Jessica Lima
Jessica Lima
Jornalista multimídia, escreve principalmente sobre temas ligados à educação e defesa dos direitos humanos.

Conheça Rigoberta Menchú, a primeira indígena ganhadora do Prêmio Nobel da Paz

No extremo noroeste da América Central, está a Guatemala. País com história que remonta aos povos antigos, visto que foi o principal centro da civilização Maia entre os séculos IV ao IX. No seu livro de memórias, estão as décadas de rebeliões, guerras e massacres. Paz é uma palavra recente, apenas no final da década de 90 que um acordo de paz foi assinado.

Rigoberta Menchú também foi moldada por essa história. Nascida em 1959, à beira da década de 60, a indígena enfrentou as faces da tragédia e da repressão ainda cedo. Foi alto o preço pago para hoje, ser vista como uma das referências na luta pela valorização dos direitos dos povos indígenas e uma voz ativa pela luta das mulheres.

As raízes de Rigoberta

Rigoberta chega ao mundo nas terras da aldeia de Chimel, no município de Uspatán, bem ao norte do país dos vulcões acesos. Era o nono dia de janeiro. A indígena era descendente da etnia quiché, um dos vários grupos que integram o diversificado povo maia.

Cresceu ajudando os pais nas plantações de café, rodeada por um cenário marcado pela pobreza. Não demorou para precisar ajudar no sustento da família, foi assim que tornou-se empregada doméstica na Cidade da Guatemala, capital do país.

Rigoberta é filha de casal de ativistas na Guatemala (Foto: Daniel Hernández-Salazar)

Em 1960, já estava instaurada a ditadura nas terras guatemaltecas. Aos arredores, eram delineadas as brutais cenas de guerra que persistiram por mais de trinta anos. A tragédia trazia números estrondosos, há pesquisas que apontam um número aproximado de 200 mil assassinatos, em sua maioria, de indígenas.

Do lado de fora, aldeias destruídas. Na vida de Rigoberta, o luto invadiu o lado de dentro de seu lar. Pai, mãe e irmão, todos foram vítimas da violência. O irmão foi torturado pelo exército. O pai, morto em um incêndio. A mãe foi sequestrada, torturada e violentada. Não havia raridade entre as cenas de extrema violência.

Ali se estabelecia o sistema de uma guerra civil que eliminava sobretudo um tipo específico de perfil: rostos indígenas.

O país que historicamente já estava marcado por longos percursos de exploração e dominação, em meio ao século XX, não parecia indicar muitas mudanças.

Ativismo

A luta pelas causas de seu povo já fazia parte da rotina de Rigoberta há tempos. Desde a adolescência, fazia parte de grupos que atuavam na defesa de direitos sociais. O ativismo corria pelo cotidiano dos Menchú. Após a morte dos familiares, os discursos não baixaram o tom.

“Os povos indígenas têm vivido nas mais inóspitas áreas, mas nós não somos vítimas. Somos seres humanos que vivem com a mãe natureza, a qual valorizamos”, disse Menchú em entrevista recente.

Rigoberta dedicou a sua vida a defesa dos direitos indígenas perante autoridades internacionais (Foto: Luis Astudillo C. / Cancillería Ecuador)

Com 20 anos, em 1979, Rigoberta se uniu ao Comitê de União Campesina (CUC), em um dos marcos de sua trajetória ativista pelos direitos dos povos indígenas. A movimentação, entretanto, ganhou posicionamentos mais radicais. Em 1980, Rigoberta se une à Frente Popular 31 de Janeiro. Um movimento que a colocou diretamente sob os olhares do governo.

Foi nesse contexto que se deu o exílio da ativista no México, país que faz fronteira com as terras da Guatemala. Por conseguinte, até mesmo o idioma foi visto como possível instrumento para trazer potência às causas em que defendia.

Rigoberta só esbarrou verdadeiramente com a escrita aos 14 anos, mas em meio ao exílio, aprendeu o espanhol. Era preciso dominar a língua para ter “em mãos” novas formas de trazer as demandas sociais de seu povo para o centro do debate em novas fronteiras.

Ademais, ela conta que nessa época, entrava em contato com diplomatas, com a imprensa e com o máximo de fontes de influência que conseguisse encontrar pelo caminho. Uma causa muito clara exigia a sua defesa, mas ela não esperava fazer isso sozinha.

Mais do que um nome

“Me llamo Rigoberta Menchú y así me nació la conciencia”, esse foi o título dado a sua biografia, publicada em 1983. Em tradução livre, ela se apresenta e complementa: e assim, me nasceu a consciência.

Assim, a obra surge após as longas conversas com a antropóloga Elisabeth Burgos-Debray, conduzidas durante o seu tempo de exílio.

Com o avanço de suas movimentações, cresceu também o seu reconhecimento entre agentes políticos e instituições atuantes na defesa dos direitos humanos. Eram tempos onde a comunidade de refugiados da Guatemala alcançava a marca de 50 mil pessoas no México.

Na imagem de 2023, Rigoberta segura cartaz com dizeres: As mulheres maias são as guardiões de nossos territórios e direitos (Foto: Reprodução Rede Social/@RigobertMenchu)

Apesar de ter contado com a escrita de Elisabeth, Rigoberta não perdeu o protagonismo ao falar sobre as memórias de seu povo. Nas páginas, mais do que relatos pessoais, existem denúncias para o machismo, miséria, opressão e variadas formas de violência enraizadas na Guatemala ao longo do tempo.

O Nobel da Paz

O Prêmio é símbolo mundial para valorização de esforços em prol da paz no mundo, e ao longo de sua história, que é iniciada em 1901, foi entregue para nomes como Martin Luther King Jr e Malala Yousafzai.

Para Rigoberta, o Nobel da Paz chegou em 1992. Um ano após participar da elaboração dos Direitos dos Povos Indígenas pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Nesse sentido, o reconhecimento veio com as palavras: “por sua luta por justiça social e reconciliação etnocultural a partir do respeito aos direitos dos povos indígenas”. Por certo, os frutos não terminaram no Nobel. Menchú construiu uma fundação que leva no título o seu nome: Fundação Rigoberta Menchú. Se antes, o seu nome lhe deu consciência, Rigoberta prosseguiu com a missão de levá-la para mais vozes indígenas pelo mundo.

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