A região Nordeste reúne 97 das 100 melhores escolas de anos iniciais do Brasil, segundo dados do Índice Nacional de Educação Básica (Ideb) de 2021. Dessas, 87 ficam no Ceará, as demais em Alagoas e Pernambuco. No ensino fundamental 2, 88 unidades são do Nordeste. Para explicar por que a região lidera índices na educação básica brasileira, a gerente de políticas educacionais do Todos Pela Educação, Ana Gardennya Linard, avaliou o cenário educacional desses estados.

Para ela, a realidade social do Nordeste forçou uma mudança cultural que passou pela priorização dos investimentos em educação. “A gente pode determinar três fatores que coincidem nos principais estados da região Nordeste que são a decisão política, investimento em políticas de aprendizagem e preocupação com toda a trajetória escolar dos jovens”, explica Linard. Sobre a decisão política, a pesquisadora explica que  ela vem antes até dos investimentos. 

“Existe um perfil de políticos daquela região que, por reconhecerem que é uma região menos rica que o restante das outras, precisa haver uma decisão política para colocar a educação como prioridade.  Esse é um dos principais fatores”, ressalta. Já o investimento nos projetos de aprendizagem acontece ao longo de anos. “Existe uma priorização de empreendimentos e projetos voltados tanto para alunos quanto para professores”, pontua.

Leia também:

“Por último é a preocupação com a trajetória desses estudantes desde o seu acesso na educação básica, na pré-escola, até o ingresso no ensino superior. Os maiores percentuais de participação no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) 2023 foram em estados do Nordeste, exatamente por juntar os três fatores”, afirma. Ana Gardennya explicou que o processo se consolidou ao longo dos últimos 10 anos.

“A gente tem os casos de Ceará, Pernambuco, Paraíba e Piauí que vêm investindo bastante no ensino médio. É uma característica dos políticos, dos programas e projetos daquela região, de ter como cerne das suas decisões políticas e investimentos o processo de ensino aprendizagem aluno-professor”, conclui.

Infraestrutura

Embora a região se destaque pelo investimento em projetos pedagógicos e na valorização das pessoas que participam diretamente da educação, a gerente de políticas educacionais ressalta que sem infraestrutura e integração de várias políticas públicas, entre elas a alimentação escolar, os resultados não seriam possíveis.

“São muitas frentes de investimento: conectividade, equipamentos na infraestrutura,  alimentação escolar. Muitos desses alunos têm na alimentação escolar a principal refeição. Isso faz toda diferença. Você pode ter o melhor projeto de política pública, com a pedagogia adequada, didática perfeita, se o aluno estiver com fome ele não vai conseguir aprender. É um conjunto de ações que precisam de investimento e decisão política, essas duas coisas caminham juntas”, completa.

Tempo Integral

Outro ponto considerado fundamental é o investimento nas escolas de tempo integral. A pesquisadora citou o exemplo do estado de Pernambuco, que registrou diminuição dos índices de violência entre jovens de 15 a 17 anos após investir em escolas de tempo integral no ensino médio. “O aluno não estava na rua exposto à violência urbana, ele estava na escola. Além de ficar o dia todo, o aluno é acolhido na escola, tem segurança alimentar, desenvolve habilidades e competências com aulas de programação, dança, mecatrônica. Ele se desenvolve integralmente, por isso é uma escola muito necessária.”

Educação no Ceará chama atenção do Brasil

O município de Sobral, no interior do Ceará, tem a melhor educação básica do país, segundo o último Ideb. O secretário de Educação do município, Hebert Lima, concedeu entrevista ao Sistema Sagres em que explicou os fatores que levaram  a cidade a assumir posição de destaque nacional e internacional. Ele é professor  da Universidade Federal do Ceará e está no comando da educação municipal há oito anos consecutivos.

Ela explicou que as primeiras medidas de reforma escolar da cidade iniciaram em 1997, começando pelo fortalecimento da gestão escolar. “O núcleo gestor cumpre um papel muito importante para o desenvolvimento da aprendizagem efetiva dos estudantes. Há quase 20 anos não há indicação política para cargos de diretores e coordenadores de escolas. É feita uma seleção pública com sete etapas, prova, análise de título, entrevista, curso de formação”, explica.

Outra medida adotada para valorizar a gestão das escolas foi a descentralização financeira, de modo que as unidades escolares tenham autonomia para gerir as verbas e atender às especificidades de cada comunidade. Em paralelo a isso, o município criou uma estrutura própria para garantir a formação continuada dos professores. A atualização constante é uma necessidade da carreira dos professores e é apontado por especialistas como um dos principais problemas da educação brasileira.

Valorização dos professores

“Desenvolvemos uma política de formação continuada institucionalizada no município. Nós temos uma escola de formação continuada de professores onde, há mais de duas décadas, todos os professores do município passam por ela. É um programa permanente de formação de todos os professores das escolas. Essa escola produz material didático complementar que são muito importantes”, afirma o secretário. Além da formação continuada, o município paga um salário acima do piso nacional.

“Foi também criada uma política de valorização do profissional do magistério, por meio de premiações, bonificações, uma série de incentivos, inclusive salariais, a partir dos resultados do desenvolvimento cognitivo e aprendizagem dos estudantes. Nós monitoramos periodicamente todo o desenvolvimento dos estudantes através de avaliações em larga escala.” O secretário explicou que todas as escolas do município, tanto nos anos iniciais, quanto nos anos finais, possuem um psicólogo próprio. “Temos uma política de desenvolvimento das competências afetivas, sociais e emocionais”, pontua.

Um dos projetos em andamento para consolidar e ampliar os resultados positivos é a universalização do ensino em tempo integral. Estamos construindo escolas novas e contratando mais profissionais da educação para chegarmos ao momento em que 100% das matrículas sejam de ensino em tempo integral. 

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria é abordado o ODS 4 – Educação de Qualidade.