Diga em voz alta a palavra “Matemática” em meio a uma sala de alunos do Ensino Fundamental e, provavelmente, ouvirá uma série de discursos preocupados. Historicamente, a aprendizagem da disciplina não entrega resultados satisfatórios. Existe uma certa barreira quando os números entram em cena. As explicações são variadas, sem apenas uma única causa. No interior de Goiás, a professora Déborah Tavares enxergou no ensino da robótica, um começo para novas respostas.

A escola é o Cepi Calumério Rodrigues Galvão, localizada no município de Campinaçú, cidade com menos de 4000 habitantes. No projeto “Robótica na Escola”, alunos do 6º ao 9° ano se envolvem nas atividades.

No norte do estado, a zona urbana da cidade conta com apenas uma escola estadual, uma municipal e uma creche para a educação infantil.

Para a professora, o resultado é o tradicional “todo mundo se conhece”. Ao falar sobre vínculos, ela explica que eles tendem a ser mais fortes em escolas de tempo integral, como é o caso da instituição em que trabalha.

Construção

“A princípio, pensamos nesse projeto como incentivo de permanência na escola. Nós estávamos tendo muitas transferências. Tínhamos que pensar em alguma coisa para trazer esse aluno para a escola”, explica a professora.

Além da falta de interesse de alguns alunos, o uso de aparelhos celulares durante as aulas também começou a ser um problema. Déborah então tinha diante de si um cenário que afetava diretamente a aprendizagem e o comprometimento dos seus estudantes. Assim, viu no espaço dos projetos uma oportunidade para colocar algo em ação.

“No início, eu não tinha experiência nenhuma. Foi um aprendizado muito grande pra mim também. Eu até comprei um curso sobre robótica. Iniciamos com algoritmos simples, tudo na simplicidade”, ressalta a professora.

Antes de entrar no campo dos algoritmos e códigos de programação, Déborah achou necessário dar um passo para trás. Primeiro, os estudantes precisavam repensar o seu contato com o uso das tecnologias. Para isso, utilizou documentários e rodas de conversa como instrumentos para a empreitada.

“Se não for usada corretamente, a tecnologia deixa de ser uma aliada e passa a ser um inimigo do aprendizado”, relembra a professora.

Impactos

Basta uma leitura atenta da Base Comum Nacional Curricular (BNCC), principal documento norteador dos conteúdos vistos pela Educação Básica, para perceber que o aprendizado da Matemática ultrapassa contagem, medições de objetos e percepção de grandezas.

No documento, está escrito que alunos do Ensino Fundamental devem desenvolver habilidades como: raciocinar; representar; comunicar e argumentar matematicamente.

Alunos se engajam na construção de uma “mão biônica” (Foto: Arquivo Pessoal)

Diante de uma sala com cerca de 27 alunos, acostumados com a luminosidade e envolvidos pelo risco das distrações, promover essas e outras habilidades aparece como desafio.

“Eu gosto de falar assim para os meninos: ‘Todos nós temos um dom e habilidades a serem desenvolvidas. Talvez , você só não conseguiu desenvolvê-la ainda”, comenta a professora.

Aos poucos, o distanciamento com as exatas começou a ceder lugar para frases como “Opa! Eu posso fazer isso”. Foi assim que Déborah passou a confiar mais na convicção de que os alunos eram capazes de aprender.

“Com isso, utilizando programas de linguagem mais simples no computador, eles começaram a ter interesse. Depois de ver que eles podem, o raciocínio é desenvolvido, e até o próprio interesse nas aulas”, reforça.

Mão na massa

A missão de oferecer aulas mais atrativas costuma aparecer com frequência entre os discursos dos atores envolvidos com Educação no país. Atrair o interesse dos estudantes aparece entre a lista de prioridades, o que em geral, também envolve o desafio de propor novas metodologias. No entanto, para a execução do plano, é preciso que outras palavras também sejam postas em ação. Investimento, capacitação e infraestrutura estão entre elas.

“Nós desenvolvemos nessas aulas uma mão biônica, feita com material reciclável e utilizando algoritmos simples”, explica a professora, orgulhosa. Para a “mão biônica”, os estudantes utilizaram um trio já conhecido: papelão, canudos plástico e barbante.

Raciocínio lógico e cooperação são exemplos de habilidades desenvolvidas, de acordo com professora. (Foto: Arquivo pessoal)

A professora explica que nem todos os materiais feitos durante as aulas são concretos, mas que os finais de semestre exigem a apresentação do que foi elaborado pelos alunos durante os encontros do projeto.

Durante as aulas, Déborah enxerga ainda um outro tipo de ganho: o de cooperação entre os próprios estudantes. As aulas costumam mesclar alunos do 6° ao 9° ano. A interação exibe as diferenças típicas das faixas etárias, mas também resulta em benefícios.

“A nossa escola é pequena, todos se conhecem. Mas, acaba também desenvolvendo o socioemocional. Porque o aluno consegue compreender o outro e também ajudar o outro. Gera esse afeto dentro da escola, o que eu acho bem importante”, completa.

Premiação

Era mais um dia comum de abril quando Déborah reparou no sinal de notificação de um novo número na tela de seu celular. Voltando no tempo, ela não esperaria receber aquele tipo de convite, ou como prefere chamar, uma confirmação de estar fazendo a coisa certa.

Anos antes, concluiu a graduação em Pedagogia. Uma escolha mais baseada na oportunidade que enxergou nas condições do seu momento. Ao pensar na sua trajetória como educadora, ela não disfarça: “caiu de paraquedas na Educação”, compara com um sorriso. Começou então a trabalhar como pedagoga e um dia, soube que faltavam professores de Matemática na escola. A paixão antiga pelos números se reacendeu.

Estava decidido, iria fazer uma segunda graduação, dessa vez, em Matemática. Atualmente, como professora da disciplina, ela conta que apesar da série de desafios que acompanham a docência, ela pode afirmar que não gostaria de fazer outra coisa.

“Foi um momento mágico, só posso descrever como incrível. Foi algo inesperado. Eu vi muitos projetos incríveis e o nosso projeto, na simplicidade, ele conseguiu transpor essas barreiras”, relembra.

A lembrança é do momento em que soube, em abril, de que estava entre as finalistas do Prêmio Educador Transformador, promovido pela Bett Brasil, Instituto Significar e Sebrae Nacional. “Mostra que ainda tem pessoas que se preocupam com a educação no país. Pessoas que desejam que os alunos aprendam e que o profissional seja valorizado”, afirma.

Voos mais altos

Um novo compromisso apareceu na agenda da professora, dessa vez, distante de Campinaçú e das dezenas de alunos. Longe de serem como robôs, as crianças ficaram na cidade, quase sem conseguir conter a empolgação ao verem a professora voando alto.

Na primeira experiência em São Paulo, Déborah não demorou para fazer novos laços. Desde a conexão em Brasília, no Distrito Federal, os indicados às categorias foram se aproximando e assim, a professora já não estava mais sozinha.

A professora Deborah Tavares, durante premiação que aconteceu em maio, na capital paulista (Foto: Arquivo Pessoal)

“Essa viagem ampliou meus horizontes. Às vezes, subestimamos demais a nossa capacidade e não conseguimos enxergar o quanto o nosso projeto pode fazer a diferença na vida dos alunos”, afirma.

Na jornada diária de 9 horas na escola, é possível conhecer muito do que compõe a realidade de seus estudantes. “Essa transformação é muito evidente, sobretudo, para nós daqui, que conhecemos a realidade de todos os alunos”, diz.

Apoio

No meio de mais um dia de escola, outro tipo de conteúdo captava o interesse dos estudantes. Na sala de aula, uma TV conectava os alunos de Campinaçú com o prêmio que acontecia na capital paulista. Depois de alguns instantes, o nome da professora era narrado pelo apresentador. Era real. A cidade estava mesmo sendo representada. A sala inteira comemorava em conjunto, no coro que emitia o som do orgulho coletivo.

“Eu tenho um aluno que chorou de emoção. O nome de todos os finalistas foram citados, e na vez do meu, ele não parava de chorar. Eu achei linda a reação dele”, relembra.

Em São Paulo, o celular estava cheio de vídeos e imagens. Os colegas professores compartilhavam com Déborah a reação dos alunos. Como bem disse a professora, a tecnologia entrega seus ganhos. Naquele dia, as telas encurtaram a distância entre a cidade da garoa e a “Campinaçú de mel”, jeiito pelo qual a cidade é conhecida na região.

Segundo Déborah, o motivo do apelido é simples, a “doçura” da cidade costuma atrair a visita de moradores das regiões mais próximas. O nome pegou.

“Tenho planos de continuar o projeto e de incentivar os alunos a participarem de premiações. Espero também que esses alunos tenham visibilidade. Esse prêmio focou no professor, mas eu quero ir além e garantir que os alunos também colham frutos”, conclui.

*Esse texto está alinhado com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4, proposto pela Organização das Nações Unidas (ONU) por uma Educação de qualidade.

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