Um novo ano letivo começa em breve e junto com ele retornam os assuntos que dominaram a pauta da educação em 2023. Os principais temas que envolvem o futuro da educação básica brasileira são a criação das matrículas para escola de tempo integral e o destino do Novo Ensino Médio, aponta Cláudia Costin, presidente do Instituto Singularidades e Cofundadora do Instituto Salto.

A centralidade das políticas como principal assunto da educação foi o maior avanço do ano passado, segundo a especialista. Costin aponta que o Brasil viveu quatro anos estagnado numa guerra ideológica que impediu o debate de políticas educacionais importantes em todas as etapas da educação básica. “2023 foi um ano de freio de arrumação”, diz.

“Nos quatro anos anteriores, embora o MEC dizia que a prioridade seria a educação básica, os quatro anos foram gastos basicamente numa guerra ideológica contra as universidades, e pouco se falou, se praticou e se implementaram políticas educacionais voltadas à educação básica”, explica.

Consequências

Dentro desses quatro anos, está o início, o pico e o fim da emergência global da pandemia da Covid-19 causada pelo Coronavírus. O período marcou a educação brasileira com escolas fechadas e a introdução quase imediata de um sistema que não tinha estrutura para existir no país. Portanto, tudo isso tornou o ano de 2023 num período de organização da educação básica no Brasil.

Cláudia Costin (Foto: Sagres TV)
Cláudia Costin (Foto: Sagres TV)

“Era importante nesse ano, que ainda estamos colhendo consequências da pandemia por causa dos dois anos de escolas fechadas e assim por diante, que algumas ideias fossem sendo organizadas”. conta.

Foi nesse contexto que o país viveu um ano intenso com debates acerca da Política Nacional de Alfabetização, do Programa Escola em Tempo Integral e da revogação ou não do Novo Ensino Médio. Além disso, vale lembrar, que o Brasil entrou no período limite para cumprir as metas do Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), que tem vigência até 25 de junho deste ano.

Escola integral

“Nós temos que olhar para o que o Brasil já fez bem feito em termos de escola em tempo integral”, opina a especialista sobre a proposta pedagógica para o programa educacional. A política é a meta 6 do PNE 2014-2024, que visa oferecer no mínimo 50% de educação em tempo integral em escolas públicas. A meta maior é alcançar ao menos 25% dos estudantes da educação básica.

A meta possui nove estratégias para a implantação do programa desde a instituição da lei em 2014. A vigência termina em 25 de junho deste ano. No entanto, somente no ano passado o governo federal criou um mecanismo de incentivo para que estados e municípios consigam implementar de forma efetiva a política educacional.

Segundo o Ministério da Educação (MEC), já houve o repasse de quase R$ 1,7 bilhão para a criação de 1 milhão de novas vagas do Programa Escola em Tempo Integral nos anos de 2023 e 2024. A proposta do ministério é investir R$ 4 bilhões nos primeiros dois anos e R$ 12 bilhões até 2026, para alcançar 3,2 milhões de matrículas.

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Tempo de qualidade na escola

Cláudia diz que é importante olhar para o que já está sendo feito no Brasil em escolas de tempo integral. Isso é importante porque não é apenas mais tempo na escola, mas uma formação de qualidade. A modalidade visa oferecer mais oportunidades, principalmente para os estudantes de famílias com menos recursos financeiros.

“Na classe média, a mãe leva para enriquecer o currículo no horário que a criança não está na escola com esportes, inglês, arte e uma série de atividades complementares. Mas a criança de meio mais humilde fica quatro horas na escola, o que nenhum país que está entre os primeiros 40 do PISA [Programa Internacional de Avaliação de Alunos] faz, em todos eles têm de sete a nove horas”, afirma.

Portanto, destaca Costin, é muito importante desenvolver uma proposta pedagógica com o que já funciona no país. “O melhor ensino médio do Brasil, por exemplo, é o de Pernambuco, se você olhar para a ligação com o nível socioeconômico”, diz.

O que Pernambuco fez?

Ensino Médio em Pernambuco (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

“Pernambuco criou uma proposta de ensino em tempo integral inspirado nas ideias de um grande educador brasileiro já falecido, o Antônio Carlos Gomes da Costa, centrado em protagonismo do aluno, em ensinar que ele é portador de um projeto de vida e que vai ser ele o principal construtor do seu projeto de vida”, conta a educadora.

A educação em tempo integral existe em Pernambuco há 20 anos e começou como um Centro de Educação Experimental. Em 2008, o estado mudou o nome do projeto para Programa de Educação com o objetivo de reformular o ensino médio. 

A proposta pedagógica do governo pernambucano segue o modelo de Educação Interdimensional de Antônio Carlos Gomes da Costa (falecido em 2011), que desenvolve o estudante como pessoa, trabalhador e cidadão. Costa utiliza, para isso, quatro competências: aprender a ser, aprender a fazer, aprender a conviver, aprender a conhecer.

Um norte para a política educacional

A evolução do estado na educação em tempo integral chama atenção há anos. No ano passado, por exemplo, a Gazeta do Povo apontou como Pernambuco se tornou a referência em ensino integral no país. Segundo o portal, o modelo começou com um projeto experimental em 20 escolas, com a ampliação da carga horária para 45 ou 35 horas semanais.

O programa pedagógico conta com as disciplinas obrigatórias da Formação Geral Básica e com disciplinas eletivas. Um exemplo é a possibilidade dos estudantes trocarem a disciplina de História, da formação básica, com a eletiva “Rolê em Recife”, que apresenta aos estudantes os pontos históricos da cidade e os acontecimentos que ocorreram ali. 

Outra disciplina eletiva é a “Ganhe o mundo”, que incentiva os estudantes aos estudos das línguas estrangeiras e possibilita que eles façam intercâmbio de verão em outro país, com financiamento do governo estadual. Pernambuco saltou no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) de 3,0 em 2007 para 4,5 em 2019, com média acima da nacional, que é de 4,2.

O Novo Ensino Médio deve ser integral

A política de implementação da escola em tempo integral está avançando desde o segundo semestre do ano passado. O MEC realizou um ciclo de seminários para debater com profissionais da área os princípios do programa. Em outubro começou um período para os estados e municípios indicarem a quantidade de matrículas que iriam abrir para este ano. Então, os 4 bilhões serão divididos conforme a quantidade de vagas.

Para Cláudio Costin, o futuro do Ensino Médio no Brasil está vinculado ao ensino integral. Ela conta que a proposta de reformulação dessa etapa do ensino começou quando Fernando Haddad era o ministro da educação (2005 – 2012). 

“Ele (Haddad) falava que era um absurdo 13 matérias espremidas  em quatro horas. Então, um deputado propôs um projeto de lei colocando basicamente o que acabou entrando na medida provisória, e depois já propuseram o novo ensino médio que tinha como base os 40 melhores países do PISA”, disse.

A medida provisória 746/2016 criou o novo Ensino Médio. Desde então, a política é a maior mudança no sistema de ensino do país desde a instituição da Lei das Diretrizes e Bases da Educação, em 1996. “Chega da jabuticaba com 13 matérias espremidas, agora em cinco horas, e que é o oposto dos outros sistemas. Vamos construir um ensino médio em que exista sim a escolha de área de aprofundamento pelos estudantes”, diz.

Estudantes
Estudantes (Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Reformulação do Novo Ensino Médio

O novo Ensino Médio foi pensado para tornar a etapa de ensino mais atrativa e evitar a evasão escolar. O modelo inovador no país prevê que os estudantes tenham as disciplinas de Formação Geral Básica, comum para todos, definidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A outra parte da carga horária deve ser preenchida com itinerários formativos sobre linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e ensino técnico. 

O governo instituiu um Cronograma Nacional de Implementação do Novo Ensino Médio em 2021. Ele estava sendo colocado em prática de forma escalonada, ou seja, começou com os estudantes do 1º ano do ensino médio em 2022. Mas as escolas não tinham a mesma estrutura para oferecer aos alunos o que o modelo exige. A implementação passou a ser criticada e, então houve a consulta pública para reformular a política no ano passado.

Então, assim, em abril, o MEC suspendeu os prazos previstos na portaria que instituiu o cronograma, que indicava a total implementação até 2024. Por fim, em outubro, o governo enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei que altera o Novo Ensino Médio aprovado em 2016.

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Futuro do Ensino Médio 

Cláudia acredita no modelo proposto para o Ensino Médio e que tudo é uma questão de “olhar para o melhor desenho para que isso aconteça”. A especialista destaca, porém, que o MEC já gastou quase R$ 3 bilhões só na tentativa de implementar o cronograma de 2021. “Aí ele foi interrompido para esse freio de arrumação em 2023, que foi um freio importante para colocar um pouco de ordem”, analisa. 

Costin desmistifica algumas ideias acerca do projeto pedagógico para o Ensino Médio, um deles, por exemplo, é a idade dos estudantes para escolherem seus itinerários formativos. 

“Criou-se uma coisa de dizer que a criança de 15 anos ainda não tem idade para escolher o seu itinerário formativo. Tem sim. Ele votará para Presidente da República aos 16 anos, porque ele não pode escolher o que vai fazer para a sua vida? Alguns deles aos 17 anos já estão na universidade e escolheram uma faculdade”, argumenta.

Estudantes em escola de Rio Verde, no Sudoeste goiano
Foto: Seduc

Além disso, Cláudia avalia que o modelo está alinhado com a Agenda 2030, no ideal dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. “Em especial o 4 [Educação de qualidade], que você tem que educar por uma ética geracional, uma ética em relação aos que vivem no planeta hoje com você, vai ser muito importante”.

Entenda a nova proposta

Com a nova proposta no Congresso, nada pode ser alterado nas escolas para o início deste ano letivo. O principal ponto de divergência acerca do texto é a divisão da carga horária. O texto anterior previa 3.000 horas-aula em três anos, sendo 1.800 horas  de formação básica e 1.200 para os itinerários formativos. Mas o texto que está no Congresso prevê 600 horas para os itinerários 2.400 para as disciplinas obrigatórias, totalizando também 3.000 horas-aula.

Segundo Cláudia, questões terceiras estão influenciando na demora para que o executivo e o legislativo cheguem ao projeto final que será aprovado como o novo Ensino Médio brasileiro. “O que estava por trás disso é que o MEC foi muito pressionado pelo corporativismo com medo de perder carga horária para aumentar o número de horas da formação geral e diminuir as horas relativas ao itinerário formativo”, conta em relação ao ensino técnico.

Mas, afirma, a solução está no próprio projeto enviado ao Congresso. “Esse ano nós vamos ter que voltar e encontrar algo equilibrado que olhe para a necessidade da formação geral do aluno. A finalidade da política educacional não é atender demandas corporativistas, é garantir valorização profissional do professor para que ele desempenhe um papel melhor na formação dos alunos, em especial os mais vulneráveis”, avalia.

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*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 4 – Educação de Qualidade.