Desastres naturais estão ocorrendo em todo o mundo com uma frequência cada vez maior. Desde o final de abril o globo inteiro acompanha o que está acontecendo no Rio Grande do Sul com perplexidade, mas também com a preocupação de que as alterações do clima causarão mais tragédias como essa. “Podemos interferir plantando árvores”, explica a geógrafa Larissa Warnavin, professora do Centro Universitário Internacional Uninter.

O Rio Grande do Sul passou por enchentes no ano passado, porém, as enchentes de abril e maio deste ano estão ocorrendo com mais impactos por causa de uma confluência de fenômenos climáticos ao mesmo tempo. “Foi uma confluência de fatores do relevo, mas principalmente por causa do sistema climático” diz Larissa.

“Tem uma massa de ar frio vindo do sul e do leste, que é a massa polar atlântica, e tem outros ventos de uma frente trazendo umidade da Amazônia do lado oeste. Então essas duas massas se encontraram em cima do Rio Grande do Sul. E mais ao norte, em Santa Catarina e Paraná em diante, a gente está com uma massa de ar quente estacionada em cima do Brasil”, detalha.

Impactos no estado

Chuva no Rio Grande do Sul (Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)
Chuva no Rio Grande do Sul (Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

A massa polar atlântica deveria distribuir a chuva para vários estados do Sul do país, mas por causa do bloqueio da massa de ar quente não conseguiu avançar. O impacto dos três fatores climáticos foram os 800mm que eram para chover ao longo de vários estados e choveram num só dia e em vários municípios do Rio Grande do Sul.

A Defesa Civil aponta 468 municípios de um total de 497 afetados pelas fortes chuvas, ou seja, 94% das cidades do estado. O governo estadual confirmou a ocorrência de mais de 160 mortes e ao menos 72 pessoas continuam desaparecidas. Cidades inteiras ficaram debaixo d’água e muitas outras quase totalmente alagadas.

Com 10,88 milhões de habitantes, o Rio Grande do Sul tem aproximadamente 2.342.460 pessoas atingidas de alguma forma pelas fortes chuvas. Mais de 647 mil ainda estão fora de casa, seja com familiares, amigos ou em abrigos. Os prejuízos nas residências e comércios já são grandes, mas não totalmente mensuráveis ainda. Assim, o estado precisará passar por uma reconstrução e começará com um aporte de R$ 12 bilhões no fundo do Plano Rio Grande.

Resiliência climática

A geógrafa Larissa Warnavin (Foto: Linkedin)

O Brasil tem cidades jovens como Goiânia, que tem 90 anos, e cidades mais antigas como Salvador, que tem 475 anos. Mas independentemente do tempo de existência todas elas convivem atualmente com um termo importantíssimo que impacta o futuro da existência humana: cidades resilientes.  

As mudanças climáticas são sentidas com maior frequência e intensidade, como por exemplo, as ondas de calor que afetaram o mundo em 2023, registrando o recorde global de temperatura da história do planeta. Portanto, espera-se que populações e autoridades compreendam os riscos dessas alterações, diminuam os desastres e fiquem menos vulneráveis.

No caso do Rio Grande do Sul, o relevo do estado contribuiu para a tragédia que as enchentes causaram em várias cidades. A professora Larissa Warnavin explica que a “catástrofe” começou na  região serrana, pois a chuva aumentou muito os níveis dos rios.

“Ali os rios subiram entre 20 e 30 metros e é muita coisa para um rio subir, porque é a mesma coisa de um prédio de dez andares. Então o nível dos rios subiram e essas cidades ficaram embaixo da água em função de que a maior parte delas estão dentro do leito do rio, que a gente chama de planície de inundação”, destaca.

Formação das cidades

Chuvas no Rio Grande do Sul (Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini)
Chuvas no Rio Grande do Sul (Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini)

Não é novidade e nem surpresa que as civilizações se desenvolveram próximas aos cursos d’água, pois a água é o elemento essencial para a vida. Como detalha Warnavin, várias cidades do Rio Grande do Sul foram criadas dentro do leito de rios, o que possibilita as inundações em caso de altos volumes de precipitações.

“Essas áreas naturalmente seriam ocupadas pelo curso do rio. Claro que ao longo dos anos os rios vão se moldando e abandonando essas áreas, mas isso não quer dizer que quando tiver uma cheia e inundação, uma chuva como essa, ele não vá ocupar essas áreas que ele já ocupou há muitos milhares de anos atrás. Mas, enfim, isso é um processo natural”, diz.

O fato em si explica as enchentes, mas o que mais chama atenção é a lentidão no escoamento da água, principalmente em Porto Alegre. O que acontece na capital é que os cursos d’água da região serrana desaguam todos no lago Guaíba.

“Porto Alegre e os municípios da região metropolitana da cidade estão todos no entorno do lago Guaíba, que recebeu a descarga de água que veio da serra, de todos aqueles municípios. E toda aquela chuva que teve na região serrana desceu e vai desaguar no Guaíba”, diz a geógrafa.  

Canal natural

Quando ocorrem enchentes em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo é comum que o escoamento da água termine totalmente em dois ou três dias. No caso de Porto Alegre já fazem dias e essa previsão existia desde o início de maio. Após a enchente de 1970, as autoridades de Porto Alegre instituíram o Sistema de Proteção Contra Cheias.

O sistema tem 14 comportas ao longo de 68 quilômetros e se estende por muros pela cidade, como a Avenida Mauá e o Centro Histórico. A estrutura deveria impedir que uma cheia do Guaíba atingisse as partes baixas da capital, mas já é conhecido que algumas casas de bombas e comportas falharam. 

Prefeitura fecha comportas de sistema de segurança para evitar inundação pelo Guaíba em Porto Alegre ( Foto: Prefeitura de Porto Alegre/Divulgação)
Prefeitura fecha comportas de sistema de segurança para evitar inundação pelo Guaíba em Porto Alegre ( Foto: Prefeitura de Porto Alegre/Divulgação)

Com isso, grande parte da água que chegou da região serrana no Lago Guaíba transbordou para a cidade de Porto Alegre. A geógrafa explica que o canal natural de escoamento da água é que ela siga para a Lagoa dos Patos, que deságua no oceano.

“No quesito relevo, desde a água sair da serra até chegar no oceano e desaguar é um longo percurso. E ela flui muito mais rápido pelo rio, que é um canal. Agora tem muita água e para ela fluir por uma lagoa, que é uma área bem mais larga, o tempo para baixar isso é muito maior”, conta.

Todo curso d’água deságua em outro curso d’água e, consequentemente, toda água chega aos oceanos. No caso do Rio Grande do Sul, o estado já está muito próximo ao Oceano Atlântico. Mas o canal natural é bem pequeno na Lagoa dos Patos. “A única parte de saída para o oceano é uma faixinha que tem no sul da Lagoa dos Patos, que é a quilômetros de Porto Alegre. Isso tende a demorar em torno de uns 20 dias mais ou menos para baixar”, frisa Larissa Warnavin.

Intervenção humana

Associado a essa questão, o sistema climático que gera chuvas no sul do país está operando normalmente, ou seja, os ventos do sul, que é a massa de ar polar, impede que o rio desça e ainda joga a água de volta. Toda essa questão climática impede que a água escoe rapidamente e enquanto isso várias partes da cidade continuam alagadas.

Larissa Warnavin diz que não há possibilidade de interferir no sistema climático e no bloqueio de massa de ar quente que estacionou sobre o estado. A possibilidade que temos, segundo ela, é plantar árvores e fazer restauração florestal para recuperar áreas e preservar matas ciliares. Essa atitude impede mudanças bruscas no clima, como está ocorrendo em todo o planeta.

“As ações já estão na cartilha da ciência, dos ambientalistas e das ciências ambientais, que dizem que precisa haver preservação e restauração. A gente precisa investir em sistemas mais sustentáveis que possibilitem à gente ter uma vida mais normal”, ressalta em relação às alterações climáticas.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 13 – Ação Global Contra a Mudança Climática.

Leia mais: