Jessica Lima
Jessica Lima
Jornalista multimídia, escreve principalmente sobre temas ligados à educação e defesa dos direitos humanos.

Rosa Parks e sua viagem rumo à luta contra o racismo

Rosa Louise Parks foi uma mulher negra norte-americana responsável por “acender a fagulha” daquilo que se tornou reconhecido como um dos principais movimentos na luta pelos direitos civis e sociais dos estadunidenses negros, na década de 50 e 60.

Sem dúvidas, olhando para o contexto político e sociocultural que vivia os Estados Unidos no tempo de Parks, é uma tarefa difícil numerar quais foram as ações responsáveis por aquilo que depois, se tornou uma grande ação mobilizada pelo fim da segregação racial.

As Leis Jim Crow regiam a vida de Rosa e a de outros milhares de negras e negros estadunidenses, responsáveis por legalizar o racismo e segregação racial nos Estados Unidos, entre 1877 e meados da década de 60.

Os impactos das leis variavam de estado para estado. Iam do ensino separado para crianças brancas e negras, impossibilitadas de frequentar as mesmas escolas públicas; barbeiros negros que não tinham a permissão para cortar o cabelo de mulheres e meninas brancas; professores negros que não podiam lecionar em qualquer escola e mais uma lista extensa de medidas supremacistas brancas.

Foto: Wikimedia Commons

A lista de absurdos é longa e parece mesmo vir de outro mundo. Embora, se olharmos para o presente, não é difícil reparar que as linhas separatistas embora menos evidentes, ainda executam separações.

Porém, são inegáveis os avanços que movimentos como aqueles abraçados por nomes como o de Rosa, Martin Luther King Jr e de tantos outros, tiveram na história. No caso de Rosa, uma viagem no ônibus foi o estopim para mudanças que vieram à frente.

Antes de conhecer esse caso, vale olharmos para o que Rosa viveu antes do dia em que estendeu a mão, entrou em um transporte público e, dali, mudou a história de muitos.

Raízes

Quem foi Rosa Parks? Voltando algumas décadas, chegamos a Tuskegee, no estado do Alabama, bem ao sul do país. Nasceu em 4 de fevereiro de 1913, ainda sem o Parks, era Rosa Louise McCauley, filha de pai carpinteiro e mãe professora.

Após a separação dos pais, Rosa foi morar em Pine Level, situada na região metropolitana de Montgomery, capital do Alabama. Rosa vivia na fazenda, plano de fundo de toda a sua infância. Os primeiros anos de sua vida escolar foram dentro de casa, guiados pela mãe. Aos 11 anos, matriculou-se na “Miss White’s Montgomery Industrial School for Girls”, escola privada liderada por mulheres brancas, mas com ideais antirracistas.

Foi ali que o mundo de Rosa, ao menos aquele moldado pelos seus próprios ideais, ganhou novos limites. Além disso, a escola foi alvo de incêndios criminosos por duas vezes, reflexo dos moradores descontentes na comunidade, contrários aos tipos de ideias e inclusão defendidas pela instituição.

Depois, Rosa foi aluna do Alabama State Teacher’s College High School, porém, não teve a oportunidade de concluir seus estudos devido ao estado delicado de saúde de sua avó, Rose Edwards. Passou anos envolvida nos cuidados da saúde de membros da família e envolta pelos serviços domésticos. Aos 16 anos, já trabalhava na casa de famílias brancas.

Em 1932, aos 19 anos, Rosa se casou com Raymond Parks, barbeiro e ativista pelos direitos civis dos cidadãos afroamericanos. Segundo a história conta, ele a incentivou a concluir seus estudos, o High School, o que conhecemos como Ensino Médio.

Ativismo

Depois, Rosa caiu nas graças da costura, atividade que passou a fazer parte de sua rotina e virou seu ofício profissional. Em 1943, uma sigla importante aparece e aqui, já podemos antecipar aquilo que agiria como um fio marcante em sua história.

Nesse sentido, ela se une à Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP na Língua Inglesa), organização que defendia os direitos da população afroamericana nos EUA. Neste ano, Rosa se tornou secretária da organização.

Rosa ao lado de Martin Luther King Jr. (Foto: Wikimedia Commons)

No estado do Alabama, as condições ainda eram vividamente marcadas pelo racismo. As leis de segregação racial definiam o que seriam banheiros, escolas e transportes públicos para brancos e para negros. De um lado, a supressão do direito ao voto, fortalecida por testes de alfabetização e barreiras burocráticas que só tornavam mais difícil o acesso ao direito básico.

Você pode ter a lembrança de folhear as páginas do livro didático e sobretudo, se horrorizar diante das imagens que ilustravam os “mundos” diferentes e as fronteiras que davam “bom dia” às crianças, jovens, adultos e idosos negros estadunidenses.

Um contexto que, se visto de forma despercebida, parece mesmo vir direto dos livros de história. Um absurdo que ficou no passado. Uma noção que logo confrontamos ao abrir o jornal diário e ler a manchete: Em Buffalo, cidade do estado de Nova York, um homem branco armado, com câmera para transmissão ao vivo nas redes sociais, invade supermercado. Dez negros morreram. O ano é 2022.

O ir e vir de Rosa

Em 1955, os Estados Unidos já vivenciavam uma realidade em que cada vez mais cidadãos negros se mobilizavam pelos seus direitos. Um ano antes, um marco importante: o caso conhecido como “Brown v. Boadr of Education of Topeka”, em que a Suprema Corte dos Estados Unidos determinou como inconstitucional a segregação racial nas escolas públicas.

A implementação da integração não foi rápida, muito menos aceita facilmente por alguns setores da sociedade. Entretanto, pode-se imaginar que a efervescência de discursos antirracistas tenham motivado a famosa ação de Rosa Parks, durante suas idas e vindas.

1° de dezembro de 1955. Rosa Parks voltava do trabalho e entrou no ônibus, meio de transporte público que usava todos os dias. Ao entrar, reconheceu o rosto do motorista. Branco, já que não havia motoristas negros. Anos antes, Rosa tentou entrar no ônibus pela porta da frente e aos gritos, o motorista protestou até que ela descesse.

Nesse dezembro, ela chegou a tomar um assento. Depois de algumas paradas, o ônibus foi ficando cheio e logo não sobraram mais lugares. Homens brancos estavam de pé e o motorista, pede para que negros cedessem os seus lugares. Rosa permanece sentada.

“Eu sabia que alguém teria que dar o primeiro passo e eu decidi que não iria me mover”, ela disse anos depois.

Foto: Wikimedia Commons

Ela acabou presa, após o motorista chamar um oficial. Na época, amigos da NAACP pagaram a sua fiança, mas ainda haveria um julgamento por vir. Antes mesmo de voltar a liberdade, porém, algo maior já estava em curso.

Nomes como Martin Luther King Jr. citavam o ato de Rosa e instigava outros negros estadunidentes a reverberarem seu ato de coragem. Por 381 dias, milhares de manifestantes deixaram de usar a linha de transporte público, no que ficou conhecido como “Montgomery Bus Boycott”, o boicote aos ônibus de Montgomery.

Efeitos

Pessoas começaram a ir de bicicleta, carona ou a pé para os seus trabalhos. Os ônibus, majoritariamente usados por pessoas negras, começavam a carregar assentos vazios, e as calçadas iam ficando mais cheias.

Em um discurso feito enquanto Rosa ainda estava presa, Martin Luther King Jr. disse:

“Por muitos anos, passageiros negros nas linhas de ônibus na cidade de Montgomery têm sido humilhados, intimidados e enfrentado ameaças. Há alguns dias, uma das boas cidadãs de nossa comunidade, Mrs. Rosa Parks, foi presa por se recusar a desistir de seu assento para um passageiro branco. Estamos no meio de um protesto, os cidadãos negros que representam pelo menos 90% dos passageiros regulares estão fora dos ônibus e planejamos continuar assim, até que algo seja feito”.

Homens e mulheres negros se recusavam a utilizar o serviço de transporte público. (Foto: Wikimedia Commons)

Com o tempo, a história de Park foi se tornando mais conhecida e geradora de revoltas em todo o território estadunidense. Inicialmente, Rosa foi considerada culpada durante o julgamento, mas depois, seu caso foi levado à Suprema Corte Federal.

Assim 1956, a decisão foi tomada: a segregação racial em transportes públicos foi decretada oficialmente como inconstitucional. Muito ainda estava por vir, alguns anos depois seria decretada a Lei dos Direitos Civis (1964).

Rosa e seu marido precisaram mudar de estado. Sem conseguir empregos e sob ameaças, foram para Detroit. O ativismo perdurou e a ex-moradora de Pine Level viveu toda a sua vida (1913-2005), reconhecida como aquela que de dentro de um ônibus, proporcionou um aceno vitorioso para os milhares em Montgomery, milhões nos Estados Unidos e para os que estavam por vir.

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