Nesta segunda-feira Goiânia celebra 89 anos. Fundada em 24 de outubro de 1933 pelo governador Pedro Ludovico Teixeira, a área da nova capital do estado foi escolhida, principalmente, por causa dos cursos d’água. De acordo com a Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma), Goiânia possui em seu território 80 córregos, quatro ribeirões e um rio, o Meia Ponte.
Desde o início, o Rio Meia Ponte tem uma relação intrínseca com a cidade por ser fundamental para o abastecimento, pelo potencial hidrelétrico e pela proximidade com a área onde Goiânia foi construída. O ambientalista Ernesto Augustus contou que o governo tinha intenção de transferir a capital da Cidade de Goiás para uma região que fosse mais centralizada e que favorecesse o desenvolvimento.
“Goiás Velho naquela época era uma cidade com muitas montanhas e tinha uma dificuldade enorme para se expandir. Então, se pensou em um novo local que pudesse acolher a capital e esse local foi na região de Campinas. Pedro Ludovico fez alguns estudos na região de Bonfinópolis, de Aparecida, no Ribeirão Santo Antônio e na região do Rio Meia Ponte, que foi a escolhida para a nova capital”, relatou.
A abundância de água e a confluência do Rio Meia Ponte com o Ribeirão João Leite foram fundamentais para a escolha. O superintendente de Operações da Região Metropolitana da Companhia de Saneamento do Estado de Goiás (Saneago), Alexandre de Souza, disse que antigamente as grandes civilizações se instalavam onde tinha boa fonte de água.
“Quando pequena, a cidade era abastecida pelo Ribeirão Botafogo, mas como ela cresceu muito foi necessário partir para mananciais mais robustos. E é onde entra o Meia Ponte e o João Leite. Daí em diante ele passou a ser fundamental e vital para a sobrevivência e para as atividades econômicas da capital”, destacou Souza.
O Rio Meia Ponte é um dos mais importantes de Goiás. Ele nasce na Serra do Brandão, em Itauçu, e abrange mais de 30 municípios ao longo dos quase 500 quilômetros até sua foz no Rio Paranaíba, no município de Cachoeira Dourada. Estima-se que cerca de 50% da população goiana utilize as águas do rio para atividades como de uso doméstico, criação de animais, irrigação e indústrias.
Ernesto Augustus afirmou que Goiânia é a cidade que mais utiliza o rio. Na década de 30, observou-se ainda um grande potencial hidrelétrico nele e que seria importante para o desenvolvimento energético da capital. Por conta disso, foi construída no Rio uma hidrelétrica.
“É uma história viva. Essa usina funcionou até a década de 70 quando foi destruída por conta da poluição do Rio. Então, o Rio tem uma relação muito interessante com a cidade por conta dessa questão da geração de energia elétrica”, explicou o ambientalista.
Usina do Jaó
Da usina atualmente só restam as ruínas. O ambientalista Ernesto Augustus visitou o local e escreveu um artigo para o seu site Guia Ecológico sobre o que viu. O título de seu texto é “Usina do Jaó – patrimônio histórico jogado às moscas”. Ele acredita que a usina não poderia mais funcionar como antigamente porque o espaço foi invadido.
“O lago ocupava uma grande área na região do Setor Jaó, só que a maior parte dessa área foi invadida e não só por pessoas de baixa renda, mas também por pessoas de alta renda. É um espaço que hoje é bem complicado de pensar em voltar a usina, isso é só um sonho, porque é bem complicado mesmo, teria que trabalhar toda essa questão de indenizações”, disse.
O ambientalista afirmou que o prédio da hidrelétrica está abandonado. Augustus relatou que há uma árvore bem próxima que já destruiu parte do telhado e que ainda segue avançando sobre a estrutura. Ele lamentou que uma parte histórica do início da capital seja deixada em ruínas.
“É um patrimônio que não deveria se perder. Ali podemos ver como tudo começou: o trabalho dos operários, os problemas que aconteceram, a história do Clube Jaó, que tinha um lago que eles utilizavam para esportes náuticos. Isso faz parte da história de Goiânia, só que é uma história que está se perdendo por conta desse descaso com um patrimônio histórico”, pontuou.
Desde que a usina foi destruída, o curso d’água do Rio Meia Ponte passou a fluir livremente no local. Augustus avaliou que o potencial da usina ainda existe, porém, seria necessário fazer um novo lago e enfrentar a baixa vazão do rio, que chega a ficar em nível crítico. Além disso, ele apontou que para o tamanho da cidade atualmente seria um potencial pequeno.
“Teria muito menos água para o lago e a gente sabe que a capacidade hídrica dos mananciais de Goiânia diminuíram bastante por causa da destruição de nascentes e desmatamentos. A gente não teria potencial de vazão. De queda tem, mas em termos de vazão para um abastecimento de cidade seria muito pequeno”, contou.
Saneamento e hidrelétrica conviveriam sem problemas no mesmo Rio. O superintendente da Saneago explicou que o setor elétrico não usa a água, mas apenas o potencial hidráulico, que é a força da água para girar uma turbina. Ambientalmente, Alexandre de Souza apontou alguns problemas em manter as ruínas da usina como estão, pois o barramento pode impedir a Piracema e outras medidas mitigatórias precisariam ser feitas. “Tem que fazer um estudo ambiental para saber se elas [ruínas] estão causando algum mal impacto”, disse.
Saneamento
O Meia Ponte continua sendo muito importante para o município de Goiânia. Ernesto Augustus disse que o Rio faz uma diferença enorme no abastecimento da cidade e que se a capital perder essa fonte de água sofrerá com crise hídrica. O ambientalista faz parte da rede de articulação Guardiões do Meia Ponte, que reúne diversos atores sociais no objetivo de recuperar o Rio Meia Ponte.
O grupo trabalha desde 2019 com a meta da Organização das Nações Unidas (ONU) que instituiu a Agenda 2030. Os Guardiões do Meia Ponte elegeram o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6 com o tema Água Potável e Saneamento para guiar suas atividades. Além do abastecimento das cidades por onde corre, o Rio também é usado para esgotar os resíduos sólidos.
O ciclo de utilização do Meia Ponte é o mesmo em todos os municípios por onde ele passa. O ambientalista afirmou que “Goiânia é a cidade que mais degrada o Rio Meia Ponte”. Porém, desde Itauçu, todas os municípios realizam a captação, faz-se o tratamento de esgoto, mas os efluentes são jogados no rio. E também tem empresas em toda sua extensão, que se abastecem e despejam resíduos no Rio. “Existe uma eficiência de 80%, mas ainda assim há impacto. O Rio vai se depurando, mas existe o impacto”, frisou Ernesto.
Segundo o ambientalista, ocorre um esgotamento oficial no rio realizado pela Saneago e outro, clandestino. Ernesto afirmou que existe um acordo entre a Prefeitura de Goiânia e a Saneago para retirar todo o esgotamento do Meia Ponte em 10 anos, prazo que, segundo ele, está no terceiro ano.
“É necessário retirar todo e qualquer lançamento de esgoto do Rio Meia Ponte, sejam os oficiais, aqueles que a Saneago joga e todos sabem, sejam os clandestinos, porque tem pessoas que não conectam o esgoto na rede para evitar custos adicionais. E eles acabam conectando o esgoto na rede pluvial, e então esse esgoto vai para o Rio Meia Ponte e polui”, e completou: “A segunda coisa é construir mais estações para tratamento de esgotos, podem ser estações compactas ou maiores, mas tem que tratar esse esgoto”, cobrou Ernesto.
Apesar do compromisso da Saneago em retirar o esgotamento do rio, Ernesto Augustus disse que falta transparência por parte da empresa em explicar para a população o que já foi feito e que ainda será realizado nos próximos sete anos. A falta de tratamento adequado faz exalar um odor muito forte em pontos da cidade. “É um esgoto a céu aberto de Goiânia. E não só de esgoto, mas de lixo e resíduos sólidos também”, criticou o ambientalista.
De acordo com Alexandre de Souza, a Saneago está realizando obras para melhorar o tratamento. O superintendente de operações da empresa disse que a situação melhorou 90% após a construção da Estação de Tratamento Hélio de Seixas Brito, que fica na Perimetral Norte.
“O odor fica mais concentrado próximo à estação e já não tem aquele avanço que tinha antigamente. Estamos trabalhando em obra, já está bem adiantado e provavelmente no final do ano que vem vai chegar a uma eficiência acima de 90%. Estamos na fase de construção de uma segunda estação de tratamento que vai coletar o esgoto que passa pelo Novo Mundo, que não dá para ir para a Hélio de Seixas Brito.”, contou.
Goiânia e Rio Meia Ponte
A poluição é o problema que mais afeta o Rio Meia Ponte. Cada cidade é responsável pela captação, mas também pelo tratamento do que joga no rio. A má qualidade da água afeta a saúde, o bem-estar e o desenvolvimento econômico de Goiânia. Considerando esse fato, é importante que o município se responsabilize pelo cuidado com o Rio.
“Essa é a realidade da água que temos. Goiânia é a cidade que mais polui o Meia Ponte. O Rio é muito poluído dentro de Goiânia, e é vergonhoso isso. Uma capital rica que vai fazer 89 anos. Existe comemoração para a cidade que cresceu, se desenvolveu, mas para o Rio não tem nada o que comemorar”, disse.
Ernesto Augustus avaliou que a poluição não é um problema difícil de solucionar. Na visão dele, isso se resolve com “vontade política” e cobrança por parte da população. “Se a população acha que o Rio invisível dela que corre pela cidade está bem, os políticos não fazem nada para melhorar. Não adianta, por exemplo, criar uma data no mês de março que se comemora o dia do Rio Meia Ponte. Não fez nenhuma diferença para o atual estado de destruição e abandono do rio”, lembrou.
A data foi criada pela Lei nº 19619/17, que instituiu o 12 de março como o Dia Estadual de Proteção ao Rio Meia Ponte, com o objetivo de incentivar e promover a conscientização sobre a importância de se preservar o Rio.
Alexandre de Souza reforçou que é preciso ter em mente que a água é vida. Ele ainda observou que as pessoas só compreendem essa importância quando falta água em casa e não pode lavar a mão, a boca e nem ir ao banheiro. Além disso, o superintendente da Saneago destacou que a água representa o desenvolvimento econômico de uma cidade.
“Para construir uma casa precisa de água, no processo para se ter a roupa tem água, ela é a verdadeira riqueza que a natureza nos dá. É o leite a natureza. E a gente tem que ver a água como um bem mais precioso que o ouro”, pontuou. Souza ainda destacou que Goiânia está localizada numa região que tem muitas pessoas e que a cidade cresce muito anualmente.
“A cidade está crescendo e nossas ligações crescem a uma taxa de 2% ao ano. Então é assim: mais gente, mais água. E o Rio vai dar mais água se a gente não cuidar? Se esse Rio secasse, para onde a gente iria? Não iria ter aula nas escolas, os hospitais não iriam tratar os enfermos. Essa é a importância da água e a gente só vê quando não tem mais. A água é mais que mercadoria, é saúde, é desenvolvimento econômico e é um presente da natureza”, destacou.
Leia mais:
- Lago do Ribeirão João Leite pode ser usado para atividades de lazer
- MP-GO aponta ineficiência do Estado no possível uso recreativo do João Leite
- “Visitação vai promover a educação ambiental”, diz secretária sobre lazer no João Leite
Souza detalhou que Goiânia foi primeiro abastecida pelo Córrego Botafogo, depois foi construída a estação do João Leite, e em seguida pelo Meia Ponte e o rio então passou a abastecer a maior parte da cidade. Atualmente, segundo ele, a barragem do João Leite abastece em torno de 60% da cidade e o Meia Ponte cumpre o restante.
Para o ambientalista Ernesto Augustus, os goianienses estão em falta com o rio, porque a razão da existência da cidade é por conta dele. “Alegar a ele esse esquecimento, essa invisibilidade, é cruel”, afirmou. Segundo ele, a relação das pessoas que moram em Goiânia com o Meia Ponte deveria ir além do abastecimento de água, mas a cidade se distanciou do rio.
“Eu não vejo integração nenhuma do Rio Meia Ponte com a cidade de Goiânia. Eu tive a oportunidade de navegar o rio em julho de 2020 e para quem estava comigo na expedição foi um choque, a gente ficou triste e muito chocado com a realidade que a gente viu, porque é um rio que fica dentro de Goiânia”, contou.
Assista no vídeo: O Rio Fantasma – uma curta expedição pelas águas do Rio Meia Ponte
O ambientalista lamentou a dificuldade de acesso e visibilidade ao Rio por falta de pontes. Ainda destacou que o Rio Meia Ponte começou a ser poluído há 50 anos e, por causa disso, não pode ser utilizado para recreação e lazer.
“Em Goiânia, as pessoas não olham, não constroem casas viradas para o Rio. Imagina se tivessem bistrôs e bares próximos para contemplar o Rio, como existe em capitais europeias e em Brasília, com o Lago Paranoá. Por que não se faz isso? Goiânia teria muito a ganhar deixando o Rio limpo, gastaria para limpar e depois teria um retorno financeiro muito maior. Já passou da hora de tratar o Rio com o respeito que ele merece”, observou.
Além das margens do Rio, a limpeza poderia proporcionar aos goianienses a oportunidade de praticar esportes aquáticos em águas naturais da cidade. “Seria possível utilizar o Rio Meia Ponte para atividades náuticas, natação, banho, recreação e até para a pesca. Imagina um Rio limpo correndo na nossa cidade? Poderia servir para lazer. E as pessoas poderiam sentar de frente para o Rio e contemplar”, imaginou Ernesto.
Leia mais: