Adria Jesus nasceu sem deficiência e viveu assim até os 16 anos quando viu sua vida mudar completamente. Em 1999 sofreu um acidente automobilístico e, por consequência, teve de amputar a perna, logo abaixo do joelho. Na escola, Adria parou de fazer as atividades de Educação Física, e trocou os exercícios por tarefas e trabalhos escritos. Mas ao conhecer o vôlei sentado se apaixonou pela modalidade. Assista à reportagem a seguir

“Eu estava na Associação dos Deficientes Físicos do Estado de Goiás (Adfego) levando algum documento, o treinador me viu e me fez esse convite para treinar e conhecer a modalidade. […] Iniciei na prática esportiva aos 21 anos devido ao acidente. No início, foi bastante assustador porque eu não era atleta. Eu não sabia fazer toque, não sabia fazer manchete. Eu me tornei atleta”, conta Adria.

Rapidamente, a atleta recebeu uma convocação para a Seleção Brasileira, motivada pela altura. “Isso chamou a atenção dos técnicos, mas devido eu não ter técnica [de jogo], não continuei na Seleção”, lembra.

Adria Jesus, atleta paralímpica de Vôlei Sentado. Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal)

Chamada de convencionais, as pessoas sem deficiência podem até ter a tendência de acreditar que os treinamentos para atletas com deficiência são mais leves e de baixo nível. No entanto, a paratleta goiana ressalta que esse pensamento é equivocado e está longe de ser realidade.

“Para se chegar ao alto nível treinamos como qualquer outra pessoa. Posso ser deficiente, ter uma limitação, mas posso ter o perfil de ser um atleta de alto rendimento. Buscamos isso através de treinos intensos, principalmente quando a gente se encontra com a Seleção Brasileira. O treino é em período integral, tem períodos de academia, alimentação, fisioterapia. O ritmo é bem intenso”, explica Adria.

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Em Goiás, existem várias instituições de fomento a modalidades paralímpicas e de assistência a pessoas com deficiência. Uma delas é Adfego, que completa 40 anos em 2021.

Conforme o diretor técnico da Associação, Johnathan Leal, a instituição tem um papel fundamental na formação dos atletas. A expectativa agora, segundo Leal, é conseguir levar pelo menos quatro atletas goianos para o ciclo dos Jogos Paralímpicos 2024.

“A Adfego ajuda na área social e na reabilitação de pessoas que nasceram com deficiência ou que adquiriram durante a trajetória de vida. No esporte é pioneira no estado de Goiás há 40 anos. Derivada na natação, a Associação cresceu de forma exorbitante. Hoje temos vários nomes no esporte paralímpico e trabalhamos duro para que no próximo ciclo, que já iniciou, para Paris 2024, tenha quatro atletas goianos”, declara o diretor.

Ainda é importante lembrar que o Brasil sempre se deu bem nos Jogos Paralímpicos. Nas Paralimpíadas de Tóquio 2020, a delegação brasileira igualou o recorde de medalhas com a edição do Rio 2016, com um total de 72. Mesmo com grandes resultados, as competições não têm tanta visibilidade quando se compara com as Olimpíadas. Essas é a principal dificuldade que os paratletas encontram.

Adria, inclusive, possui três participações e duas medalhas de bronze no vôlei sentado: uma na edição da ‘Cidade Maravilhosa’ e outra, no Japão. “Uma das dificuldades nas capitais hoje é a acessibilidade ao esporte. Em Goiás, quando a gente não faz um trabalho de postagem em redes sociais, de engajamento para que pessoas com deficiência conheçam o esporte, elas não têm acesso. E a acessibilidade local do atleta paralímpico para o convencional é mais difícil. O convencional consegue ir apiscina com degraus para subir, já o paralímpico não consegue por causa da cadeira de rodas”, relata a atleta.

Johnathan Leal, ex-atleta paralímpico e atual diretor técnico da ADFEGO. Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal.

O esporte é uma das principais ferramentas para a inclusão social, principalmente para crianças e adolescentes que não se sentem acolhidos, seja na família, na escola ou nos outros ambientes de convívio. Em todo o Brasil, existem diversos campeonatos escolares e universitários com esse propósito e que também incentivam a prática esportiva. Por começar mais tarde na área, Adria não teve a oportunidade de estar nessas competições, mas acredita na força deles na vida de uma criança.

“Esse crescimento hoje dá espaço para a criança. O esporte que tenha a inclusão pode tornar a criança um atleta de alto rendimento. Vejo isso como uma evolução, um crescimento na área do esporte para ter a inclusão da criança com deficiência. Ali ela vê o mundo com novas perspectivas de vida, e não só dentro do esporte, mas para crescer profissionalmente em todas as áreas”, pontua Adria.

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Mesmo assim, há um grupo que não possui categorias nos Jogos Paralímpicos, que são os deficientes auditivos. Segundo Johnathan, o grande motivo é a barreira linguística que enfrentam. O diretor técnico afirma que não há profissionais capacitados, ou seja, fluentes em libras para convidar e incentivar as pessoas para o esporte. Além disso, Leal acredita que o Cômite Paralímpico pode não ver como algo atrativo para os telespectadores.

Ainda em relação às pessoas com deficiência auditiva, Johnathan entende ser necessário haver, pelo menos, um aluno com surdez e um professor dentro das salas de aula para auxiliar a conexão com os outros estudantes.

Capacitismo

Bastante abordado quando se fala em deficiência, o capacitismo é uma forma de preconceito e discriminação social contra esse grupo, que vai além da acessibilidade e piadas. Você pode ter se pegado uma vez chamando alguém de “João sem braço”, que tal empresa ou lugar “não tem corpo” ou mesmo manifestando sinais de coitadismo como “ele sem um braço faz isso, e eu reclamando da minha vida”. Essa expressões usadas no dia a dia são capacitistas, e nem todo mundo sabe disso. Para Johnathan, a educação básica, desde o ensino infantil, é a chave para essa mudança.

Adria também reprova comentários desse tipo. “Hoje o atleta paralímpico não aceita mais uma frase dessa rebaixada, além do contexto. O paratleta treina muito, é um trabalho duro para alguém chegar e falar: ‘coitado daquele atleta porque ele está sem braço’. Coitado não, ele está lá porque teve esforço, tem metas a serem cumpridas e, talvez, uma pessoa que tenha um braço não consiga estar lá no local”, comenta a atleta.

Adria Jesus, atleta paralímpica de Vôlei Sentado. Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal)

Adria Jesus tem 38 anos, é medalhista paralímpica, tem 4 mundiais, 4 parapans e 3 paralímpiadas no currículo. Por que, então, atletas paralímpicos são vistos como superados e heróis sendo que competem e treinam como qualquer outro esportista? Adria faz essa reflexão.

“Costumo dizer que por trás daquela medalha que conquistamos temos uma trajetória. A medalha não é superação da minha deficiência. Eu já superei a minha deficiência, já fui protetizada e no mercado de trabalho. A minha superação foi dentro do esporte, da modalidade. A Adria não era uma atleta, ela se tornou uma atleta de voleibol sentado. É parar de ver que ‘ela consegue atacar uma bola, é a melhor bloqueadora porque não tem uma perna’. Não, foi porque eu treinei para isso”, assegura.

Mariana Tolentino é estagiária do Sistema Sagres de Comunicação, em parceria com o Iphac e a Unialfa sob supervisão do jornalista Samuel Straioto.