Enquanto o governo federal discute a implementação de um polo agrícola na confluência entre Amazonas, Acre e Rondônia, denominada Amacro, o desmatamento nos municípios dessa área continua a avançar, representando atualmente 76,5% do total da área devastada nos três Estados entre 2018 e 2022. Essa conclusão é extraída de um estudo recentemente publicado na revista científica Perspectives in Ecology and Conservation.

Segundo os dados da pesquisa, desde que foi comunicada a intenção de estabelecer uma zona de desenvolvimento sustentável (ZDS) em 2018, a região tem testemunhado um aumento nas taxas de desmatamento. Esse fenômeno é impulsionado pela especulação fundiária, extração ilegal de madeira e a conversão da floresta em pastagens e áreas agrícolas.

Os cientistas utilizaram dados oficiais baseados em sensoriamento remoto para analisar uma extensão de aproximadamente 454 mil quilômetros quadrados, equivalente a um pouco mais do território da Suécia. Esta área inclui 32 municípios na fronteira entre o sul do Amazonas, leste do Acre e noroeste de Rondônia, sendo apelidada de “o novo arco do desmatamento”. Estima-se que essa região seja o lar de cerca de 1,7 milhão de pessoas e está prevista para abrigar a ZDS Abunã-Madeira, atualmente em fase de planejamento e articulação.

“Quando estava fazendo pós-doutorado no Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais], analisava a expansão da fronteira agrícola no Cerrado. Porém, foi possível notar que havia uma dinâmica de avanço também na Amazônia, especialmente naquela região. Fomos então tentar entender o que estava acontecendo por ali e chegamos a esse cenário de especulação fundiária e pressão intensa”, diz à Agência FAPESP o pesquisador Michel Eustáquio Dantas Chaves, primeiro autor do artigo e professor na Universidade Estadual Paulista (Unesp), no campus de Tupã (SP).

Imagens de satélite

Anteriormente, Chaves liderou um estudo que demonstrou a eficácia da utilização de imagens de satélite da missão Sentinel-2 para detectar o avanço da fronteira agrícola, um dos principais impulsionadores das mudanças no uso da terra.

As taxas de desmatamento na Amazônia Legal brasileira têm aumentado gradualmente na última década, atingindo um pico anual de 13.038 km² em 2021, a maior taxa desde 2006, conforme dados do Projeto de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (Prodes) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). No entanto, houve uma redução significativa em 2022-2023, quando a área desmatada diminuiu para 9.001 km², representando uma redução de 22% em comparação com o período anterior.

Analisando as categorias de terras, os pesquisadores observaram que o desmatamento foi mais prevalente e crescente em terras privadas, mas também se expandiu de forma alarmante em Unidades de Conservação (UCs) entre 2018 e 2022.

Além disso, terras públicas, que abrangem uma grande parte da área de zoneamento, incluindo reservas extrativistas e Terras Indígenas (TIs), também enfrentaram pressão e ameaças. Em 2021, por exemplo, 64% do desmatamento ocorreu nessas áreas. A região abriga 86 Unidades de Conservação, 49 TIs e aproximadamente 94 mil quilômetros quadrados de florestas públicas não designadas.

Preocupação

Os cientistas expressam preocupação com a ausência de estudos de impacto ambiental e políticas públicas socioambientais para proteger as comunidades tradicionais, levantando dúvidas sobre a viabilidade e sustentabilidade do projeto em andamento.

“Sabemos da importância da criação de uma zona de desenvolvimento, principalmente para que moradores de fora dos grandes centros tenham acesso a condições de trabalho e de crescimento, podendo produzir. Mas é preciso ter governança, garantindo que a produção obedeça às leis, gere renda e se transforme em desenvolvimento para a região, não somente exploração”, avalia o pesquisador Marcos Adami, da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática, do Inpe, e autor correspondente do artigo.

O estudo também contou com a participação de Ieda Sanches (Inpe), Katyanne Conceição (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará) e Guilherme Mataveli (Inpe/University of East Anglia) e recebeu apoio da FAPESP por meio de quatro projetos.

Chaves lembra que a proposta de criação da zona “nasceu” com foco na produção de soja, por isso chegou a ser chamada de “Matopiba do Norte”, em referência à fronteira agrícola que abrange Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, onde há aumento da abertura de áreas de vegetação nativa para conversão em pasto e plantio de grãos.

No site da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) a criação da ZDS Abunã-Madeira é descrita como uma proposta que visa fomentar o desenvolvimento socioeconômico “potencializando as vocações locais de bioeconomia, circuitos produtivos agrossustentáveis (fruticultura, piscicultura, agronegócio) e ações multissetoriais (infraestrutura, logística, turismo, capacitação, pesquisa)”. Também diz que pode servir de projeto-piloto para outras regiões da Amazônia.

Procurada, a assessoria da Sudam – indicada pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional para falar sobre o assunto – não retornou aos contatos da Agência FAPESP.

Histórico

Apesar do boom após 2018, o desmatamento tem crescido na região desde 2012, segundo a pesquisa, coincidindo com um período de crise econômica e enfraquecimento da regulamentação ambiental no Brasil. Entre 2012 e 2020, 5,2% da área da ZDS Abunã-Madeira sofreu conversão para usos antrópicos do solo, principalmente de floresta para pastagem (78%).

Em valores absolutos, o desmatamento aumentou em todas as classes fundiárias, mas de forma mais intensa nas UCs – especialmente desde quando o projeto da ZDS foi anunciado. Nos assentamentos rurais, a maior taxa registrada (625,56 km², 2021) ficou acima da média entre 2012 e 2020 (341,20 km²).

O estudo utilizou dados do Prodes, considerado a ferramenta mais precisa para estimar as taxas anuais de desmatamento na Amazônia, com o monitoramento por corte raso, e mantendo a metodologia desde 1988. Foram combinados com informações geográficas, do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef).

Para Felipe Gomes Petrone, mestrando em sensoriamento remoto do Inpe e coautor do trabalho, “somente definir as zonas de desenvolvimento agrário sem que haja avaliações de impacto socioambiental e políticas públicas pode levar a mais prejuízos do que avanços para o setor agroambiental”.

“O agricultor precisa ser o grande aliado da proteção ambiental, já que a produtividade melhora e avança com a conservação de vários fatores da natureza, que fornece chuva, ciclagem de nutrientes, polinização e outros. Perturbar a regulação climática e o ciclo da água útil para a produção agrícola em estados produtores relevantes pode gerar perdas bilionárias”, avalia Adami.

De acordo com o grupo, é preciso que a iniciativa contemple uma produção agrícola diversificada e as devidas salvaguardas ambientais, além de estratégias de valorização do potencial produtivo e da floresta em pé.

*Com informações da Agência Fapesp

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis

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