ANA BOTTALLO, LETÍCIA PADUA E CLEITON OTAVIO SÃO PAULO, SP, E SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – As bolsas para financiar projetos de pesquisa multidisciplinares cresceram 166% em 11 anos no país, passando de 3.912, em 2010, para 10.444, em 2021.
Outras áreas que tiveram crescimento expressivo foram as ciências sociais (118%, de 4.140 para 9.042 bolsas), ciências da saúde (71%, de 8.327 para 14.246) e ciências humanas (66%, de 8.281 para 13.763).
Por outro lado, letras é a área com o menor número de bolsas concedidas, 4.773. Em 2010, esse número era de 3.227 bolsas.
Os dados se referem às bolsas da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), ligada ao Ministério da Educação, e CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação, levantados pela reportagem a partir de informações do Portal da Transparência, das plataformas Dados Abertos e da ANPG (Associação Nacional dos Pós-Graduandos).
Os auxílios da Capes e do CNPq são federais e estão incluídos nos orçamentos desses ministérios. Não foram incluídas bolsas de financiamentos estaduais, como as Faps (fundações de apoio à pesquisa dos estados).
Apesar do aumento de financiamento de pesquisas em algumas áreas, a quantidade de bolsas concedidas anualmente e o orçamento dos dois órgãos caiu nos últimos oito anos, passando de mais de R$ 8,3 bilhões, em 2014, para cerca de R$ 2,7 bilhões, em 2021 (em valores corrigidos pela inflação).
A restrição orçamentária ameaça projetos que se relacionam, por exemplo, à emergência climática ou ao combate a futuras pandemias, dois dos principais desafios do século 21, explica a economista Monica De Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins e mestre em Imunologia e Microbiologia pela Universidade Georgetown.
“São temas altamente conectados e multidisciplinares. A ciência hoje é entrelaçada, e o financiamento à pesquisa não é mais aquele de um único projeto para identificar tal molécula em laboratório, são várias linhas de pesquisa que são financiadas concomitantemente”, afirma.
De acordo com ela, os cortes orçamentários, como o contingenciamento recente de verba no MEC que prejudicou milhares de bolsistas de pós-graduação, afetam essas pesquisas em andamento e ameaçam a sua própria continuidade.
O governo Bolsonaro liberou parte da verba na última semana. No entanto, a situação gerou extrema ansiedade e angústia nos pesquisadores que viveram um cenário de incerteza. “Mesmo que o governo tenha voltado atrás, isso pode resultar, no futuro, que mais pesquisadores desistam de suas pesquisas, ou por não terem acesso mais ao financiamento ou porque sem o reajuste se tornou extremamente penoso manter a pesquisa com baixa remuneração”, diz.
Os cortes na ciência são um dos principais motivos para a chamada fuga de cérebros nos últimos anos no país, quando pesquisadores brasileiros, cansados de lutar para fazer ciência no país, buscam uma melhor qualidade de vida e valorização do trabalho no exterior.
De Bolle ainda critica o que é uma aparente falta de compreensão da importância de valorização da ciência como política de desenvolvimento no país. “Não há nenhum esforço para entender, por exemplo, que se você interromper um projeto de pesquisa, dependendo de qual for, todos os resultados vão por água abaixo, então você não tem só corte orçamentário, você tem desperdício daquele dinheiro que já foi investido”, alerta.
Outra contradição do atual governo é que, embora os cortes tenham sido maiores na ciência e no ensino superior em geral nos últimos quatro anos, houve uma ação estratégica de incentivo a projetos multidisciplinares.
“Foram definidas áreas estratégicas no governo Bolsonaro para o desenvolvimento do país, incluindo as ciências sociais e humanas, e sabemos que essas áreas são hoje exemplo de como um trabalho multidisciplinar ajuda a ter uma resposta mais ágil e direcionada, como o que foi visto na pandemia”, explica a cientista política e coordenadora da Rede de Pesquisa Solidária em Políticas Públicas e Sociedade, Lorena Barberia.
Porém, ela vê um sinal trocado quando são feitos os cortes no orçamento voltado à pós-graduação no país. “No Brasil, a sociedade entende que é algo menos relevante, que podemos viver sem, e não existe uma valorização ou um entendimento do papel fundamental dos cientistas na geração de conhecimento”, afirma.
Essa visão afeta o reajuste das bolsas, que não ocorre desde 2013, nem mesmo dentro do valor corrigido pela inflação. “Não está tudo bem quando um pesquisador, um estudante de pós-graduação, que dedica a sua vida exclusivamente para fazer pesquisa de ponta, estar vivendo no limite da pobreza, sem capacidade de se manter no mês, muitas vezes tendo de desistir, largar a pesquisa para conseguir um trabalho mais sustentável. É muito triste”, diz.
A desigualdade atinge também a própria distribuição de bolsas no país. Enquanto estados das regiões Sul e Sudeste concentram as regiões com a maior proporção de bolsas por milhão de habitantes, o Norte e Nordeste são os mais afetados pela falta de financiamento.
“Em uma sociedade tão desigual como a nossa, é importante enfatizar que as universidades são espaços democráticos, onde todos têm o direito de trabalhar e de estudar. Trazer alunos de diferentes rendas e partes do país que trabalham para um bem comum ajuda, na prática, a resolver muitas questões que ainda não conseguimos solucionar”, diz Barberia.
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