Levava uma vida sossegada, gostava de sombra e água fresca… Rita Lee e sossego não é a combinação mais frequente quando se pensa na artista.
Composições marcantes, discursos irreverentes, críticas conectadas com o tom típico de seu humor ácido, mas característico. Rita Lee já não precisava de muito para se apresentar a alguém desconhecido. Ao longo dos quase 60 anos de carreira, construiu um legado que a definia por si próprio. Prazer, Rita Lee.
“Ela não era a melhor cantora brasileira, mas ela era extremamente inteligente e tinha o tino da irreverência”, define Djenane Arraes, jornalista especializada em música, e fã do trabalho de Rita Lee. Para ela, Rita tinha em seu vocabulário as palavras certas sob o ponto de vista da criatividade, e sabia usá-las em seu favor.
De outro planeta
A história de Rita com a música começa na adolescência, o primeiro contato com o universo dos instrumentos não foi com os timbres elétricos do rock’n’roll, mas com as teclas do piano clássico, sob influência da mãe italiana. Porém, as habilidades instrumentais não foram as principais parceiras de Rita ao longo de sua trajetória.
Ainda na adolescência, no começo da década de 60, Rita se uniu a banda formada integralmente por mulheres, as Teenage Singers. Porém, foi com o grupo O’Seis, que a sua história na música começou a ganhar tons mais firmes. Em 1966, se dava o início da banda que daria origem aos Mutantes, grande potência do rock nacional e do tropicalismo durante a década de 70.
“A grande origem dela tinha um toquezinho de Gil, Caetano… influenciando a musicalidade de Rita Lee”, explica Arraes.
A pesquisadora explica que após o tropicalismo, a banda passa a representar o que é conhecido como rock psicodélico, que ganhou admiradores no Brasil e no mundo.

Tutti Frutti
“Rita falava que foi ‘demitida’ dos Mutantes, essa é uma história curiosa. Eles disseram que iriam para uma fase que precisariam de instrumentistas virtuosos, e ela não era assim”, relembra a jornalista.
Além da saída da banda, Rita também vivia o fim do seu relacionamento com Arnaldo Batista, outro integrante do grupo.
“Não sei se eu vou ter algum dinheiro, ou se eu só vou cantar no chuveiro”, esse é um trechos de “Mamãe Natureza”, faixa do álbum lançado em 1974, já ao lado dos integrantes da banda Tutti Frutti, nova “casa” que Rita encontrou para lançar novas canções que marcaram gerações.
“Ela desenvolveu junto com o Tutti Frutti, não só o rock, mas o pop brasileiro. Ela se agarra a instrumentistas muito bons, juntamente com a sua capacidade criativa”, ressalta Djenane Arraes, que classifica Rita, ao lado de nomes como Raul Seixas, como os grandes representantes brilhantes da década de 70.
A jornalista ainda destaca um outro feito da carreira da paulistana: consagrar hits em todos os álbuns lançados, uma proeza incomum para o cenário musical.
Fruto Proibido
“Esse foi um disco absolutamente essencial na discografia da música brasileira, qualquer fã de música precisa estudar esse disco, de 1975, é um trabalho excepcional”, comenta Arraes, que guarda uma lista extensa de canções preferidas da artista.

No disco, aparece o hit “Ovelha Negra”, considerado um dos grandes marcos na trilha nacional que representa temáticas ligadas às pautas defendidas por mulheres.
“Ela usava a sua irreverência para falar das causas que defendia de uma maneira sutil e usando o humor”, explica a jornalista. No contexto da ditadura militar, a compositora precisava adotar certa sutileza, mas sem reduzir a amplitude de seus discursos.
Grávida de seu primeiro filho, em 1976, Rita foi presa após um grupo de militares afirmar ter encontrado entorpecentes em sua casa na Vila Mariana, na capital paulista.

“Enquanto estava presa, Elis Regina foi na delegacia, fez um escarcéu para que ela pudesse ver Rita e que ela tivesse todos os seus direitos cumpridos. Foi o nascimento de uma amizade lindíssima na música brasileira”, comenta.
Anos mais tarde, em 1980, é lançado o disco que traz no título o nome que já representava um universo de significados para a época: Rita Lee. Na época, foi o primeiro a atingir o marco de 1 milhão de cópias vendidas.
Coisas da vida
“Depois que eu envelhecer.. ninguém precisa mais me dizer, como é estranho ser humano, nessas horas de partida”, é o trecho da canção lançada em 1976.
Na época, Rita tinha 29 anos, mas já sabia falar sobre envelhecimento, amor, liberdade, humor e aquilo que enxergava como contradições de um período evidenciado pelo conservadorismo.
“Ela criticava muito a hipocrisia social. Na música ‘Orra meu’, por exemplo, ela fala ‘roqueiro sempre teve cara de bandido’, e ela estava ali no meio, então ela trazia justamente a questão dos preconceitos da sociedade e julgamentos ao outro”, explica Djenane.
Com a construção de sua trajetória, a artista também abriu espaço para outras cantoras. Para a jornalista, não há dúvidas, Lee é precursora de um movimento que apresentou novas vozes ao país.

“Ela foi fundamental para que pudéssemos ver o surgimento de cantoras como Fernanda Takai, Paula Toller e Pitty. Todas as meninas que estiveram à frente de suas bandas na década de 80, teve muito a ver com o fato de Rita Lee ter feito isso primeiro”, define Arraes.
Apesar de não ter sido pioneira no campo do rock nacional, Lee assumiu um lugar de liderança e de inspiração para cantoras brasileiras. Conhecida como rainha do rock nacional, Lee preferia ser conhecida como “a padroeira da liberdade”.
“Rita Lee não foi uma pioneira no rock, mas no sentido de liderar, que estava à frente de tudo, aparecendo nas capas e sendo o principal rosto, sem dúvidas, Rita Lee influenciou todas essas meninas”, afirma.
Bossa ‘n’ roll
Versatilidade e quebra de “limites” musicais, essas são uma das marcas da artista que sabia que cantava para além de um único ritmo.
“Ela tinha uma habilidade de fazer uma leitura social e colocar humor em cima disso. Ela driblava preconceitos e foi uma das melhores compositoras da música brasileira com toda a certeza”, ressalta a jornalista.
No disco Bossa ‘n’ roll, lançado no início da década de 90, Rita é uma das primeiras a inaugurar a onda de acústicos no Brasil.
Sentada em um banquinho, acompanhada por seu violão, ela compartilha com o público versões de seus grandes clássicos. Como já era esperado em um álbum que traz a mistura de Bossa Nova e Rock ‘n’ roll no nome, as vendas foram um sucesso.
“Ela vai muito além de rainha do rock. Esse é apenas um selo, ela significa muito mais que isso. Ela não foi menos do que um ícone da música brasileira”, defende a jornalista. Ela ainda complementa: “Rita não foi um nome de passagem, ela ficou”.
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