Neste sábado, dia 20 de março, o futebol goiano perde uma das figuras mais marcantes da sua história: Divino Donizete de Jesus, o Divinão, torcedor apaixonado pelo Atlético Goianiense e ouvinte fiel do Sistema Sagres de Comunicação.

Divino nasceu no dia 10 de maio de 1960, portanto completaria 61 anos em 2021.
Homem simples, que viveu vida muito pobre, mas que se tornou figura conhecida em toda a cidade. Gozava de maior prestígio no Bairro de Campinas, onde basicamente viveu a maior parte dos seus dias. Desde a década de 1970, ainda adolescente, trabalhava pelas ruas do Bairro, empurrando um carrinho de mão.

Começou carregando mercadorias adquiridas pelas donas de casa, nas feiras para as casas das compradoras (era o chamado “carrinho pra frete”). A medida que a juventude foi chegando, o carrinho cresceu e ficou mais sofisticado. Ganhou pintura em vermelho e preto, duas bandeiras do Atlético, nas laterais da haste usada para empurrar o “veículo”, duas caixas de som e, ligado às mesmas, um rádio que estava sempre sintonizado na Rádio 730, hoje Sistema Sagres de Comunicação.

Sabia os nomes de todos os membros da equipe de Esportes da emissora. Nesta época recolhia material reciclável descartado pelos lojistas de Campinas, que costumavam guardar as caixas de papelão e os plásticos recicláveis para ele. Sua caminhada diária era longa.

Morava na Vila Redenção, que dista 16 quilômetros do início da Avenida 24 de Outubro, seu alvo diário para o trabalho e a sagrada visita ao Estádio Antônio Accioly, onde por muitas vezes deixou o carrinho, para dar uma esticada até o CT do Atlético, no setor Urias Magalhães.

No Atlético, era respeitado e tinha prestígio. Entrava para assistir os treinos, recebia convites para assistir aos jogos, doados pela diretoria.

Uma trombose na perna direita o obrigou a parar com as atividades como catador de recicláveis. A perna inchou, abriram algumas feridas, que nunca mais cicatrizaram. Pelo contrário tiveram crescimentos frequentes. A orientação médica era para que ficasse em casa, com a perna pra cima, orientação que nunca cumpriu.

Sem o carrinho aprendeu andar de ônibus e as andanças continuaram. Tinha os pontos basicamente marcados: Estádio Antônio Accioly, Avenida 24 de Outubro, Rádio 730, na Avenida Goiás (depois que o Sistema Sagres de Comunicação foi implantado e as instalações vieram para a Vila Santa, ele não nos visitou mais) e, naturalmente, o CT do Atlético, no Setor Urias Magalhães.

Neste estágio o rádio diminuiu de tamanho – cabia no bolso, mas a sintonia não: Estava sempre na faixa AM, na frequência 730.

Nos pontos preferidos para as andanças ele ganhava a vida. Nunca pedia o dinheiro, mas a concessão de um vale: “Faz um vale de 10 aí pra mim”. Nunca vi ninguém negar os 10 reais. Às vezes pedia valores maiores para comprar chinela, a bolsa onde carregava os pertences, os medicamentos. Mas o valor padrão era 10 reais. Só não ia aos jogos do Atlético quando a equipe jogava fora do estado. No interior, aparecia sempre no estádio e na maioria das vezes, ia de ônibus e voltava de carona, ora com torcedores, ora no ônibus do Atlético.

No dia 8 de outubro de 2011, o Atlético participou de um jogo histórico, pelo Campeonato Brasileiro da Série A. O Clube enfrentou o Corinthians, no Estádio do Pacaembu, em São Paulo. A partida dominava os assuntos na mídia. Adriano Imperador estrearia com a camisa do Coringão.

A diretoria do Atlético decidiu levar como convidado do Clube, o torcedor Divino Donizete de Jesus, para fazer parte da delegação. Ganhou roupas novas, viajou no mesmo vôo, ficou hospedado no mesmo hotel que os jogadores, cumpriu toda a trajetória da logística do evento junto com a delegação. “Foi uma das atitudes mais justas e gratificantes que o Atlético já fez. Era emocionante olhar a alegria saltando dos olhos do Divino, que foi muito respeitado pelos jogadores, comissão técnica, diretoria e demais membros ao estafe” – diz Adson Batista, atual presidente do Atlético, que na época era diretor de Futebol.

Esta viagem foi tema de uma matéria especial do nosso site e ainda hoje pode ser encontrada aqui, com o título “Atlético pronto para partida, com torcedor ilustre na viagem”.

Hoje, nas redes sociais do Clube, foi publicada a seguinte nota: “Hoje perdemos um dos torcedores mais simbólicos do Atlético, o Divinão. Que Deus o receba de braços abertos e que lá de cima ele continue torcendo pelo Dragão”.

Divinão tinha problemas renais, era diabético, sofria com as chagas abertas pela trombose, na perna direita e faleceu com suspeita de ter contraído a Covid-19. Na quinta-feira (18), com muita dificuldade para falar, pediu a enfermeira, do Hospital Geral de Goiânia (HGG), onde estava internado, para sair. Queria ir em Campinas. A enfermeira gravou vídeo da conversa, onde explica que ele não podia, pois precisava sarar primeiro, para voltar caminhar: “Você vai voltar a caminhar” – afirmou a enfermeira e ele, com a voz cansada e, entre tosse, confirmou convicto: “Vou”.

Voltou, mas não caminhou para Campinas… caminhou para os braços de Deus!!!

Não houve vaga para sepultar o Divinão neste sábado (20). O corpo permanece no HGG e será sepultado às 11h deste domingo (21).

A família foi convocada para buscar a bolsa inseparável onde carregava os inseparáveis pertences. De acordo com a sobrinha Angélica, lá dentro havia uma máscara com o escudo do Atlético bordado, o par de chinelos e o radinho de bolso, sintonizado na Rádio Sagres 730.

Como não se emocionar diante de uma demonstração de amor tão verdadeira?