Em um rompimento com a visão anteriormente aceita de uma Amazônia pouco habitada, recentes pesquisas arqueológicas lançam luz sobre um passado dinâmico e próspero na região. O arqueólogo Neves lidera essa mudança de paradigma, destacando a descoberta de cidades antigas e a influência humana na moldagem da paisagem amazônica.

“A presença humana na Amazônia remonta há mais de 8 mil anos. Em alguns lugares, temos evidências de povoamento há 13 mil anos. E a população total da Amazônia, no início do século 15, antes da chegada dos europeus, pode ser estimada em cerca de 10 milhões de pessoas”, diz Eduardo Neves, professor titular de arqueologia brasileira e diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP).

Em uma conferência realizada na última sexta-feira (22), Neves apresentou os resultados de escavações que revelaram vestígios urbanos ocultos pela densa vegetação da floresta, em entrevista a José Tadeu Arantes, da Agência Fapesp.

Eduardo Neves, diretor do MAE-USP (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)

“O que descobrimos nos últimos anos que mudou nossa visão sobre o passado da Amazônia foi, primeiro, a antiguidade da presença indígena. Segundo, que a região foi um centro independente de domesticação e cultivo de plantas e abrigou mais de um centro independente de produção de cerâmica. Terceiro, que o povoamento transformou a paisagem e produziu abundância. Quarto, que o adensamento demográfico gerou diversidade cultural e urbanização. Sabemos, hoje, que havia cidades na Amazônia – em, pelo menos, três ou quatro contextos diferentes”, afirmou Neves.

Lidar

Além disso, avanços tecnológicos, como o sensoriamento remoto aerotransportado “Lidar”, revelaram estruturas até então desconhecidas. Uma dessas descobertas, o sítio arqueológico de Kilamope, na Amazônia equatoriana, comparável em tamanho aos monumentos antigos do Egito e México, foi destaque na revista Science.

Neves apontou que a Amazônia abriga cerca de 16 mil espécies de árvores, das quais apenas 227 respondem por quase metade da cobertura arbórea. Essa dominância, argumenta-se, é um testemunho da influência humana na região ao longo do tempo. “Das dez espécies mais hiperdominantes, seis são palmeiras. E a mais hiperdominante delas é o açaí”, falou.

O manejo fez da Amazônia um centro de agrobiodiversidade e um território de abundância, com a presença de vegetais como o milho, a mandioca, o amendoim, a castanha, a batata-doce, a pupunha, o cacau, o abacaxi, o tabaco, a coca, o guaraná, a pimenta murupi e muitos outros. “A única evidência de domesticação do arroz fora da Ásia e da África é encontrada na Amazônia”, destaca Neves.

Poucos cereais

Um aspecto importante analisado pelo pesquisador é que, nessa grande variedade de espécies, havia poucos cereais, além do milho e do arroz. “O cultivo dos cereais impõe um ritmo anual de atividade e uma necessidade de armazenagem dos grãos coletados. No caso de raízes e árvores, o ritmo é muito mais frouxo”, disse. E associou a não predominância do cultivo de cereais ao fato de o Estado não haver surgido na Amazônia.

Outro ponto ressaltado por Neves foi o fato de a Amazônia ter abrigado vários centros independentes de produção de cerâmica. “A mais antiga que conhecemos nas Américas vem do sítio de Taperinha, um sambaqui fluvial localizado perto de Santarém. A datação mostrou uma idade de mais ou menos 7 mil anos”, contou.

A conferência foi apresentada por Esther Império Hamburger, professora titular da Escola de Comunicações e Artes da USP. E teve a moderação de Maria de Fátima Morethy Couto, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que leu um parágrafo do livro Sob os Tempos do Equinócio, escrito por Neves.

*Com informações da Agência Fapesp

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis

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