Foi apresentado na Câmara Municipal o projeto 316/2022, de autoria do vereador vilanovense, Romário Policarpo, que propõe a mudanças do nome da Av Guarapari, no Parque Anhanguera, para Av Hailé Salassié de Goiás Pinheiro. O referido logradouro é uma das ruas que dão acesso ao Centro de Treinamentos do Goiás, no Parque Anhanguera e a proposta é absolutamente justa, já que homenageia o homem que construiu a história vitoriosa do Goiás Esporte Clube.

Ao longo da sua vida, que findou no dia 7 de setembro desde 2022, nada erguido no Goiás e nenhuma das conquistas do Clube deixaram de ter, direta ou indiretamente, o peso da mão, do bom caratismo e da sensatez de Hailé Pinheiro.

Mas Hailé não foi apenas o grande dirigente do Clube Esmeraldino, foi também um empresário que deixou colaboração fundamental para o desenvolvimento de Goiânia, gerando tributos, empregos e prestando serviços, sobretudo na área do transporte coletivo, através da empresa de ônibus HP, que opera várias das principais linhas do transporte da região Metropolitana da Capital.

Em um momento em que parecia que o desequilíbrio politiqueiro e demagógico quebraria as empresas de ônibus, com aprovação de benefícios que assegurariam eleições daqueles que trabalhavam por trás das propostas, a genialidade de Hailé iluminou as trevas que levaria o sistema ao caos.

Ele articulou, junto com outros empresários da área e foi um dos principais responsáveis pela criação do Setransp, o Sindicato do Transporte Coletivo de Goiânia, entidade que ficou fora da competição entre as empresas que operam o serviço, por controles de linhas e por expansão e passou representar todas elas juntas nas demandas que as interessavam.

No ato de fundação Hailé lembrou que aquela entidade não seria um escudo apenas das empresas e da sua sobrevivência, mas uma balança fiel, com responsabilidade social, para evitar a exploração do povo, em busca do lucro exorbitante:

“Não existe empresa de transporte urbano sem passageiro e não existe passageiro sem preços de passagens que o povo dê conta de pagar” – foi o que ele disse.

Desde então o Setransp passou opinar na criação de novas linhas, no trajeto que cada uma deve ter, pressionar o poder público por preços de tarifas que não quebrem as empresas e que não sacrifiquem o povo e executar algumas funções que nas mãos do poder público poderia virar jogo de interesse eleitoreiro.

Também é graças à luta do Setransp que os tributos do transporte coletivo tiveram os valores estudados para patamares que não interfiram na majoração da tarifa. Além disto Hailé sabia que era preciso obrigar o poder público a duas funções que em todos os países desenvolvidos do mundo são dele: pavimentar todas as ruas e avenidas que são destinadas para linha do transporte coletivo da região Metropolitana e abrir linha de crédito para que as empresas possam trocar seus ônibus, antes que sucateiem.

Antes era comum ônibus excessivamente sujos pela poeira das ruas não pavimentados, no período das secas, ou atolados no barro, no período das chuvas. Também era comum ônibus parados num canto da rua, com passageiros do lado de fora esperando pelo próximo carro, que normalmente vinha lotado e não cabia aquelas pessoas, que ficavam ali por horas esperando para chegar em casa.

Quem passou por este período em que as sucatas podiam rodar como ônibus no transporte coletivo de Goiânia sabe da importância da medida. Nunca deixou de pregar que as empresas precisavam ter consciência de que prestam um serviço público, que não podem quebrar para que o sistema seja mantido vivo, que não devem explorar seus trabalhadores e nem deixar a algazarra proposta por alguns anarquistas que se infiltram nos movimentos sindicais e não podem deixar de ouvir os sindicalistas sérios e debater com eles as reivindicações.

Hailé também foi importante investidor na qualificação genética do rebanho bovino goiano: era um dos principais criadores da raça Nelore e, junto com outros idealistas do setor, deram à raça, criada no Estado de Goiás, o elevado padrão reconhecido internacionalmente.

No dia a dia, mesmo dono de uma das maiores fortunas entre os goianos, Hailé era o homem simples, que andava em carro simples, se vestia com trajes simples (nunca o vi com roupa de marca), usava vocabulário simples e era capaz de abrir o vidro do carro para chamar pelo nome um conhecido, sobretudo os do mundo do futebol, só para cumprimentá-lo.

Não raramente o homem com muito poder e muita fama, pedia ao conhecido para parar o carro na margem da rua, descia e batia um papo agradável, sempre sobre futebol. Dos que passavam, poucos acreditavam que aquele fosse Hailé Pinheiro.

Uma das suas posições mais recentes revela uma coisa que pouquíssimos sabem: quando o Estádio da Serrinha, que leva o seu nome (embora ele não quisesse receber a homenagem em vida, os conselheiros do Goiás, o contrariaram – coisa raríssima de acontecer – e batizaram com justiça o Estádio de Hailé Pinheiro.

Mas, voltando ao início do tema, há pouco mais de um ano, com o Estádio sendo expandido e repaginado, cogitou mudar o nome do local para Arena Hailé Pinheiro. Quando soube, soltou a mão na mesa e disse que não aceitaria. Dar ao estádio o nome de Arena reportaria ao momento ditatorial brasileiro, quando tínhamos apenas dois partidos: a ARENA – Aliança Renovadora Nacional e o MDB – Movimento Democrático Brasileiro.

A ARENA era o partido dos militares que tomaram o poder em 1964 e reinaram ditatorialmente por 20 anos no Brasil, cometendo injúrias e desrespeitos inimaginável contra os adversários e o povo. Hailé nunca foi para a trincheira levantar a voz contra as arbitrariedades da ARENA, nunca se revelou parceiro do MDB (de Íris Rezende, Tobias Alves, João Divino Dornelles, Fernando Cunha, Henrique e Ademar Santillo, Anapolino de Faria, Vieira de Melo, João Natal e muitos outros), mas era.

Era parceiro por debaixo dos panos na luta pela redemocratização do País. Financiou várias campanhas de líderes do MDB para viabilizar a eleição e dar condições de voz à oposição, na luta cruel e dura pela redemocratização nacional. Também ajudou família de jovens presos com recursos para pagar advogados e nunca divulgou isto.

Após a redemocratização no início dos anos de 1980, Hailé continuou discreto, nunca cobrou a fatura de ninguém e nunca jogou na cara do povo que fez tudo isto. Num jogo do Goiás contra o Atlético MG, no Serra Dourada, acho que em 1992 (não tenho muita certeza da data, mas isto é irrelevante), reservadamente, falou sobre o assunto comigo e exigiu segredo, que guardei.

Ele havia ouvido um programa que eu apresentava na Rádio Difusora, aos domingos, antes das transmissões esportivas: “A Interpretação que você sugeriu”, onde fazia interpretações das letras de músicas que os ouvintes sugeriam. Naquele dia havia interpretado a música Alegria, Alegria, de Caetano Veloso.

Como não estava na escala de trabalho do jogo, fui para a Tribuna da Imprensa. Já próximo ao final do primeiro tempo ele me acenou lá de cima, na Tribuna dos Dirigentes (se sentava sempre no mesmo lugar) e fui. Cuidou de desocupar uma das cadeiras que estavam ao lado da sua e me disse: “Gostei muito de saber tudo o que diz a música do Caetano Veloso”.

Brinquei com ele: “Poxa vida então foi boa mesmo, porque logo você que nunca caminhou contra o vento” – considerei. Neste momento terminou o primeiro tempo do jogo e subimos para a barzinho juntos e lá, me contou, testemunhado por Joviro Rocha, o que estou relatando, durante o intervalo do jogo, exigindo o segredo, que cumpri por toda sua vida.

Nunca mais Hailé havia falado sobre o tema. Quando quiseram mudar o nome do Estádio que leva seu nome, ele arrepiou e disse que “Arena não”, explicando superficialmente seus motivos. Este era o Hailé que pouquíssimos conheciam e este é o homem que merece ter o nome dado a Avenida Guarapari, que nem de longe tem o merecimento que o Hailé possui, para dar nome ao logradouro.