O ano começou com um alerta para o desmatamento no Cerrado quando o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter) apontou a supressão de 441,85 km² de vegetação nativa em janeiro de 2023. Em entrevista à Sagres, o professor e vice-coordenador do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig/UFG), Manuel Eduardo Ferreira, afirmou que “recuperar áreas desmatadas de Cerrado custa muito caro”. 

“A recomposição dessas áreas tem um custo monetário elevadíssimo. 1 hectare equivale a 10 mil m². Mas a gente está falando de um desmatamento que de um mês para o outro aumentou 200 km², e isso equivale a 20 mil hectares. Restaurar 1 hectare pode custar em valores atuais de R$ 50 mil a R$ 100 mil”, contou.

Nem todo desmatamento é considerado degradação ambiental, mas todo desmate em área de vegetação nativa afeta o meio ambiente. No entanto, é fato que os seres humanos precisam fazer a extração de recursos para a construção de cidades, produção de alimentação, roupas e tudo que seja necessário para a manutenção da nossa existência. 

Licença ambiental

E é para regular o uso dos recursos naturais das florestas que existe o Código Florestal Brasileiro, que estabelece as normas de exploração, proteção e suprimento de matéria-prima florestal. Assim, para exercer qualquer atividade que exige a extração de recursos da natureza é necessário um licenciamento ambiental, que é um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente.

O licenciamento ambiental da União é executado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). No entanto, com uma mudança na lei em 2021, a responsabilidade para impor limites das áreas de preservação permanente em áreas urbanas são agora determinados nos planos diretores e nas leis municipais. A lei do Estado de Goiás, regulamentada em 2020, é de competência do Conselho Estadual de Meio Ambiente (CEMAm). 

Desmatamento-Jandaia
Imagens aéreas mostram a devastação em uma fazenda, no município de Jandaia. Equipes da Semad autuaram responsáveis por desmatamento ilegal. (Foto: Semad)

Quando alguém desmata uma área sem esse licenciamento a ação é caracterizada como crime ambiental. Em muitos casos, há a necessidade de restaurar a vegetação que foi retirada. O professor Manuel explicou que é necessário promover o plantio de mudas e fazer um monitoramento para que elas vinguem e cresçam, mas que em muitos casos a área não é mais recuperada.

“Tem que fazer monitoramento de fauna, conexão de fragmentos, criar corredores ecológicos. É um trabalho caro e longo. E muitas vezes não vinga, a nossa taxa de sucesso é inferior a 50%. Muitas vezes se consegue um sucesso de 30% a 20%”, disse.

Fragmentos de Cerrado

Segundo a Embrapa, o Cerrado é o segundo maior bioma do Brasil e cobre uma área de 2 milhões de km². Ou seja, são 204 milhões de hectares, que corresponde a quase um quarto de toda a extensão territorial do país. Ferreira apontou que o Cerrado é encontrado em pelo menos 12 unidades da federação: Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Maranhão, Piauí, Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Distrito Federal, além porções pequenas no Paraná e em Rondônia. A Embrapa afirma que a vegetação típica de Cerrado também é encontrada nos estados do Amapá, Roraima, Amazonas e Pará, locais onde o bioma Amazônia é predominante.

Cerrado
Foto: Toninho Tavares/Agência Brasília

Especialistas já apontam que apenas aproximadamente 50% do bioma ainda é de vegetação natural. Manuel Eduardo Ferreira disse que alguns mapeamentos indicam que a área de conversão já atingiu esses 50%, mas que esse número varia dependendo da metodologia de mapeamento adotada pelas instituições responsáveis. O professor ainda ressaltou que é provável que “já estejamos passando essa porcentagem”, pois já há alguns anos que se fala em 50%.

“Estamos num ponto perigoso porque todos os cientistas ligados à área de meio ambiente, ecologia e engenharia ambiental convergem no risco dessa taxa. Pois se já passou de 50%, significa que tem algumas áreas que já passaram de 100% desmatadas e tem outras que só estão com fragmentos. Então às vezes os 50% que restam não são 50% íntegros, são áreas de muitos fragmentos”, explicou.

Proteção frágil

O professor da UFG destacou alguns problemas muito graves dessa fragmentação, como a fragilidade quando expostos às queimadas e a falta de qualidade da vegetação remanescente. Além da baixa proteção da natureza, “porque esses fragmentos não compõem corredores ecológicos para o trânsito da fauna”.

“A medida que essa taxa passa de 50% a chance de reverter esse processo e restaurar é muito difícil porque o clima e a fisionomia da vegetação são alterados. E aí já não tem mais aquela classe de Cerrado que tinha antes, porque as condições climáticas e do solo também mudaram, e isso é o que está acontecendo”, afirmou.

Mercado de carbono

Floresta
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O cenário descrito acima é alarmante. Principalmente porque o desmatamento e as queimadas são anualmente regulares, como pode ser observado nos mapeamentos de diversas instituições ligadas ao meio ambiente. Porém, o professor Manuel Eduardo Ferreira destacou duas ações promissoras para a recomposição das florestas, aliada à produção de alimentos e ao desenvolvimento econômico sustentável.

A primeira delas é o mercado de carbono, um crédito que as empresas utilizam como alternativa para diminuir a emissão de gases do efeito estufa, por meio da conservação de florestas que resultam em recursos financeiros para elas. “Olha que interessante e curioso! Agora alguém paga o preço de um cultivo para o produtor não desmatar”, contou. O professor acredita que a novidade é benéfica para negócios.

“Com o mercado de carbono o mundo está se voltando para um plano de negócio que envolve pagar pela vegetação nativa em pé. Então a árvore em pé é preservada como forma de sequestrar carbono e mantê-lo estocado, seja na própria estrutura da planta, no solo, na matéria orgânica ou na composição do solo. E isso é muito interessante”, disse.

Cerrado e Amazônia

Manuel ressaltou que as florestas têm um papel muito importante na assimilação do carbono e destacou o grande potencial dos biomas Cerrado e Amazônia para estocar esse gás, por causa dos sistemas de raízes mais complexas que eles possuem. O professor pontuou que a iniciativa pode levar a uma floresta rentável sem ser desmatada e a uma produção de alimentos repensada. 

“Hoje um produtor rural pode se perguntar se vai desmatar ou estocar carbono. Há também a possibilidade de pegar áreas degradadas para promover o plantio de mudas do Cerrado por opção. Então não precisa ser por lei. Mas pelo proprietário querer reconstituir uma área e transformá-la numa vegetação abundante, densa, restabelecer a biodiversidade da fauna e da flora e de vários elementos como a produção de água, proteção do lençol freático e aquíferos Então isso vai revigorar rios, gerar uma água mais limpa e tudo isso sendo bonificado”, detalhou.

Agrofloresta

Agrofloresta
Agrofloresta (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Outra ação citada pelo professor Manuel foi a produção agroflorestal, que para ele é também uma forma de mercado de carbono. Ele explicou que elas trazem vantagens porque associam a produção de alimentos à preservação de uma mata que pode ter mais de uma espécie de vegetação nativa. “A agrofloresta é uma outra alternativa que tem se mostrado viável”, destacou.

“As agroflorestas estão aumentando e já são opções rentáveis para pequenas famílias de produtores. Então às vezes com pouco recurso já se consegue ativar uma agrofloresta e também já há possibilidade de adquirir recursos para manter uma área preservada e ser bonificado por isso em políticas públicas. Ou seja, muita coisa aconteceu ao passo que o desmatamento tem aumentado. Ele é preocupante, mas já temos várias outras ações em curso que estão promovendo  melhorias ambientais”, disse.

Manuel Eduardo Ferreira ressaltou que o Brasil tem se comprometido com painéis intergovernamentais do clima para cessar os desmatamentos ilegais. Ressaltou ainda que nem todo desmatamento é considerado degradação ambiental, desde que a pessoa que precisar desmatar faça o pedido de licenciamento ambiental. “Quando a pessoa segue a lei e as regras para desmatar, ela está contribuindo e a gente já sabe que ela também vai se beneficiar”, contou.   

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