Em 2003, um ano antes de findar a gestão do Professor Pedro Wilson Guimarães (parêntese para dizer que se trata de um dos mais honrados homens públicos de todos os tempos), como prefeito de Goiânia, liguei diretamente pra ele e pedi uma audiência: – “Quer uma entrevista exclusiva?”, quis saber o prefeito. – “Não. Quero falar sobre a história de Goiânia e pedir sua intervenção para a preservação de um patrimônio. Ele disse que mandaria a assessoria olhar na agenda e me atenderia ainda dentro daquela semana.

A ligação ocorreu tão logo cumpri uma pauta no Estádio Antônio Accioly, que estava com a decretação judicial definida para que fosse demolido pela prefeitura, por abandono do proprietário e por ter se transformando no maior “mocó” do Estado, um dos maiores do Brasil. Fui cumprir a pauta para ver a veracidade dos fatos e vi.

Realmente a situação era degradante. Na chegada da equipe de reportagem, composta por mim, o cinegrafista Ricardo Batterby, o auxiliar Lindomar Rosa e o motorista João Guilarducci, um grupo que negociava droga, logo na entrada pela Rua P-25, deixou o local e um outro maior (umas 30 pessoas) também saiu por um buraco no muro lá nos fundos, pela Rua 506.

Era chocante ver aquilo. Eu que já havia visto aquele estádio cheio, sediando grandes jogos, via agora uma matagal onde era o gramado, sem traves, sem postes de iluminação e com acúmulo de lixo por todo o espaço entre o gramado e os lances de arquibancadas.

Nos cômodos das edificações que resistiram ao tempo, seringas, cachimbo para queimar a pedra de crack e minúsculas bitucas de maconha. Tinha ainda frascos vazios de lança perfume e uma garrafa daquelas grandes que vem com sucos de uva, por meio de um chá amarelado, com pedaços de cogumelos misturados ao líquido.

Nas galerias das arquibancadas tinham alguns colchões velhos, vários pedaços de papelão, trapos de cobertores e algumas peças de roupas.

Um pouco na frente deste local que concluí ser o dormitório dos “mocozados”, era uma nojeira só, com fezes boiando na urina. Corós podiam ser visto sobre aquela imundície toda. Por isto o local era fétido.

Ouvi a vizinhança que havia feito a denúncia que culminou com a ordem judicial para a derrubada do Estádio. Fui informado que os roubos e assaltos haviam virado rotina nas imediações, que um estupro havia sido cometido lá dentro.

A reportagem ainda deve existir nos arquivos da TV Brasil Central. Mostrei tudo e ilustrei com as entrevistas dos moradores. Antes de retornar para a TBC, saí da pauta. O motorista da equipe, senhor João Guilarducci, grande amigo que é atleticano se dirigiu a mim: – “Você vai levar esta reportagem com estas cenas e mostrar na televisão?”.

Respondi que sim e ele sugeriu que pelo menos eu fizesse um “povo fala” – quando o repórter aborda quem vai passando colhendo opiniões sobre um tema ou acontecimento.

Atendi. Ouvi oito pessoas pelas ruas de Campinas sobre a demolição do velho Accioly. Todos lamentaram, mas concordaram que a situação exigia a providência. Quatro anos atrás um grupo irresponsável se uniu para formar uma diretoria para concorrer nas eleições do Atlético. O então presidente Odilon Soares foi convencido pelas propostas mirabolantes de muito investimento no Clube (o dinheiro viria do jogo do bicho, já que um dos que estavam na chapa comandava esta contravenção em Goiás) e concordou em não concorrer à reeleição, desde que pudesse ficar com os passes de alguns jogadores (naquela época os clubes tinham posse sobre os jogadores e esta posse era chamada de passe) para retirar os muitos mil reais que havia investido no Atlético.

A chapa aprovou e tão logo tomou posse entregou ao honrado e saudoso Odilon Soares todos os passes de jogadores com valor no mercado. Nomes como Lindomar, Babau, Romerito, Oscar, estavam nesta lista. Os outros foram dispensados. Um time com jogadores amadores vindos de todas as partes do Brasil, foi montado e assim a folha de pagamento caiu vertiginosamente. A verdadeira intenção deste grupo era se apossar da área do estádio, para construção de um shopping: eles e um consórcio de construtoras seriam os donos e o Atlético Clube Goianiense seria indenizado com o direito à renda do estacionamento do shopping por 10 anos. Um absurdo… um assalto.

O que este grupo não sabia é que um dos sócios fundadores do Atlético Clube Goianiense ainda estava vivo. Vivo e lúcido. E o estatuto do Clube dava a qualquer sócio fundador o direito de embargar qualquer negócio feito pela diretoria, desde que isto fosse prejudicial ao Atlético.

O negócio foi fechado com as construtoras, a diretoria (formada pela gangue) aprovou e o sócio fundador, senhor Omar do Carmo (de muita saudosa memória) entrou em ação. Foi à Justiça e embargou o negócio. A gangue esperneou, mas não teve como reverter o que estabelecia o estatuto, muito bem feito e registrado, já que dois cartorários participaram da elaboração e do registro: Antônio Accioly e Valdir Sampaio.

Ao ver a tentativa do golpe frustrar, a tal diretoria vendeu o que deu para ser retirado do estádio – traves, redes, uniformes, estoque de bolas e chuteiras, sistema de iluminação e outras coisas mais e desapareceu. Foi assim que iniciou a transformação do Accioly em “mocó”.

Além de fazer a principal reportagem do dia, eu era também o âncora do telejornal, que ia ao ar entre 11h45 e 13h (Jornal Brasil Central). Após a veiculação da reportagem e dos depoimentos colhidos no povo fala, fiz um comentário. Me esforcei para ser só profissional e fui. Mas mostrei que aquele patrimônio campineiro, que fazia parte da história de Goiânia não poderia ser demolido, mas recuperado. Como os diretores do Atlético haviam desaparecido, a determinação judicial para a demolição seria encaminhada ao prefeito da cidade e decidi me antecipar a notificação – por isto procurei meu ex-professor e amigo, Pedro Wilson Guimarães para pedir pelo Atlético.

Fui só e o prefeito, digno como é, me recebeu só, um dia após minha solicitação. Quando expus a situação e pedi em nome do futebol goiano, dos campineiros e dos atleticanos, que a prefeitura contestasse a determinação judicial, apelando para a importância do patrimônio histórico que o Accioly significava (ainda significa) o prefeito me tranquilizou: “Concordo com você. Vou tentar primeiro um acordo com o juiz, fazendo o compromisso do poder público municipal cuidar e vigiar o local, até que algum representante legal do Atlético apareça e assuma o patrimônio”.

Tudo foi feito silenciosamente. Na outra semana as máquinas e os homens da Comurg já estavam limpando a área no Accioly, aquela nojeira debaixo das arquibancadas foi lavada, a PM convocada para retirar de lá os traficantes e usuários de drogas e a Guarda Municipal passou a vigiar o lugar.

Por que passos não sei, mas sei que o empresário Wilson Carlos assumiu a presidência do Clube, de forma legal, propôs refazer o Estádio e entregar para uma nova diretoria montar o time outra vez. Assim foi feito, depois do Wilson Carlos, Valdivino José de Oliveira reassumiu a presidência e começou a reconstrução do time, reestruturação do Clube, em 2005, com a contratação de Adson Batista para ser o responsável pela montagem do novo elenco que deveria disputar a Segunda Divisão e se fosse um dos dois primeiros colocados, voltaria à Primeira Divisão do futebol goiano. O resto da história de conquistas após 2005 todos já sabem.

Foi por isto que me emocionei quando a excepcional repórter Nathália Freitas mostrou ao vivo, no Sistema Sagres de Comunicação o novo Estádio Antônio Accioly, concluído recentemente com toda a pompa e funcionalidade, toda beleza e imponência.

Este filme que apresentei, passou pela minha cabeça. Eu evitei que o Estádio fosse demolido. Eu não, o ex-prefeito Pedro Wilson Guimarães, amante do futebol que foi meio-campista habilidoso nos juniores do Goiás, sensato e sensível como gestor público não deixou o Accioly ser demolido.

Se tudo aquilo não tivesse ocorrido, os momentos emocionantes desta quinta-feira (26), dia 26 de novembro de 2020, não teriam sido vividos.

Ao Professor Pedro Wilson que nunca usou isto para se beneficiar na sua militância política, fica registrada a gratidão em nome do futebol goiano, do povo campineiro e dos torcedores do Atlético.