Foto: Mauro Pimentel/AFP

Há um ano, no dia 25 de janeiro de 2019, exatamente às 12h28, acontecia umas das maiores catástrofes do Brasil. A barragem um da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), desabava soterrando tudo o que havia pela frente, máquinas, casas, carros, animais e plantações foram varridas pela enxurrada de rejeito de minério de ferro. Foram registradas 270 mortes. Na conta das famílias, porém, incluindo os bebês que ainda estavam na barriga das mães, 272. 11 pessoas ainda continuam desaparecidas.

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Imagem mostra lama de rompimento de barragem em MG — Foto: Corpo de Bombeiros/ Divulgação

Na manhã deste sábado (25), o centro de Brumadinho parou para homenagear os mortos no desabamento da barragem da Vale. Foram distribuídos entre familiares e amigos das vítimas centenas de balões vermelhos e brancos com a frase “Dói demais o jeito que vocês foram embora”. No horário em que a barragem caiu, os familiares fizeram um minuto de silêncio e então foram lidos os nomes de todas as 270 vítimas.

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Foto: Germano Lüders/EXAME

Mesmo passando um ano da tragédia, para muitos o que aconteceu ainda parece ter sido recente, o clima em Brumadinho é de espera e busca por justiça. “É como se fosse dia 25 todo dia. Todos os dias espero o meu marido voltar”, afirma Gisele Queiroz Gonçalves, de 39 anos. “Meu filho de 7 anos ficou agitado, não quer que eu saia de perto dele. Pouco tempo depois da tragédia ele viu a foto do meu marido na televisão e achou que ele estivesse vivo. Foi muito difícil”, relatou. 

No Parque da Cachoeira, um dos bairros mais atingidos, a lama continua exposta e invade as casas que antes ficavam na beira do rio. Boa parte delas não tem mais portas ou janelas. Quem continua vivendo ali, reclama de falta de acesso à água. A Vale distribui água potável, mas não é suficiente.

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Foto: Wellington Ramalhoso/UOL 

No comércio, a apreensão é sobre o que será da cidade quando o movimento em torno da barragem rompida acabar. O exemplo de Mariana assusta. Foi lá que a barragem da Samarco se rompeu em 2015. Sem a atividade da mineradora, o município chegou a ter taxa de desemprego em 30%.

Josiane Melo, de 38 anos, engenheira civil da Vale, está de licença desde o rompimento da barragem, pois perdeu a irmã, sobrinha e amigos de 15 anos de carreira. “Hoje me sinto sem irmã, sem sobrinha, sem meus amigos, meus colegas de trabalho, sem minha carreira profissional e sem emprego. Estou de licença, mas não tenho condições de retornar”, diz.

Josiane é presidente da Avabrum (Associação dos Famíliares de Vítimas e Atingidos da Tragédia do Rompimento da Barragem Mina Córrego Feijão Brumadinho), a associação criada para reunir familiares e vítimas da tragédia, que é idealizadora do memorial em homenagem às vítimas. O memorial será construído em um sítio comprado pela Vale, próximo ao campo de futebol onde eram colocados os corpos resgatados da lama pelos Bombeiros e à igreja que funcionou como primeiro ponto das equipes de resgate.

A previsão é que no próximo mês os familiares escolham em assembleia entre os quatro projetos feitos por empresas contratadas pela Vale. Os familiares querem que o local sirva como espaço de memória, que conte a história do desastre, das vítimas, mas também funcione como lugar de paz para quem ficou.

Neste momento, paz é a principal coisa que os moradores precisam, porém, é o mais difícil de conseguir. As lembranças, as perdas ficaram marcadas para quem presenciou tudo de perto. Agora, as pessoas sofrem com crises de ansiedade e têm dificuldades para dormir. O consumo de ansiolíticos cresceu 79% e o de antidepressivos aumentou 56%. Foram 47 tentativas de suicídio em 2019 e três suicídios consumados. O número de atendimentos de saúde na cidade aumentou 40% e o município precisou criar três Unidades Básicas de Saúde. A equipe de saúde mental foi de 15 para 39 pessoas.

Segundo dados da prefeitura, a cidade registra um aumento de 400% na demanda por atendimento em saúde mental no sistema público de saúde. Natália de Oliveira perdeu a irmã, Lecilda de Oliveira. Até hoje, vive a angústia de não encontrar o corpo da irmã e não poder encerrar um ciclo com o sepultamento. “Todas essas joias encontradas no decorrer do tempo, por um instante, eu pensei que poderia ser ela. Então, a gente vive essa expectativa no dia a dia”, diz Natália. “Joias” é como as famílias se referem aos restos mortais das pessoas que morreram naquele 25 de janeiro. Para sobreviver, Natália conta que está fazendo tratamento com psiquiatra e com psicólogo. “Agora pra dormir a gente tem que tomar remédio, pra gente acordar e pra gente viver.”

A Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), a pedido do Ministério da Saúde, vai monitorar as alterações nas condições de saúde dessa população a curto, médio e longo prazo. “A hipótese principal é que essa população vive o que a gente chama de estresse pós-traumático”, afirma o pesquisador da Fiocruz Sérgio Viana. De acordo com ele, existe uma alteração no perfil imunológico, na qualidade de vida e na saúde mental dessas pessoas.

Gastos em Brumadinho

A Advocacia-Geral da União (AGU) informou que a mineradora Vale pagou R$ 13,8 milhões de indenização ao governo federal pelos gastos com as operações de nove órgãos que atuaram após o rompimento da barragem. Segundo a AGU, um acordo extrajudicial foi feito com a empresa.

Os gastos foram feitos pelos ministérios da Justiça e Segurança Pública, da Agricultura, Pecuaria e Abastecimento, do Desenvolvimento Regional, de Minas e Energia, da Defesa e da Saúde, além do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes (ICMBio), entre  outros órgãos.

De acordo com a AGU, os gastos com benefícios do Instituto NacionaI do Seguro Social (INSS) que estão sendo pagos aos parentes das vítimas serão cobrados em outra ação contra a Vale.

Vale recupera valor de mercado

Um ano depois, a Vale conseguiu recuperar a confiança dos investidores, mitigou boa parte do impacto financeiro da tragédia e caminha para um 2020 de fortes resultados. A alta dos preços do minério, a demanda aquecida da China e a produção a baixo custo da mineradora foram fundamentais para a empresa conseguir abrandar rapidamente os efeitos da tragédia.

Logo após o desastre, a reação no mercado financeiro foi imediata. As ações da mineradora caíram bruscamente diante da incerteza quanto ao tamanho do impacto na operação da empresa. “As ações obviamente despencaram porque não poderia nem ser considerado acidente, já que aconteceu pela segunda vez”, diz a analista Gabriela Cortez, do Banco do Brasil, que acompanha as ações da mineradora, em referência ao rompimento da barragem da Samarco em Mariana, em 2015. A Samarco pertence à Vale e à anglo-australiana BHP Billiton.

As perdas na bolsa chegaram a mais de R$ 70 bilhões nos dias que se seguiram à tragédia. Mas cerca de três meses depois, boa parte desse valor foi recomposto. Em 25 de janeiro de 2019, no dia do rompimento da barragem, o valor de mercado da Vale era de R$ 287,8 bilhões. No pior momento, em 7 de fevereiro, chegou a R$ 213,2 bilhões e, na última sexta-feira, estava em R$ 275,9 bilhões.

gxaqt-valor-de-mercado-da-vale-3-.jpgFoto: Arte/G1

“O mercado penalizou a companhia num primeiro momento, mas houve uma alta no preço do minério de ferro”, diz Pedro Galdi, analista de investimentos da gestora Mirae. “E o mercado financeiro não tem coração, se o papel ficou barato, (o investidor) compra de novo.”

Moradores 

Se para a companhia a maior parte do impacto já foi mitigada, para a população de Brumadinho as marcas da tragédia ainda são latentes e muitas perguntas permanecem sem respostas. Além das 11 famílias que ainda aguardam para poder enterrar seus entes, são vários os relatos de sobreviventes que se queixam falta de assistência da companhia, enfrentam depressão e distúrbios psicológicos, e buscam por justiça. Até hoje, ninguém foi preso ou responsabilizado.

Justiça 

Embora a Vale tenha recuperado o seu valor de mercado, a mineradora enfrenta imbróglios com a Justiça. Nesta semana, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) denunciou o ex-presidente da companhia Fabio Schvartsman e mais 15 pessoas pelo crime de homicídio doloso, aquele em que não há a intenção de matar. Elas também vão responder por crime ambiental, assim como a Vale e a empresa de engenharia TÜV SÜD, que havia atestado a segurança da barragem.