Para o CEO da Kultivi, Cláudio Santi Matos, não teremos avanços imediatos com as mudanças na lei do Novo Ensino Médio. A versão final aprovada na Câmara dos Deputados definiu 3.000 horas para a carga horária, sendo 2.400 horas para disciplinas obrigatórias e 600 horas para disciplinas optativas. Além disso, os itinerários formativos e o ensino técnico permanecem. 

Matos observa que nenhuma mudança será significativamente observada no curto prazo no país. 

“Apesar das políticas e programas destinados a apoiar as escolas na transição para o Novo Ensino Médio, eu não acredito que veremos avanços significativos na uniformidade da qualidade do ensino em todo o país no curto prazo. As dificuldades de adaptação são maiores para aquelas instituições que já enfrentam problemas de infraestrutura e recursos”, explica.

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Um novo ensino médio

O ensino médio é uma das três etapas da educação básica no país, mas desde 2017 segue com uma indefinição de ensino ideal. Por ser ensino básico, está ligado às diretrizes e bases da educação nacional. Assim, a sua implementação é crucial e impacta em aspectos como o desenvolvimento humano e de habilidades dos brasileiros, economia e redução da desigualdade no país.

“Embora haja esforços contínuos para reduzir essas desigualdades, é provável que as regiões com melhor desempenho continuem a ser as mesmas, perpetuando a disparidade educacional existente”, pontua Cláudio, a respeito da implementação.

Para ele, as disparidades na implementação são evidentes. Porque as escolas de regiões mais desenvolvidas têm maior eficácia e as unidades localizadas em áreas menos favorecidas lutam para ofertar um ensino de qualidade.

Novas escolas

A reforma do ensino médio tem o objetivo de ofertar a formação básica e técnica, mas está falhando nas duas coisas, segundo a doutora em educação, Ana Paula Corti. “Alguns pesquisadores falam em ‘nem’, que é essa sigla para dizer que nem forma para a universidade e nem forma para o mercado de trabalho”, diz. “Os itinerários formativos são os grandes fiascos da reforma”, acrescenta.

Corti afirma que a existência dos itinerários exige a construção de novas escolas e professores capacitados. Disso surgiram as principais disparidades nos últimos anos. “A metade dos municípios brasileiros têm apenas uma escola de ensino médio”, argumenta.

Até o momento, as unidades que ofertam os itinerários fizeram convênios com sistemas privados de formação profissional e cursos que não são técnicos. Entretanto, Corti diz que eles nunca atingiram a proposta de oferecer aos estudantes itinerários que resultam em chances reais de empregabilidade no mercado de trabalho.

“Ele [Novo Ensino Médio] tira o conhecimento para fazer o vestibular porque você está tirando os conhecimentos da formação geral do currículo. Então, nesse sentido, esse jovem não tem mais chance de entrar no mercado de trabalho e ele tem piorado as suas chances de entrar na universidade”, diz. As críticas de Ana Paula Corti ocorreram numa entrevista concedida ao Sagres Online em fevereiro, no contexto de discussão do texto no Congresso Nacional.

Implementação

Novo Ensino Médio
(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Apesar da regulamentação da lei ter ocorrido em 2017, o Ministério da Educação só começou a implementar o Novo Ensino Médio em 2022. O cronograma previa uma implementação gradual com início para as turmas do 1º ano do ensino médio em 2022. Aos estudantes dos 1º e 2º anos do ensino médio em 2023 e em todos os anos do ensino médio em 2024.

Portanto, conforme a portaria, este ano o governo deveria estar monitorando a implementação dos referenciais curriculares. Bem como, a formação continuada aos profissionais da educação que começou há três anos. 

Estava previsto no cronograma apoio a criação de um Programa de Fomento à Implementação dos Itinerários Formativos e a formação continuada dos profissionais da educação. Ainda em 2021, ano de edição da portaria, o MEC entregaria às escolas obras para o projeto integradores e projetos de vida. 

Em 2022, as unidades receberiam obras de formação continuada e sobre recursos educacionais digitais. 2023 seria a vez das obras literárias e 2024 deveria ser o ano de distribuição dos materiais e recursos didáticos para os itinerários formativos. O MEC suspendeu os prazos deste cronograma no ano passado.

Avaliação das mudanças

Cláudio afirma que as novas mudanças no Novo Ensino Médio refletem uma tentativa de adequação da educação secundária às realidades das escolas brasileiras.  A ampliação para a formação  geral básica, para ele, é positiva, pois garante uma base mais sólida para os estudantes. Além disso, ele elogiou a permanência dos itinerários formativos.

“Essa estrutura flexibiliza o currículo, possibilitando uma educação mais personalizada e alinhada às aspirações e habilidades dos estudantes”, diz. A Kultivi é um portal que prepara alunos para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Por isso, Matos considera o viés profissionalizante no ensino médio como “um grande avanço”.

“A manutenção do ensino técnico como um dos itinerários formativos, com uma carga horária específica, reforça a importância da educação profissional na formação dos jovens brasileiros. Isso oferece aos estudantes a oportunidade de se qualificarem para o mercado de trabalho, independentemente de cursarem uma universidade”, argumenta.

Divergências sobre as mudanças

Estudantes secundaristas protestam pedindo a revogação do Novo Ensino Médio, na Avenida Paulista. Depois da aprovação, UBES defende veto pelo presidente Lula. (Crédito: Fernando Frazão/Agência Brasil)
Estudantes secundaristas protestam pedindo a revogação do Novo Ensino Médio, na Avenida Paulista. Depois da aprovação, UBES defende veto pelo presidente Lula. (Crédito: Fernando Frazão/Agência Brasil)

É consenso no país a necessidade de mudanças no ensino médio, mas há muitas divergências em relação ao que seria o ensino médio ideal para os brasileiros. Enquanto instituições e ONGs ligadas à educação buscavam apenas mudanças no projeto para que a carga horária da formação geral básica não fosse comprometida, instituições estudantis pedem a revogação do Novo Ensino Médio.

O Todos Pela Educação, por exemplo, afirma em nota que as mudanças no Novo Ensino Médio “significam um grande avanço para o país”. A ONG destaca que o projeto preservou os princípios da reforma, corrigiu erros e que agora a lei é “substancialmente melhor que a original”. 

Por outro lado, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) procura meios de conseguir o veto da lei porque “exclui pontos importantes defendidos pelos movimentos estudantis”, como o fato do Espanhol ser disciplina optativa. Cláudio Santi Matos diz que as divergências são oportunidades para o surgimento de novas ideias, ajustes e futuras alterações legais na lei. 

“As divergências entre entidades e estudantes são normais e benéficas para a construção de um ensino médio cada vez melhor. Esse debate demonstra a diversidade de perspectivas e necessidades que existem dentro do sistema educacional brasileiro, refletindo a complexidade de criar uma legislação que atenda a todos de maneira satisfatória”, aponta.

Os desafios da implementação

Com a aprovação do texto, a atenção retorna aos desafios da implementação. Em abril de 2023, o MEC suspendeu os prazos do cronograma de implementação que estava em andamento. Na nota, o Todos Pela Educação menciona que as mudanças terão que ser graduais e exigirão muita prioridade, esforços e recursos. Matos destaca a dimensão do país e as diversas realidades das escolas.

Foto: Divulgação/Seduc GO
Foto: Divulgação/Seduc GO

“A implementação do Novo Ensino Médio traz consigo uma série de desafios que variam de acordo com a infraestrutura, recursos e contextos socioeconômicos de cada região. Em locais onde já existem dificuldades significativas, como falta de professores qualificados e infraestrutura inadequada, a adaptação às novas diretrizes será mais complicada e lenta”, afirma.

Cláudio afirma ainda que é preciso uma abordagem mais integrada e eficiente para a educação,e que seja algo além de ajustes legislativos pontuais. “É crucial que haja um investimento contínuo e substancial”, diz.

“Sem mudanças mais profundas na administração pública de forma geral, as escolas continuarão com enormes dificuldades para cumprir seu papel de forma a garantir uma educação de excelência no país”, finaliza.

Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 04 – Educação de Qualidade.