O relatório do Plano Diretor aprovado na Comissão Mista da Câmara Municipal de Goiânia nesta quarta-feira (5) prevê no artigo 138, parágrafo 10, a descaracterização das Áreas de Proteção Permanentes (APP) “nas unidades imobiliárias lindeiras e contíguas ao sistema viário implantado e consolidado ao longo dos córregos, rios e demais cursos d’água”. Participaram da votação 14 vereadores, com apenas um voto contrário, do vereador Mauro Rubem (PT).

Em entrevista à Sagres, a presidente da Associação para Recuperação e Conservação Ambiental (ARCA), a arquiteta e urbanista Maria Ester, afirmou que isso é inédito. “Isso significa que podem chegar e construir um prédio na Marginal Botafogo, por exemplo. E tem a Marginal Cascavel sendo executada, ou seja, vai destruir qualquer possibilidade que resta de APP no Córrego Cascavel e tem o Botafogo chegando lá na nascente dele, no Jardim Botânico sendo aberto um corredor para o local. Isso é algo sem condição, que vai destruir a nossa qualidade mínima ambiental da cidade”, alertou a arquiteta.

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A possibilidade para essa descaracterização foi aberta por uma lei federal, sancionada no último dia 30 de dezembro pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), que alterou regras de proteção de margens de rios em áreas urbanas determinadas pelo Código Florestal e transferiu para os municípios a decisão sobre essas regras. Antes a legislação definia que as faixas de proteção deveriam variar entre 30 e 500 metros. Com a nova lei, as prefeituras poderão determinar faixas menores de preservação.

“É muito importante entender porque essa lei federal é tão impactante e devastadora. Nós somos um país com mais de cinco mil municípios, mas só 20% desses municípios tem legislação urbanística completa, tem Código Florestal […] Então um município desse que tem 80% da sua área, ou até 90% da zona rural na mão de quem não se interessa, aí nós vamos ver nossas matas serem destruídas”, lamentou Maria Ester.

Essa mudança nas APPs foi colocada no relatório após a lei ser sancionada no final de 2020, ou seja, é uma alteração recente no Plano Diretor. Segundo a presidente da ARCA, o projeto discutido anteriormente já não é mais o mesmo em comparação ao votado nesta quarta-feira (5) “O coração desse plano é muito diferente”.

Segundo Maria, houve mudanças em relação ao zoneamento, que no urbanismo é a forma de organizar a cidade, definindo onde ocorrerão construções de indústrias, casas e comércios, por exemplo. “Em 2019 havia isso de forma clara e com uma intenção de que a cidade não tivesse muitos limites para você construir”, afirmou a arquiteta, que explicou que o Plano Diretor modificado de agora traz uma proposta de densidade de maneira espalhada, altura definida para construção de edifícios e, também, muda o cálculo do volume de construções.

“Falta explicar o plano”

A tramitação do Plano Diretor foi suspensa novamente na tarde desta quinta-feira (6). O vereador Mauro Ruben do PT entrou com pedido para que fosse respeitado um prazo de 15 dias entre a convocação e a realização das audiências públicas. A presidente da ARCA, porém, não entende o modo como os debates têm sido conduzidos como a maneira mais adequada de explicar o plano.

“Tem muita diferença entre uma reunião com um monte de gente e todo mundo tendo três minutos de fala e entre uma audiência em que o Plano realmente seja apresentado. Audiência é ter uma explicação do Plano, para que representantes da sociedade se manifestem sobre o que estão entendendo e o que estão reivindicando”, declarou.

Diante disso, Maria Ester afirmou que as reuniões feitas anteriormente não configuram como uma audiência real e disse não ter expectativas quanto ao tempo maior de espera, já que a Câmara, provavelmente, deve esperar até fevereiro para dar andamento ao processo.

“O tempo não muda muito porque não é apresentado um cronograma de trabalho. Isso, na minha cabeça, tinha que ser conduzido pelo Paço Municipal. Tudo bem que o plano está na Câmara, mas era preciso ter um líder do Paço fazendo, junto com essa comissão, uma organização desses trabalhos, não só mais transparente, mas mais prática”, finalizou.

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