a todos que me ajudaram. Participaram e dividiram comigo todas essas emoções. Atletas, Comissão Técnica, Diretoria e agradecimento especial a Haile Pinheiro e Edminho Pinheiro.

Muito obrigado GOIAS EC