O Brasil e o mundo vivem uma segunda pandemia, agora de saúde mental. O relatório anual do Estado Mental do Mundo, encomendado pela Sapien Labs e divulgado em março de 2023, mostrou o Brasil como o terceiro país no ranking dos que têm o pior índice de saúde mental. A lista contava com 64 nações habilitadas para internet e os brasileiros só ficaram abaixo da África do Sul e do Reino Unido. Ainda segundo a pesquisa, porém, uma em cada três pessoas no Brasil disseram ter mais de um sintoma relacionado a transtornos mentais. O trabalho não é imune à estatística.

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Muitos desses indícios, contudo, ocorrem pelas rotinas estressantes dos empregos. A síndrome de burnout, também conhecida como síndrome do esgotamento profissional, recebeu classificação pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como doença ocupacional, garantindo que o empregado diagnosticado receba tenha os mesmos direitos trabalhistas e previdenciários pelo diagnóstico de outras doenças e acidentes decorrentes do trabalho.

Em entrevista à Sagres, a psicóloga especialista em Saúde Mental do Trabalhador e CEO da Mental Clean, Fátima Macedo, enumera condições que podem prejudicar a saúde mental e emocional no ambiente de trabalho.

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“Cargas de trabalho excessivas, relacionamentos abusivos, questões como assédio moral, sexual, falta de clareza de papéis e responsabilidades, falta de autonomia, metas abusivas fatores desencadeantes de um estressor. Esse estressor leva a um estresse ocupacional, que é o estresse relacionado ao trabalho. Quando isso se torna muito intenso, duradouro, pode levar ao Burnout”, afirma.

Fatores de proteção

Fátima Macedo é especialista em saúde mental no trabalho (Foto: Sagres Online)

De acordo com a psicóloga, os fatores de proteção é que tornam o ambiente de trabalho mais salutar quando o assunto é saúde mental. Segundo Fátima Macedo, o papel e apoio da liderança são fundamentais.

“Dimensionamentos adequados de equipe, reconhecimento, valorização desse trabalhador, quando ele tem autonomia, espaço de fala, diversidade é respeitada. Há ainda a segurança psicológica, quando o local de trabalho é um local em que as pessoas podem ser quem elas são, podem expressar as suas opiniões, o erro é tratado como oportunidade de desenvolvimento, de crescimento”, argumenta.

Pré e pós-pandemia

Entre 2013 e 2019, ou seja, antes da pandemia, a população mundial cresceu em torno de 7%. Já os transtornos mentais, de acordo com a OMS, neste mesmo período, cresceram 43. Com a Covid-19, esse número sobe mais 25%.

“A questão do medo, do isolamento, tudo que permeou a pandemia e que não foi pouco. Há também as perdas. Muitas pessoas perderam parentes, amigos. Durante a pandemia muitas pessoas também adoeceram e, após a pandemia, há ainda a questão de quem teve sequelas emocionais também”, afirma.

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A pandemia, no entanto, segundo Fátima Macedo, não trouxe apenas pontos negativos para a saúde mental do trabalhador. “Se por um lado a pandemia trouxe um adoecimento muito maior, por outro ela colocou luz em uma temática que nós especialistas já vínhamos sinalizando o quanto era necessário discutir mais a saúde mental, principalmente no ambiente de trabalho. A pandemia abriu portas para essa possibilidade”, avalia a psicóloga.

Mães

Apoio de lideranças é essencial para saúde mental no trabalho (Foto: SHVETS production/Pexels)

Ainda de acordo com a psicóloga, as mulheres, principalmente as que possuem filhos, sofrem uma carga redobrada. Para elas, os níveis de ansiedade e depressão no trabalho são sempre maiores em relação aos homens.

Conforme Fátima Macedo, nesse sentido, conhecer a realidade da trabalhadora é essencial por parte da liderança.

“As prefeituras nem sempre conseguem suprir a quantidade de vagas necessárias [nas creches e escolas]. Então essa mãe depende de sua rede de apoio. E depende, também, de que esse ambiente de trabalho seja atento às suas necessidades de mãe trabalhadora. O filho pode sim adoecer, ela precisa dar atenção a questões de escola, tem reuniões, isso precisa ser considerado. É muito importante que a sua liderança conheça a sua realidade”, afirma. “Ela tem uma carga de trabalho aumentada sim, ela tem uma preocupação muito maior e muitas mulheres têm uma tendência também de trazer para si essa condição, de ter dificuldade de pedir ajuda”, complementa.

Fátima Macedo reforça, todavia, que o conhecimento sobre a saúde mental é importante, pois nem sempre o trabalho é o real causador do problema.”Quando a causa está totalmente relacionada ao trabalho, então aí a gente tem o ambiente de trabalho como grande responsável. A empresa, a liderança. Mas quando o adoecimento mental é multicausal, a responsabilidade é de todos nós, muitas vezes até de uma família que pode estar envolvida no processo do adoecimento”, avalia.

Produtividade e saúde mental

Segundo a psicóloga, a produtividade e a inovação nas empresas resulta de equipes que se sentem bem emocionalmente. Além disso, as organizações podem e devem propiciar um ambiente saudável de trabalho aos seus colaboradores.

“Boa saúde mental e aumento da produtividade são sinônimos. Um trabalhador satisfeito com seu ambiente de trabalho, está conectado com a proposta da empresa, ele está bem e tem o seu bem-estar preservado, consegue conciliar a sua vida pessoal com seu trabalho ele produz muito mais”, conclui.

*Esse conteúdo está de acordo com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU 03 e 08 – Saúde e Bem Estar e Trabalho Decente e Crescimento Econômico, respectivamente

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