Todos os participantes de audiência pública no Senado defenderam a tese de que a Constituição de 1988 não determina o marco temporal para a demarcação de território indígena. Por isso, na visão dos debatedores, o Projeto de Lei 2.903/2023 é inconstitucional. O debate foi realizado nesta semana na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, mas com baixo quórum de senadores apesar da mobilização da sociedade civil e de entidades representantes dos indígenas.
A audiência foi conduzida pelo presidente da CDH, Paulo Paim (PT-RS), para quem a tese do marco temporal seria mais um atentado contra os direitos indígenas. Desta vez, segundo ele, buscando limitar o reconhecimento a territórios tradicionalmente ocupados pelas mais diversas etnias. O projeto de lei que institui o marco temporal para a demarcação de terras indígenas já teve aprovação na Câmara dos Deputados e segue em análise no Senado.
O secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Antônio Cerqueira, fez coro com Paim e com a senadora Zenaide Maia (PSD/RN). Cerqueira também qualificou a tese do marco temporal como inconstitucional. Para ele, o espírito da Constituição é claro ao reconhecer os direitos dos povos indígenas a territórios tradicionalmente ocupados, sem se limitar a prazos fixos no tempo.

Demarcação
“A Constituição protege a tradicionalidade e a origem dos povos indígenas, e não o contrário. Portanto não há um marco temporal determinando que a partir de uma data específica poderia se reconhecer estes povos e a tradicionalidade. Essa tese fere também a Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], assinada pelo Brasil, e a declaração da ONU sobre povos e direitos indígenas”, afirma Antônio Cerqueira.
Meio ambiente
Paim, Zenaide e Cerqueira também lembraram que os territórios com demarcação como indígenas são os mais bem conservados em relação à preservação ambiental. Por isso, a política também seria muito benéfica para toda a sociedade, na luta contra as mudanças climáticas.
Outro lado
Para Cerqueira, o PL 2.903/2023 é patrocinado por “setores retrógados” do agronegócio. E busca dar continuidade a políticas públicas prejudiciais aos indígenas, adotadas durante o governo de Jair Bolsonaro.
Antropologia
Na avaliação da presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Andréa Zhouri, o marco temporal é um “contrassenso” que nada tem a ver com as tradições indígenas.
Participação
“A ABA contribuiu diretamente nos debates sobre os direitos indígenas no processo constituinte. A Constituição foi um pacto social que reconheceu o entendimento antropológico sobre os territórios tradicionalmente ocupados por estes povos, e a definição da tradicionalidade não se relaciona a um tempo específico”, avalia a presidente da Associação.
Base jurídica
“A Constituição em nenhum momento diz que ela própria é o marco temporal, isso seria um contrassenso antropológico já apontado por muitos juristas. Inclusive pelo relator do processo sobre o tema no STF, Edson Fachin, e pelo ministro Alexandre de Moraes”, completa Andréa.
Nota técnica
Andréa Zhouri acrescentou que o Ministério Público Federal (MPF) também apresentou nota técnica defendendo que o marco temporal é inconstitucional. E reiterou que a ABA considera o PL 2.903/2023 uma espécie de “genocídio legalizado”.
Motivo
O genocídio seria uma entre outras razões da pretensão de fixar os mais diversos povos indígenas numa relação típica do direito agrário. Segundo ela, ignorando séculos de deslocamentos por razões culturais e de sobrevivência, incluindo a própria fuga de extermínios em massa.
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*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 13 – Ação Global Contra a Mudança Climática; ODS 15 – Vida Terrestre; e ODS 16 – Paz, Justiça e Instituições Fortes.