Uma pesquisa inédita conduzida por médicos e nutricionistas da Unicamp e da Universidade de São Paulo (USP) concluiu que não existem evidências científicas para suplementação alimentar de ômega-3. O estudo analisou indivíduos adultos ou idosos saudáveis que buscam aumento de força, massa muscular e melhora da função muscular.

A pesquisa envolveu a análise de todos os estudos disponíveis sobre o tema em quatro bases de dados científicas: PubMed, Embase, Cochrane Central e SPORTDiscus. Os estudos foram meio de uma revisão sistemática com meta-análise, que permite identificar padrões e tendências a partir dos estudos disponíveis. Além disso, fornece um resumo confiável e abrangente de evidências científicas para embasar a prática clínica. Os resultados estão na revista científica Advances in Nutrition.

“Evidências científicas são fundamentais na tomada de boas decisões em saúde e contribuem para orientar a formulação de políticas públicas e futuros esforços de pesquisa”, defende a nutricionista Heloisa Santo André, doutoranda da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp e autora principal do trabalho, em entrevista a Cristiane Kampf do Jornal da Unicamp.

Pesquisa

Dos 4.403 estudos sobre ômega-3, apenas 14 foram para análise por atenderem aos critérios de qualidade dos pesquisadores. Eles incluíam estudos clínicos randomizados, controlados por placebo, com algum nível de cegamento. Além disso, que passaram por revisão por pares, pré-requisitos essenciais para pesquisas em saúde.

No total, 1.433 participantes, sendo 913 mulheres e 520 homens, participaram dos estudos, sendo que três foram com adultos e 11 com idosos. De acordo com os responsáveis pelo trabalho, a literatura científica acerca da suplementação de ômega-3 para adultos e idosos saudáveis é muito heterogênea em relação à metodologia e aos resultados obtidos, com alguns estudos indicando benefícios e outros não.

Os pesquisadores também destacam que há investigações, especialmente na área de nutrição esportiva, que apresentam equívocos e não seguem pré-requisitos básicos para pesquisas em saúde, o que pode gerar erros de conduta na prática clínica.

“Muitos trabalhos apresentam conflitos de interesse importantes, os quais muitas vezes não são considerados na interpretação dos dados. Há trabalhos que não reportam detalhes sobre randomização, cegamento e aderência ao protocolo, não deixando clara a forma como esses procedimentos foram realizados, ou que apresentam falhas de protocolo que comprometem o cegamento”, afirma Fabiana Braga Benatti, orientadora da pesquisa e docente do curso de Nutrição e da Pós-Graduação em Ciências da Nutrição e do Esporte e Metabolismo da Unicamp.

“Por exemplo, diferenças na quantidade ou aparência das cápsulas de ômega-3 e de placebo ou ainda pesquisadores cientes do cegamento envolvidos nas coletas ou análises de dados. Além disso, há comprometimento na análise estatística de algumas pesquisas, o que tem consequências na interpretação dos dados”, completa.

Indústria

Existem diversos estudos sérios que já comprovaram os benefícios dos ácidos graxos ômega-3 para a saúde humana, incluindo melhorias na função imunológica, redução dos níveis de inflamação, melhora da cognição, perfil lipídico e função neuromuscular. Além disso, a revisão sistemática realizada encontrou um efeito positivo, ainda que modesto, da suplementação de ômega-3 no ganho de força muscular em indivíduos saudáveis, quando comparado com placebo.

No entanto, a produção e comercialização de suplementos de ômega-3 movimentam bilhões de dólares e há interesses comerciais poderosos que promovem o uso da substância. Esses interesses podem influenciar o desenho dos estudos, a interpretação e a publicação dos resultados, o que pode gerar conflitos de interesse. Portanto, é fundamental utilizar fontes confiáveis de informação, conhecer os financiadores dos estudos e pesquisar as evidências científicas relacionadas ao assunto.

“É preciso atenção para os riscos de interpretar resultados de estudos clínicos isoladamente. Para a prática clínica, devem ser referências com maior força de evidência, como revisões sistemáticas e meta-análises. Esses tipos de estudo fornecem embasamento maior e mais confiável para recomendações em consultório. Ademais, todas as recomendações devem ser individuais, levando em consideração o contexto do paciente de forma completa e abrangente”, reforça a doutoranda e nutricionista Heloísa.

Alerta

É relevante ressaltar que é necessário cautela com promessas enganosas e que os suplementos alimentares para melhora de desempenho em exercícios não possuem poderes mágicos. Na verdade, seus efeitos são pequenos em comparação a hábitos saudáveis de alimentação e a protocolos adequados de treinamento.

“Todos nós queremos facilitadores, mas nenhum suplemento alimentar é milagroso. É sempre importante avaliar a real necessidade do uso, e a dosagem também é ponto de atenção. Deve consultar sempre com um nutricionista. É fundamental procurar por marcas de conceitos com boas certificações, que garantam produtos que atendam a determinados padrões de qualidade”.

Os pesquisadores recomendam a adoção de metodologia rigorosa em futuros estudos sobre suplementação de ômega-3 para hipertrofia e ganho de força e função muscular, visando aumentar a qualidade e a reprodutibilidade das evidências científicas sobre esse assunto.

*Esse conteúdo está alinhado com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU 03 – Saúde e Bem Estar

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