É consenso entre professores, gestores, psicólogos e entidades ligadas à educação que a lei sobre a utilização de aparelhos celulares pessoais nas escolas públicas e privadas é necessária para o processo de ensino-aprendizagem. A legislação entrou em vigor já no início do ano letivo de 2025 e lançou às escolas o desafio de se adaptarem à nova realidade em tempo recorde.
O uso de celulares, tablets, smartwatches (relógios inteligentes) e aparelhos eletrônicos similares que tenham acesso à internet está proibido para os estudantes durante a aula, o recreio ou intervalos entre as aulas, e isso é para todas as turmas de todas as etapas da educação básica. A própria lei justifica que a medida é para salvaguardar a saúde mental, física e psíquica das crianças e adolescentes.
O Colégio Integrado, em Goiânia, já estudava a implementação de uma medida do tipo desde o início do ano passado com a aplicação de um projeto-piloto para algumas turmas. Mas um controle do uso desses aparelhos dentro das escolas já era visto como uma necessidade por todos os profissionais da comunidade escolar, como explicou Ana Catarina de Assis, diretora do Colégio Estadual Olavo Bilac, também da capital.
“Eu acredito que todas as escolas procuravam sempre restringir o uso do celular, porque era uma queda de braço muito angustiante para o professor”, disse a gestora.
Uma lei muito aguardada

Numa manhã de um dia comum de aula no Colégio Integrado – Unidade Areião alguns alunos faziam um teste enquanto outros que já tinham terminado permaneciam presentes no ambiente lendo livros. Na tarde de outro dia tão igualmente comum, dois estudantes aguardavam retidos na frente da sala da coordenação do Colégio Estadual Olavo Bilac porque mexeram nos celulares.
As duas unidades de ensino vivenciam momentos diferentes em relação à lei. O Integrado nunca liberou a utilização dos celulares em sala de aula. Mas no início do ano passado foi além e desenvolveu um projeto-piloto em algumas turmas que recolhia os aparelhos e os guardava em caixinhas na sala da coordenação pedagógica.
Houve um processo de adaptação no ano passado e a iniciativa gerou um ganho percentual de 20% nas notas, como contou o diretor do colégio, Felipe ‘Kiolo’ Cavichiolo. “Isso nos deu ainda mais subsídios para esse ano”, disse. Conforme ele explicou, com a lei, o projeto agora está implementado para todos na escola.
Há uma sensação de alívio nos educadores que demonstra que a lei tem um efeito apenas por existir. Kiolo entende que os educadores ganharam subsídios e os pais ganharam argumentos com os filhos para limitar a utilização dos aparelhos. Bia de Lima, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás (Sintego), afirmou que a legislação foi extremamente bem recebida por toda a categoria.

“Foi uma lei ansiosamente aguardada por conta de que os celulares vinham atrapalhando imensamente a metodologia e o desempenho por parte dos professores junto aos alunos, com cada vez mais a dificuldade dos alunos terem atenção e os professores tendo um desgaste e um cansaço psicológico de procurar o tempo inteiro envolver os alunos”, disse.
Justificativa da restrição dos celulares
A lei de restrição dos celulares foi aprovada no Congresso Nacional tendo como pano de fundo os impactos do uso excessivo do celular na vida das pessoas e a utilização do aparelho por crianças e adolescentes dentro da sala de aula, em vista de que o ambiente exige concentração e fortalece a socialização.
É uma lei que vem facilitar o trabalho dos educadores, como disse o professor de biologia do Olavo Bilac, Henrique Gomes Carvalho. O docente sabe que as tecnologias digitais estão muito presentes no cotidiano dos estudantes, mas ressalta que na educação algumas estão gerando resultados problemáticos.
“Nós precisamos aprender a conviver com elas, mas, de fato, elas mais tem atrapalhado do que auxiliado dentro da sala de aula. Isso não sou eu que estou falando, são pesquisas que mostram que os países nórdicos já tem adotado essas medidas de excluir e retirar o celular de dentro da sala de aula”, contou.
O desgaste psicológico dos professores na queda de braço com os alunos pontuado por Bia de lima desaparece com a aplicação da lei. Ao menos tudo fica mais tranquilo, segundo Ana Catarina, que vislumbra a melhora do desempenho dos estudantes, principalmente nas disciplinas que eles têm mais dificuldades.
“Prender a atenção de um aluno que tem dificuldade em física, matemática e química enquanto, ao invés de acompanhar a explicação do professor, ele se distrai com redes sociais e música era angustiante. Então era uma queda de braço muito desgastante e por isso essa lei foi benéfica. Penso que agora fica mais tranquilo, a aprendizagem acontece, o professor não precisa ficar tendo esse embate e interrompendo a aula o tempo todo”, celebrou.
Por que estava atrapalhando?
As tecnologias são bem-vindas no processo educativo, aceitas, talvez, desde quando tornou-se possível assistir a uma aula na televisão. A utilização sempre teve caráter pedagógico ou didático e a orientação de um professor. Contudo, a lei versa sobre aparelhos eletrônicos portáteis pessoais, isso significa que estão incluídos celulares, fones de ouvido, smartwatches, tablets e dispositivos semelhantes.
São aparelhos que não necessariamente precisam ser utilizados na sala de aula e que muitas vezes estavam sendo usados para atividades externas ao próprio ambiente escolar. Rafael Marinho leciona geografia e educação financeira no Colégio Externato São José, em Goiânia, e apontou a distração como o principal problema do uso livre desses dispositivos nas escolas.
“No momento da explicação dos conteúdos ou algo que vai cair na prova, se o aluno estiver envolvido com alguma coisa de fora, uma rede social, ele se distrai e a concentração na sala de aula diminui. Então, eu vejo que com a proibição do uso de celular fica mais fácil da gente chamar a atenção do aluno e ele consegue se concentrar melhor na sala de aula”, disse.



Rafael e Henrique têm exatamente as mesmas percepções que André Luiz de Queiroz, professor de português do Colégio Integrado. Os professores destacaram a interferência do celular na concentração e nos momentos de interação entre os estudantes e Queiroz apontou o que melhorou nos seus alunos no último ano após o projeto-piloto.
“Houve melhora não só na aquisição do conteúdo e no processo de ensino-aprendizagem, mas também nas questões disciplinares. Então, eles já conseguem se concentrar mais, no momento do intervalo eles podem interagir um pouco mais entre si daquela velha forma antiga, mais pessoal, no diálogo. Então acho que foi bem oportuno e benéfica essa restrição do celular durante o momento pedagógico em sala de aula e afins”, contou. Confira a entrevista completa com o professor André Luiz.
Distração e ócio
Por que um estudante que está na sala de aula absorvendo conteúdos sente a necessidade de pegar o celular? A resposta é bem mais simples do que pensamos: não importa a faixa etária, todos nós nos distraímos. Podemos chamar de desatenção, falta de foco, mas todos temos momentos em que estamos divididos entre a realidade presente e algo que virá depois ou mesmo que esteja acontecendo em condição simultânea.
No caso do celular, tudo e nada acontece ao mesmo tempo. Ele é a porta para uma infinidade de conteúdos que estão sendo publicados na internet o tempo todo, mas o que ocorre de fato atualmente no mundo é que o imediatismo e a intensidade de publicações gera nas pessoas a sensação de que estão perdendo alguma coisa o tempo todo. Para quem não sabe o que está acontecendo, não está acontecendo nada.
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Em 2023, a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado debateu o fato do Brasil ser o segundo país do mundo com mais pessoas usando compulsivamente o celular e tratou o assunto como uma patologia. Na época, o país tinha cerca de 170 milhões de pessoas usando ativamente as redes, o que representava 80% da população.
Os dados apresentados na comissão são da ComScore, empresa estadunidense de análise de dados na internet, e mostraram a relação entre o uso excessivo das redes e a saúde dos brasileiros, que usavam em média 46 horas mensais, um aumento de 31% entre 2020 e 2022. Entre esses brasileiros constavam as crianças e os adolescentes, que também já estavam na preocupação do relatório “Tecnologia na educação: uma ferramenta a serviço de quem?”, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
A Unesco lançou o relatório em 2023 como um monitoramento global da educação e nele avaliou que o valor agregado das tecnologias digitais no ensino ainda carecia de estudos e evidências. Mas além disso, mostrou preocupação com sua rápida evolução e consequente dificuldade de avaliá-la. Mas é consenso que a vida atual é altamente tecnológica e que a geração das crianças se relaciona com os dispositivos de uma forma muito natural e extremamente virtual.

A lei corta o acesso a essa virtualidade e ao estímulo que as telas causam para que permaneçamos mais tempo rolando os conteúdos apresentados, no caso dos alunos, no momento em que devem estar aprendendo. Henrique Carvalho compartilhou que as primeiras semanas do ano letivo foram positivas, pois a restrição trabalha aspectos do aprendizado como concentração e melhoria na escrita que, segundo ele, eram dificultados com o uso do celular.
É senso comum que essa geração nasceu com o celular na mão. Para o professor Henrique, romper isso de uma hora para outra é difícil sim e com certeza vai haver conflitos. Mas como professor, ele acredita que há algo muito importante para ele fazer.
“Como professor tento tratar isso como um educador de fato, a gente está reensinando eles a conviver sem uma tecnologia e isso é importante. Saber conviver com o ócio é importante para essas pessoas que a gente está educando. Por um momento eles estão ali tendo um estímulo, alguma coisa, recebendo hormônios que causam prazer e fazer com que eles se concentrem em atividades que nem sempre são agradáveis para eles faz parte”, argumentou.
Inserção da tecnologia na educação
A tecnologia não está sendo suprimida da educação. Professor de biologia, Henrique disse que utiliza recursos eletrônicos como o datashow e sistema de som. “Eu tento trazer o conteúdo o mais esmiuçado e lúdico possível, com imagens e usando os recursos digitais que nós temos aqui”. A ideia do professor é indicar que o celular seja usado pelo estudante somente em casa para pesquisa ou para buscar referências que ele passou na sala de aula.
“Porque se eu banalizo esse uso do celular dentro da escola torna mais difícil eu trazer a aceitação deles aqui dentro. Então, assim, é sempre planejar o uso e sempre naquilo que é extremamente ou estritamente possível, porque sempre tem uma outra forma de abordar e eu tento buscar essa outra forma”, disse.
No Colégio Externato São José, Rafael trabalha com o apoio da lousa digital, datashow, computador e ressaltou que a tecnologia facilita. Mas não descartou o uso do celular, entendendo a necessidade do uso didático.
“Eu utilizaria o celular para dar uma explicação melhor a respeito de coordenada geográfica, que é algo que eu uso na minha matéria de geografia. Então a gente consegue contornar essa situação nesse sentido, para fins didáticos, caso um colégio não tenha tecnologia em sala de aula”, disse.
O uso pedagógico
A lei prevê que em sala de aula o uso de aparelhos eletrônicos seja permitido para fins estritamente pedagógicos ou didáticos, conforme orientação dos profissionais de educação. No Integrado, o uso é de qualquer forma evitado para facilitar o processo de readaptação dos estudantes. “É um processo de reeducação da utilização do celular”, explicou o professor André Luiz.
“Muitos professores, inclusive eu, tinha várias metodologias que envolviam a utilização do aparelho celular e dos tablets. Então, é um momento de readaptação para os alunos e para os professores, mas acho que todo professor tem uma capacidade adaptativa muito grande. A partir do momento que a gente não tem mais essa funcionalidade a gente acaba criando outras formas de poder passar o conteúdo com a mesma performance”, acrescentou.
O diretor do colégio reforçou a posição de “equilibrar a balança” com a opção de zero uso dos aparelhos eletrônicos pessoais no ambiente escolar. “A gente sabe que tem muitas metodologias ativas que passam pelo uso de mídias eletrônicas, mas neste momento eu acho que essa desintoxicação eletrônica se faz necessária. Então, os professores remodelaram suas aulas para que elas pudessem valorizar mais as conexões pessoais”, disse Felipe Kiolo.

A decisão de usar ou não os aparelhos para o fim permitido será de cada escola. Ana Carolina Passani, coordenadora pedagógica dos anos iniciais do Colégio Externato São José, entende que há outras formas de se usar a tecnologia e que o celular pode ser substituído por um tablet na escola.
“Com a restrição ficou ainda mais fácil pra gente enquanto escola não permitir mais a entrada do aparelho, o que não significa que a gente não vai trabalhar com tecnologia. A gente não precisa do celular como instrumento para trabalhar com tecnologia hoje. A gente trabalha tecnologia com plataformas, tablets e a restrição é importante porque a gente precisa trabalhar a questão social, a questão emocional e o cognitivo dos nossos alunos. O uso do celular, nós entendemos como instituição educacional, que não beneficia essas crianças”, disse.
Qual é o benefício para crianças e adolescentes?
“Sem o celular as crianças interagem de uma forma mais eficiente, são e se tornam crianças mais ativas, mais participativas e a escola está aqui para estimular esse uso da tecnologia e não do celular”, respondeu Ana Carolina.
A coordenadora destacou a melhora na interação das crianças e adolescentes do colégio e uma maior participação dos estudantes nas brincadeiras e atividades esportivas que a escola oferece. Os benefícios devem aparecer, principalmente, na qualidade de vida dos estudantes, nos aspectos que são objetivos da lei: saúde mental, física e psíquica.
A virtualidade tem um grande impacto na saúde mental dos estudantes e eles são de uma geração que vive conectada ao mundo tecnológico. Sabendo da possibilidade de um conflito na implementação, o Colégio Integrado promoveu uma atividade de compreensão da lei ao fazer os estudantes escreverem uma redação sobre o tema.
Desta forma, a escola implementou algo que estava explicado no subconsciente dos alunos e, embora a lei tenha o seu caráter obrigatório, houve compreensão dos pais, alunos e professores.
“Essa é uma geração que o “porque sim” não é mais suficiente, o “porque eu mando” não se faz completar todas as lacunas nos alunos. Então acho que a primeira coisa é abrir o diálogo, é mostrar elementos, dados, mostrar a lei, e a partir dali criar elementos para que o celular se torne menos necessário, seja em sala de aula, no recreio e estar perto dos alunos”, contou Felipe Kiolo.
Viver no mundo real
Um dos artigos da lei é dedicado ao cuidado com a saúde mental dos estudantes, que têm direito a apoio das escolas para tratamento do sofrimento psíquico e mental decorrente do uso imoderado das telas e desses aparelhos. Além dos casos de nomofobia, causada pelo medo da falta do uso do celular. A preocupação existe porque o uso excessivo das telas é uma realidade para crianças e adolescentes.
Cada escola deve ofertar esse apoio a medida que se faça necessário, caso haja ansiedade causada pela abstinência e sintomas semelhantes. Ana Carolina aposta na qualidade integrativa que o Externato São José oferece, com um espaço grande para as crianças brincarem e praticarem esportes.

Professor do colégio, Rafael Marinho disse que já notou uma certa inquietação em alguns alunos que ele acredita ser causa da dependência de estar conectado. No entanto, ele destacou que a inquietação é sempre contornada ao trazer a atenção do aluno novamente para a aula. “É uma reeducação para jogar o aluno nesse mundo real novamente e não ficar somente no mundo virtual naquele celular”, lembrou.
A coordenadora pedagógica do colégio afirmou que para casos com sintomas mais significativos eles oferecem orientação educacional e psicologia escolar. Os alunos do Olavo Bilac contam com psicólogos do projeto Ouvir e Acolher da Secretaria de Estado da Educação de Goiás (Seduc), que são profissionais que acompanham semanalmente os estudantes nas escolas do estado.
A Escola Municipal Parque Santa Cecília é a única unidade de Aparecida de Goiânia que tem um profissional para tratar a saúde mental dos estudantes e sai na frente nesse quesito. Jeane Araújo é professora de artes e quando chegou à escola percebeu que alguns alunos sofriam com crises de ansiedade, problemas familiares e ligados a violência.
Ela explicou que como complementação da carga horária também atua como psicóloga na escola. Desde 2015 desenvolve o projeto Vida Saudável na Escola e neste mês de fevereiro o tema do projeto é “Inteligência emocional: razão x emoção”.
“A gente coloca para os alunos a importância de viver mais a vida real e menos a vida virtual. Então, a gente sabe que tudo que causa abstinência é complicado, não só para crianças e adolescentes como também para nós adultos”, disse Jeane Araújo. A escola que ela trabalha disponibiliza um espaço para que o próprio aluno deposite o celular assim que chega e retire minutos antes de sair da escola.
Para ela, a restrição do uso do celular no ambiente escolar é positiva por causa dos danos cognitivos e emocionais do uso excessivo, além de gerar problemas de visão e coluna.
“A lei é positiva e tem como comprovar na prática com o desenvolvimento dos alunos que está muito maior do que antes. Antes eles tentavam colar nas provas usando o celular, não prestavam atenção nas aulas, agora dá pra comprovar o quanto as notas melhoraram”, disse.
Como passar segurança aos pais e aos estudantes?
Professora e psicóloga, Jeane Araújo frisou que a escola não recolhe os aparelhos, mas que disponibiliza um espaço para que os alunos possam guardar os celulares por conta própria. A lei proíbe o uso dos aparelhos nas dependências da escola durante a aula, o recreio ou intervalos entre as aulas. A partir da interpretação, cada escola está aplicando a lei da forma como melhor lhe cabe.
Como já dito, o Colégio Integrado adotou as caixinhas no projeto-piloto que fez no ano passado e elas ficam na sala da coordenação pedagógica. O diretor Felipe Kiolo explicou que as caixinhas são levadas às salas para o recolhimento e guardadas com a direção. No último horário, os professores fazem a devolução dos aparelhos.
O Colégio Estadual Olavo Bilac também adotou as caixinhas, que estão sendo confeccionadas. As caixinhas terão quarenta compartimentos cada e ficarão nas salas, na mesa do professor. Ana Catarina de Assis disse que recebeu a sugestão de alguns pais e a escola não tem problema em adotar. Mas ela revelou que houve preocupação com a segurança.

“As nossas salas são todas monitoradas com câmeras e no colégio não tem nenhum ponto cego. É monitorado desde a hora em que o primeiro funcionário chega na escola, que são 5h30 da manhã, até o momento que o último sai do colégio”, disse. “Então, é possível sim a gente garantir essa segurança e assumir essa responsabilidade com tranquilidade”, acrescentou.
Segundo Ana Catarina, as escolas receberam dois documentos com orientações sobre a aplicação da restrição, um da Seduc e outro do Conselho Estadual da Educação.
“Nos dois documentos eles deixam bem claro que a organização interna fica a critério de cada escola, mas que eles não assumem a responsabilidade de exigir com que o professor ou a escola tenha essa responsabilidade de guardar esse celular, porque é algo que traz um desgaste e um transtorno se sumir”, disse. Assim, após a sugestão de alguns pais e a segurança do monitoramento por câmeras, a escola decidiu que irá recolher os aparelhos.
“Isso é para que o estudante não caia nessa tentação, nessa ansiedade de toda hora tá abrindo a mochila para ver o celular. Sentiu o celular vibrando ou chegou mensagem e ele fica naquela ansiedade de olhar, de querer ver quem é, do que se trata. Então, assim, seria bem pior se a gente deixasse com ele e a gente percebeu que eles ainda não estão tendo essa conscientização, essa maturidade de por conta própria desligar e deixar guardado até a última aula”, contou.
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Responsabilidade da escola e da família
Se não pode usar o celular na escola, por que levar o aparelho? A resposta para essa pergunta depende da realidade de cada escola e de cada família. No Integrado pode levar, mas é recolhido. Assim como no Olavo Bilac que também pode levar, mas será recolhido. No Externato São José pode levar, mas a responsabilidade é da família.
O colégio decidiu por questão de segurança não adotar a caixinha e interpretou que se a lei não permite o uso na escola e ela não precisa que o aluno faça esse uso, se levar o aparelho, o próprio aluno será responsável por ele na própria mochila. Mas Ana Carolina Passani explicou que o melhor para a escola é que o aluno não leve o celular.
“Aqui no Externato São José as crianças e os jovens não trarão mesmo o celular. O fato de ter um lugar para guardar o celular faz parte das obrigações da família e não da escola. É uma questão de responsabilidade da família que a escola fortifica, a gente faz essa parceria, trabalhamos de mãos dadas, cada um pegando o seu lado da responsabilidade, porque o objetivo maior é a questão das crianças, a parte educacional, de direcionamento, de crescimento dos nossos alunos e jovens”, explicou.
Bia de Lima, do Sintego, afirmou que sabia que a metodologia de aplicação da lei seria a grande dificuldade desde o início e entende que só deixar o celular dentro das mochilas vai ser uma “resposta inócua”. A presidente da entidade ressaltou que sempre houve o canal de comunicação entre as escolas e as famílias e que, portanto, não há necessidade de uso do celular nas escolas.
“O melhor caminho é não ter o estudante com o celular, porque se ele levar o celular dentro da mochila vai resultar em ter que ficar apreendendo e obrigando a escola a ficar o tempo inteiro punindo o estudante porque levou, usou, não se conteve”, disse. “Até a gente conseguir criar novamente uma mentalidade de que não precisa do celular na escola é algo que vai demandar um certo tempo”, acrescentou Lima.
De quem é a culpa do problema?

A escola não é a culpada pelo uso excessivo de telas pelos estudantes, mas está totalmente envolvida na vida dessa geração que “já nasce com o celular na mão”. Bruno de Resende é engenheiro civil e pai da Isabela Torres Resende de 16 anos e Júlia Vasconcelos Resende de 12 anos. Isabela está cursando o 3º ano do ensino médio e Júlia está no 7º ano do ensino fundamental.
Segundo ele, as duas filhas estudam em escolas diferentes e as duas unidades de ensino restringem os celulares, mas elas não gostaram. “Elas não receberam bem a notícia, porém a assimilaram com naturalidade. Penso que desde cedo essa restrição pode fazer com que tenhamos jovens e adultos um pouco menos conectados em algo virtual e se importando mais com coisas reais, concretas”, disse.
Bruno disse que em casa o uso é livre, após as meninas cumprirem carga horária pré-estipulada de estudos. “Como dizia meu pai, “primeiro a obrigação, depois a diversão””. Ele pontuou que a lei é “uma excelente medida” e vem para combater parte de um mal que atinge grande parte da população: a falta de controle sobre o uso de dispositivos eletrônicos.
“A preocupação existe e deve ser de todos: escola, pais, alunos, enfim, sociedade em geral. A restrição nas escolas ajuda, mas o primordial é conscientizarmos os filhos da importância de se praticar um esporte, ler um livro, ver um filme, fazer uma caminhada, em detrimento de ficar ao celular o dia todo.”, disse.
Bruno sabe que a vida com a tecnologia é irreversível, mas sabe também que se os hábitos saudáveis não forem resgatados, “teremos uma sociedade digitalmente doente”.
Um mês de restrição de celulares
Ana Catarina de Assis, gestora do Colégio Estadual Olavo Bilac, percebeu que na primeira semana de aula os alunos estavam apreensivos e com expectativa para ver como seria a nova situação. Houve a conscientização sobre o que eles deveriam fazer a partir de então, mas logo começaram as tentativas de burlar a medida.
“Os professores estão percebendo que no decorrer do mês os alunos estão tentando burlar essa lei nos intervalos, no momento que eles terminam a tarefa já querem pegar o celular na mochila para dar uma espiada nas redes sociais, querem colocar o foninho e ouvirem uma música. Os professores estão tendo esse desgaste, esse embate de sempre estar pedindo e solicitando”, disse.
O professor André Luiz de Queiroz, do Integrado, disse que é necessário um diálogo com os estudantes nesse momento de readaptação e usa exemplos para fazê-los entender como o celular afeta adultos e crianças, reduzindo nossa capacidade de atenção em até 70%.
“Eu sempre falo para eles se imaginarem sendo um engenheiro que está administrando uma obra e prestando atenção só em 70% daquilo que está fazendo. Imagina um piloto de avião prestar atenção em somente 70% do trajeto porque ele está fazendo a utilização do celular”, exemplificou.
O que os alunos pensam sobre a restrição?
Os alunos têm noção de que o uso excessivo do celular prejudica a aprendizagem e a interação entre eles. A maioria utiliza bastante os aparelhos eletrônicos e já tentam em alguma medida diminuir o tempo que gastam nas atividades virtuais.
Júlia Santiago de Melo, 16 anos, é aluna do segundo ano do ensino médio no Colégio Integrado e disse que usa bastante o celular e que não tem muito controle. Com o projeto-piloto aplicado na escola no ano passado, ela já consegue perceber os benefícios.
“No começo eu não gostei muito, mas de acordo com as aulas e com os dias eu vi que é importante mesmo porque distraia muito rápido”, disse. A jovem percebeu melhora nas interações com os colegas e está criando amizades com com pessoas com quem antes não se enturmava.


Colega de Júlia no Integrado, Miguel Silva, 11 anos, está no sétimo ano e disse que sua atenção melhorou e esse fato é muito importante para ele. “Eu entendo que [a lei] é para aumentar o nosso foco, a nossa geração está muito desligada, muito fora da curva, muito relaxada e eu acho que essa proibição dos celulares vai ajudar”, contou.
Na contramão da maioria, Emanuelle Ceni Silva, 16 anos, disse que usa pouco o celular porque trabalha e só consegue utilizar o aparelho à noite. A estudante do Olavo Bilac considera o próprio uso moderado e contou que teve facilidade na adaptação à nova realidade, pois já havia se acostumado com a rotina do trabalho e não tem o hábito de usar o celular na escola.
“Na minha sala, eles [os colegas] estão concordando bastante. A gente é do curso de técnico, então a gente tem que ter uma postura”, destacou. “Eu estou gostando porque nós conseguimos interagir com as pessoas da nossa sala com mais facilidade e a gente consegue prestar mais atenção na explicação dos professores porque o celular tirava muito da nossa atenção”, disse.
Desintoxicação dos celulares
Arthur Barbosa, 14 anos, cursa o nono ano no Colégio Externato São José e tem limites de uso de aparelhos eletrônicos em casa. Os pais do estudante já controlavam os danos gerados pelo celular no aprendizado dele e isso faz ele acreditar que com a restrição na escola os pais vão continuar com a medida. Sua média de uso era de quatro a cinco horas por dia e agora está abaixo de duas horas.
“Foi comprovado cientificamente que o celular faz mal, ele nos desconcentra, tira a nossa atenção e estimula muito o nosso cérebro. Então às vezes você mexe no celular a tarde toda e vai fazer a sua tarefa, você não consegue porque está cansado e desmotivado”, disse.
Arthur acredita que a lei é benéfica e percebe na abstinência dos colegas o vício. “Hoje em dia as pessoas não estão sabendo usar o celular direito, então agora que tá tirando o celular é até possível perceber porque as pessoas estão com abstinência, elas querem usar o celular. Então, quer dizer que isso era um vício e que estava atrapalhando nos estudos”, destacou.



As estudantes Beatriz Oliveira Pinheiro e Laura Oliveira Rodrigues têm ambas 13 anos e são da mesma turma que o Arthur. Enquanto Beatriz usa por mais tempo, Laura se considera moderada e afirma que limita seu uso do aparelho para conversar com os pais.
“Eu percebo que na maioria das vezes eu pego o celular para entreter e para estudar coisas que tem mais cultura”, contou Beatriz. A maior parte de seu entretenimento está no aparelho e isso traz compreensão sobre os seus colegas não terem gostado tanto assim da lei. “Muitos amigos já reclamaram da restrição do celular, mas muitos amigos também já socializaram mais do que socializava antes”, destacou.
Laura, por sua vez, destacou o ganho na concentração como ponto forte da lei, mas apresentou o seu ponto de discordância. “Em certas partes eu concordo com a lei porque estava um pouco desenfreado e muitos alunos não estavam realmente prestando atenção na aula e também estavam atrapalhando. E talvez um ponto que não foi tão bom é que poderia ajudar, algumas vezes nós fazíamos pesquisas em sala de aula e o celular nesse caso ajudava”, disse.
Vale lembrar que o uso pedagógico dos celulares ainda é permitido. Portanto, a restrição visa eliminar as distrações presentes através do uso livre da internet no ambiente escolar. E a Laura entende isso e sabe quais são os benefícios que ela tem ao se afastar um pouquinho do celular.
“Eu acho que quando desligamos o celular nós passamos a ver o mundo de forma mais comunicativa, você não fica tão vidrado em ficar vendo coisas e mexendo no celular, você começa a reparar mais no mundo ao seu redor, conversa mais com as pessoas e até conhece melhor as pessoas com quem convive todos os dias, os amigos, os professores e os colegas”, disse.
Um novo hábito para todos


Jamilly Perassolo Lopes tem 16 anos e é aluna do segundo ano no Olavo Bilac. Assim como Emanuelli, ela é aluna do ensino técnico e no início discordou da lei por sentir falta do celular em algumas aulas, mas agora acredita que houve melhora no desempenho.
“No nosso caso que somos do técnico fica faltando sim um pouco de conteúdo porque temos muitas aulas, e como o conteúdo é muito, acaba ficando muita tarefa para casa, enfim. Mas mesmo assim foi uma ótima escolha a gente ter ficado sem o celular porque melhorou o desempenho de uma forma incrível”, disse.
Jamilly tem dois irmãos mais novos que também têm celular, mas disse que em casa o uso é todo controlado. Em casa, eles tem horário de fazer as coisas domésticas, as tarefas e também o horário de dormir. Então entende que é preciso ter um controle do tempo para cada coisa. Em relação ao novo período sem celular na escola, a jovem já está se adaptando.
“Nos nossos primeiros anos na escola não era permitido, né. Então melhorou muito o nosso desempenho, melhorou a explicação que a gente pode ter mais contato com o professor, com os alunos também a convivência ficou um pouco melhor. Por mais que nem todos concordem, ficou sim melhor”, contou. Confira a entrevista com a estudante Jamilly Perassolo Lopes na íntegra.
Por mais que os alunos compreendam, a proibição do celular nas escolas é apenas uma pequena parte da vida deles e não se estende para suas casas, por exemplo. A adaptação à norma irá ocorrer mais rápido nos locais em que eles não terão acesso ao aparelho e essa readaptação, para Felipe Kiolo, pode ser mais fácil do que a maioria das pessoas estão esperando.
“É natural do ser humano, às vezes, ser um pouco pessimista com algumas coisas e talvez nós também tenhamos sido quando a gente subdimensionou a capacidade do adolescente em reaprender”, explicou.
Kiolo que já faz a experiência há um ano no Integrado achou que teria mais dificuldade e problemas e que a relutância dos alunos seria bem maior. Mas um ano depois ele percebeu que os ganhos valeram a pena no processo. “Passado o primeiro impacto a gente teve um ganho de concentração na sala de aula refletido em notas, hoje a gente tem professores que já conseguem fazer, por exemplo, uma introdução a física no oitavo ano de uma forma a ter um desenvolvimento muito mais rápido”, contou.
Um ponto crucial para o sucesso da lei, segundo ele, é dar o exemplo. Os alunos não podem utilizar os celulares e outros dispositivos eletrônicos no ambiente escolar, então a escola inteira também precisa repensar essa utilização para se aproximar dos estudantes.
“Acho que não tem outro caminho. Alguns vão questionar e não vão aceitar no primeiro momento e eu acho que é importante ter um movimento da sociedade de entender que é necessário. Então, a gente tem que entrar no barco, porque senão a gente acaba perdendo a oportunidade de conectar os alunos da melhor maneira possível, que é a conexão real”, refletiu.
*Reportagem escrita por Rauane Rocha em parceria com Guilherme Oliveira e Lucas Alves
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 04 – Educação de Qualidade.
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