O Superior Tribunal de Justiça (STJ) retoma, nesta quarta-feira (8), o julgamento que definirá se o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que é conhecido simplesmente como rol da ANS, é taxativo ou exemplificativo. A decisão deve impactar diretamente com cerca 50 milhões de usuários de planos de saúde no país.

A Segunda Seção da Corte, formada por 10 ministros, devem decidir se os planos de saúde terão a obrigação de cobrir apenas os procedimentos que constam na lista da ANS, ou se a cobertura deve ser mais ampla, e abarcar também outros tratamentos.

Se o Rol for considerado taxativo, significa que os procedimentos que estão na lista da ANS é o que deve ser observado pelos planos de saúde, ou seja, ele não pode ser alterado, mas seguida a risca.

Já se o Rol for decidido que é exemplificativo, significa que a listagem funcionaria como uma referência do que podem ser coberto pelas empresas, abrindo espaço para o custeio de tratamentos não listados, como é o de crianças autistas.

O julgamento teve início em setembro do ano passado, e dois ministros já votaram: o relator dos embargos, ministro Luis Felipe Salomão, que votou a favor de que o rol é taxativo, mas admite exceções e a ministra Nancy Andrighi, que considerou que a lista da ANS é meramente exemplificativa.

A sessão poderá ser acompanhada pelo canal do STJ no YouTube. Além do ministro Cueva, devem votar outros seis magistrados, mas o presidente do colegiado, em regra, só vota em caso de empate no julgamento.   

Impacto para tratamentos

A vice-presidente Jovem da Comissão de Direito Médico, Sanitário e Defesa da Saúde da OAB Goiás, Daniela Almada, explica que caso seja decidido que o Rol é taxativo, deve “inviabilizar a judicialização, pois somente aqueles tratamentos, procedimentos e exames que estão listados no Rol que serão possíveis de cobertura pelo plano”.

Ela destaca que a terapia ABA (abreviação para Applied Behavior Analysis. É conhecida também como Análise do Comportamento Aplicada), voltada para o tratamento para pacientes autista, não está no Rol. Se essa lista da ANS for considerada como taxativa, não haverá mais essa possibilidade de cobertura.

“O que me preocupa é que hoje já temos um sistema de saúde que está muito sobrecarregado. Caso esse Rol seja definido como taxativo, todos esses tratamentos que são atendidos e cobertos pelos planos de saúde, vão migrar para o SUS”, lamenta Almada.

Movimento de Goiás faz vigília no STF

Foto: Divulgação / Mães em Movimento pelo Autismo

O grupo goiano Mães em Movimento pelo Autismo, que representa mais de 100 mães de autistas, passaram a noite na porta do palácio do STJ, desde terça-feira (7), manifestando a favor da decisão de considerar o Rol da ANS como exemplificativo. O protesto que começou a noite foi acompanhado com carro de som e faixas. Nesta quarta, os integrantes levaram um caixão, que segundo eles, significa a morte de de milhões de pessoas que precisam de tratamento para continuarem vivas.

A líder do movimento, advogada Letícia Amaral afirmou que mais de 50 milhões de brasileiros serão impactados por este julgamento, e ainda que “mais de 8 milhões de pessoas que precisam de tratamento especializado como crianças autistas, pessoas com síndromes raras e com câncer. Rol taxativo mata!”, declarou.

Voto favorável ao Rol taxativo

Para relator, taxatividade evita aumentos excessivos e garante análise técnica da ANS. A discussão teve início no dia 16 de setembro do ano passado, quando o ministro Salomão defendeu que a taxatividade do rol da ANS é necessária como forma de proteger os próprios beneficiários dos planos contra aumentos excessivos.

Também de acordo com o relator, o respeito à lista garante que a introdução de novos fármacos seja precedida de avaliação criteriosa da ANS, especialmente em relação à eficácia dos tratamentos e à adoção de novas tecnologias em saúde.

Apesar desse entendimento, Salomão salientou que, em diversas situações, é possível ao Judiciário determinar que o plano garanta ao beneficiário a cobertura de procedimento não previsto pela agência reguladora, a depender de critérios técnicos e da demonstração da necessidade e da pertinência do tratamento.

Esses critérios, segundo o ministro, foram atendidos em um dos casos analisados pela seção, no qual o paciente, com quadro de esquizofrenia e depressão, teve prescrito tratamento com eficácia reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina. 

Voto favorável ao Rol exemplificativo

Para Nancy Andrighi, rol taxativo impede acesso a tratamento necessário e garantido pelo legislador. Ela se posicionou pelo caráter exemplificativo da lista da ANS. Apesar de ressaltar a importância da lista para o setor de saúde suplementar, a magistrada entendeu que o rol não pode constituir uma espécie de obstáculo predeterminado ao acesso do consumidor aos procedimentos e eventos comprovadamente indispensáveis ao seu tratamento de saúde.

Nancy Andrighi apontou que a atuação das agências reguladoras deve respeitar os limites definidos pelo legislador, de forma que a instituição que exerce atividade regulatória não pode substitui-lo na definição de direitos e obrigações. Nesse sentido, a ministra afirmou que a ANS não tem atribuição para inovar a ordem jurídica, especialmente para impor restrições aos direitos garantidos pelo legislador, e destacou que é competência institucional da agência promover a eficácia da proteção e defesa do consumidor de serviços privados de assistência à saúde.

A ministra também ressaltou que, se a Lei 9.656/1998 (que regula as atividades privadas de saúde) estabelece que todas as doenças indicadas na Classificação Internacional de Doenças (CID) estão incluídas no chamado plano referência, só podem ser excluídos da cobertura dos planos aqueles procedimentos e eventos relacionados a segmentos não contratados pelo consumidor ou os elencados pelo próprio legislador. 

Ao fundamentar sua posição divergente, a ministra Nancy Andrighi também enfatizou a vulnerabilidade do consumidor em relação aos planos de saúde e o caráter técnico-científico da linguagem utilizada pela ANS na elaboração do rol de procedimentos obrigatórios – a lista, destacou, é atualmente composta por mais de três mil procedimentos e o consumidor não tem condições de analisar com clareza, no momento da contratação do plano, todos os riscos a que está submetido e todas as opções de tratamento que terá à disposição, inclusive para doenças que o beneficiário nem sabe se desenvolverá no futuro.

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