Na tentativa de mostrar o serviço cobrado pelas multidões nas ruas do País, a presidente Dilma Rousseff apresentou, nessa semana, cinco propostas de um pacto nacional que aborda desde a mobilidade urbana à educação. A sugestão mais polêmica obrigou o governo federal a tirar da gaveta um projeto que está em gestação há dois anos no Congresso: a reforma política. Dilma defendeu a convocação de um plebiscito para consultar a população sobre a criação de uma Constituinte específica para promover uma ampla reforma política. Vinte e quatro horas depois de sugerir a Assembleia Constituinte, a petista recuou.

A proposta da petista tinha provocado as mais fortes reações negativas, tanto na esfera política como na jurídica. Para alguns políticos, essa é uma prerrogativa exclusiva do Congresso. Já entre os juristas, a criação de uma Constituinte específica para tratar de um assunto é desnecessária e corre o risco de abrir as portas para a mudança de toda a Constituição Federal.

Sem encontrar apoio de integrantes de sua base, da Ordem dos Advogados do Brasil e até do vice-presidente, Michel Temer (PMDB), Dilma decidiu ontem enviar ao Congresso apenas mensagem propondo a convocação de um plebiscito, no prazo de 45 dias, abordando pontos específicos sobre como deve ser a reforma política. O governo federal quer que as mudanças sejam votadas até outubro para que possam valer nas eleições do ano que vem.

Assim que Dilma sugeriu a realização de uma Constituinte, juristas de todo o país torceram o nariz contra a proposta. O conselheiro da OAB-GO e advogado eleitoral, Dyogo Crosara, explica que não seria necessário criar uma nova Constituinte para realizar uma reforma política. “Primeiro temos que explicar o que é uma Assembleia Constituinte, que é aquela convocada para fazer uma nova Constituição e, no constitucionalismo brasileiro não há previsão de se fazer uma Assembleia Constituinte em partes. Uma nova Constituinte significa fazer uma nova Constituição, não tem como limitar apenas na questão da reforma política. Isso vai alterar todo o texto da Constituição”.

Para Dyogo, se o Congresso Nacional aprovasse as medidas que a própria OAB já aprovou no seu conselho federal e encaminhou ao Poder Legislativo, já estaria ótimo. Entre as medidas incluídas na reforma política está o financiamento público de campanhas eleitorais, o fim da reeleição e o mandato de 5 anos para o executivo. “O fim do financiamento de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais poderia ser feita até por uma lei. A alteração do mandato e o fim da reeleição seriam feita por emenda à Constituição sem a necessidade de fazer uma nova Constituição”.

Na prática, o advogado sugere o que deveria ser feito dentro da legitimidade fixada pela Constituição Federal de 1988, ou seja, promover a mudança por meio de projetos de lei e propostas de emenda à Constituição. “Apenas o atual Congresso legislando e fazendo algumas emendas e aprovando leis complementares e ordinárias a gente já teria essa reforma desejada”.

As perguntas do plebiscito popular serão definidas nos próximos dias em um debate no Congresso. A medida deve ser aprovada na Câmara e no Senado. Depois, o projeto é enviado ao Tribunal Superior Eleitoral, que define as regras da consulta popular.

Reforma emperrada
Os pontos lançados pelo governo federal mostram que, além de Dilma tentar dividir a fatura das insatisfações nas ruas com governadores e prefeitos, muitas questões cobradas pela população sinalizam a falta de vontade da classe política de atender às reinvindicações.

A última tentativa de votar uma reforma política no Congresso ocorreu em abril. Líderes da base do governo não encontraram um consenso para votar os itens. Na reforma política, os pontos mais polêmicos que estão emperrados no Congresso dizem respeito ao financiamento público de campanha e fim de coligações partidárias. A proposta é que o governo fixe teto para gastos por tipo de candidato estipulado pela Justiça Eleitoral. Doações de pessoas físicas e jurídicas só poderão ser feitas a um fundo nacional (a ser criado) que dividiria os recursos entre os partidos.

Com o fim das coligações partidárias, os partidos só poderão fazer grupos em nível estadual desde que durem, no mínimo, quatro anos. Outro ponto incluído na reforma é o voto em lista, onde o eleitor votará no candidato ou no partido, mas só o voto no partido é que reforçaria a lista apresentada pela legenda. Na reforma também estão incluídas outras propostas como mudança na data da posse, coincidência temporal nas eleições e propostas de participação popular.

Romper impasses
A mobilidade urbana, bandeira que desencadeou a onda de protestos pelo País, o governo federal anunciou o investimento de mais de R$ 50 bilhões, a desoneração da União dos impostos PIS/Confis para o diesel e o aceleramento da aplicação de outros R$ 88,9 bilhões, já previstos no Orçamento da União, em obras urbanas.

Para a saúde, a resposta foi rápida, mas ainda gera controvérsias. O governo federal anunciou ontem a abertura de 35 mil vagas de médicos no Sistema Único de Saúde até 2015 e insiste na contratação de médicos estrangeiros até o final do ano.

Em abril, a OAB-GO, seguindo voto de Dyogo, aprovou moção de apoio ao movimento para a criação de Faculdade de Medicina no campus da Cidade de Goiás da Universidade Federal de Goiás (UFG). O conselheiro critica a proposta do governo federal de contratar médicos estrangeiros. “A medida da presidente poderia ser apenas uma medida de urgência, paliativa, até que o governo abra novas vagas para cursos de medicina, em universidades públicas, no interior do Brasil”, sugere o advogado.

Na educação, a Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quarta-feira projeto de lei que destina 75% dos recursos dos royalties do petróleo à educação e 25% à saúde. A proposta de Dilma era a destinação de 100% dos royalties somente para a educação. No pacto pela responsabilidade fiscal, Dilma não detalhou medidas concretas.

Instituições mobilizadas
Antes do anúncio da proposta de uma nova Constituinte, entidades da sociedade civil lançaram a campanha Eleições Limpas, que tem objetivo de reunir 1,5 milhões de assinaturas para apresentar ao Congresso Nacional um projeto de lei de reforma política. A principal mudança proposta é a proibição de doações eleitorais feitas por empresas privadas e a realização de eleições proporcionais (para vereadores e deputados) em dois turnos, onde no primeiro os eleitores votariam nos partidos e, no segundo, nos candidatos. A intenção é fazer o projeto de lei de iniciativa popular nos moldes do que foi feito com o Ficha Limpa.

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